Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Os países precisam uns dos outros, e cada um com os seus conhecimentos, experiências e disponibilidades deve contribuir para o bem de todos, num ambiente democrático e de genuína cidadania, porque: «A cidadania activa através da participação popular é considerada um princípio democrático, é a realização concreta da soberania popular, e muito mais que uma actividade eleitoral (…) a cidadania activa a que me refiro supõe a participação da população de forma livre, soberana, visando uma transformação consciente e comprometida com a sociedade.» (BARÃO, 1998:61).
O processo de formação para a cidadania desenvolve-se livremente nas sociedades democráticas, onde os cidadãos, independentemente da idade e estatuto, recebem a preparação adequada para poderem intervir, consciente e eficazmente, nas suas comunidades, com solidariedade e compreensão.
Muito embora se reconheça maior ou menor dificuldade, conforme a idade e a disponibilidade das pessoas, para receber formação cívica, bem como a atitude de resistência à mudança e a tudo o que é novo, é possível defender que a construção da cidadania passa pelo empenho de jovens e adultos, e para que a motivação não falte é necessário investir em recursos técnicos e humanos, que facilitem: não só a aprendizagem; mas que sensibilizem as pessoas para a fruição deste valor cívico-democrático, tão importante no desenvolvimento e relacionamento social.
Com esta orientação, é pertinente que se aprofunde, que se torne extensivo a todos os cidadãos, que se introduza em todos os cursos e níveis de ensino e da formação profissional, módulos sobre esta forma de estar na vida, como cidadãos livres e responsáveis, dignos e respeitados.
O cidadão “luso-brasileiro” para a sociedade deste tempo, não ficará limitado, na sua formação, apenas aos métodos e programas escolares, mas aprofundará e consolidará os seus conhecimentos e atitudes em cumplicidade com o tecido social anónimo, no qual sinta as dificuldades dos mais carenciados e ajude a criar as condições para resolver as necessidades básicas da vida diária, verdadeiramente digna da pessoa humana.
Nesta perspetiva, adultos e jovens devem trocar conhecimentos, experiências, análises, soluções, num ambiente de total descomplexidade, de ausência de supremacias. A cidadania constrói-se com todos, para todos e não de uns contra outros, ultrapassa as regras familiares, os dogmas religiosos e a pedagogia escolar.
Com efeito e: «Na realidade, a questão da cidadania não é um problema basicamente pedagógico e escolar. A cidadania é um direito e pronto. Sua evolução depende da luta nos movimentos sociais. A educação é auxiliar no processo desde que assuma uma visão crítica da história e se comprometa com um novo projecto social libertador dos pobres.» (PEREIRA, 1997:61).
Deixa-se anotada uma atitude que se reputa importante neste novo cidadão, e que é a coerência. De facto, a circunstância do presente trabalho de investigação e apresentação, se desenvolver em moldes científicos, não é incompatível com a citação de análises feitas por estudiosos de graus universitários mais iniciais, hierarquicamente considerados mais baixos, porque é fundamental dar voz e publicidade aos trabalhos dos mais novos, pois estes são o futuro e, como tal, vão viver na sociedade que devem e podem ajudar a construir. Deste ponto de vista é também um incentivo, uma homenagem aos jovens cidadãos investigadores.
O cidadão “luso-brasileiro” que é preferido, no que respeita à construção da cidadania, numa sociedade democrática, poderá não ter idade adulta, condição que não incomoda, porque não é só dos mais idosos, mas também, e cada vez mais, dos jovens que surgem contributos riquíssimos no aperfeiçoamento de ideias, de práticas e dos correspondentes resultados.
Afinal todos são sujeitos de deveres e direitos; todos são seres humanos com igual dignidade; e todos têm obrigação de exercer e respeitar os valores da cidadania, quaisquer que sejam as idades com que intervêm, porque o fundamental: «o ser-sujeito, é o cidadão – consciente dos seus direitos e deveres, ser que reivindica, que luta por superar a dependência, ser responsável, capaz de compreender a cidadania como participação social e política…» (GONÇALVES, 1999:13).
Assim seja aceite e apoiado este projeto de trabalho, em que um dos objetivos visa uma maior aproximação entre povos irmãos, que se querem bem, e porque pode contribuir para a institucionalização de uma cidadania recíproca e única – luso-brasileira – e, além do mais, por muito que alguns pretendam minimizar o relacionamento, não poderão apagar a História comum de mais de trezentos anos, e que uma língua única, embora com alguns cambiantes, em ambos os lados do Atlântico, igualmente une, a que acrescem os laços profundos de amizade e amor entre famílias, que ao longo dos séculos se têm constituído.
Uma cidadania assente numa língua que ambos os povos utilizam com toda a riqueza dos respetivos matizes. Um outro elemento que justificaria uma tal cidadania “luso-brasileira” prende-se com o Direito, na elaboração e adaptação da Constituição do Brasil Independente, entrada em vigor em 1824, cujo contributo do autor de referência, Silvestre Pinheiro Ferreira, (1769-1846), foi importante.
Ainda um fator que se reputa essencial e comum aos dois países é a religião católica, maioritariamente, praticada pelos dois povos. Todos estes elementos e circunstâncias, contribuíram para a formação do cidadão brasileiro e, atualmente, pode-se pensar numa cidadania “luso-brasileira”, porque o elemento aglutinador continua a ser a língua, enriquecida com uma sonoridade melódica que a partir do Brasil a todos encanta, embora certos setores puristas possam causar algumas interferências, num ou noutro sentido.
Todavia, sabe-se que: «Este embate percorre até hoje a questão da língua no Brasil que, por muitas vias, repõe a necessidade da unidade da escrita com Portugal. Para isso desloca o padrão da literatura para a escrita culta, ou seja, exclui-se do padrão o que de oral se põe na escrita. (…) Desta forma a gramatização brasileira que se instala como uma tensão entre o específico brasileiro e um modelo português, chega ao final do século XX como afirmação de que apesar dos séculos de mudança e diferenciação mútua, há uma unidade linguística entre Brasil e Portugal.» (GUIMARÃES & ORLANDI, 1996:12).
Uma tal cidadania “luso-brasileira”, assente em tantos fatores relevantes, não parece despicienda e, em início de século, outros valores se vêm tornando comuns aos dois países. Refere-se a defesa dos direitos humanos, em que o Brasil foi reconhecido com a nomeação de um seu prestigiado diplomata a Alto-comissário para os Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas ([1]) e, independentemente de culturas relativamente diferentes, não superiores ou inferiores, sejam ocidentais ou orientais, num ponto todo o mundo poderá estar de acordo quanto à defesa dos direitos humanos e, com mais propriedade, o Brasil e Portugal, neste aspecto, estão, seguramente, na mesma linha de pensamento porque: «o fundamento dos Direitos Humanos é o respeito incondicional da pessoa.» (CANIVEZ, 1998:98).
O cidadão luso-brasileiro do século XXI insere-se num projeto mais vasto de cidadania como um só povo irmão. Admite-se que alguns, porventura poucos, considerem tal projecto inviável, ou até uma pretensão de grandeza. Pensa-se, precisamente, o contrário e a prová-lo estão documentos legais publicados em ambos os países: “Tratado de Amizade e Cooperação entre Portugal e o Brasil”, assinado em 22 de abril de 2000, justamente nas comemorações do quinto centenário do estabelecimento de relações entre o Brasil e Portugal.
Há dezasseis anos: “Acordos de Reciprocidade para Trabalhadores Portugueses e Brasileiros nos dois países” (julho 2003). De entre os muitos meios que podem implementar e consolidar a cidadania “luso-brasileira”, privilegia-se a educação, o ensino e a formação, através do intercâmbio entre as escolas de todos os níveis e graus de ensino e professores-formadores, que para além da troca de conhecimentos, técnicas e tecnologias, podem (e devem) proporcionar comportamentos adequados a uma cidadania própria e desejável para este século XXI. Uma Cidadania da Harmonia, da Amizade e da Solidariedade.
Na verdade: «Assim, consideramos que a aquisição de conhecimentos deve ser acompanhada por uma educação da personalidade e das atitudes, por uma maior abertura cultural e por um constante estímulo à responsabilidade social, propondo uma abordagem do processo educativo enquanto sistema aberto e interligado, em que cada elemento influencia os outros numa espécie de corrente educativa.» (RAPOSO, 1999:272).
O processo dinâmico de influências recíprocas funciona, é utilizado em muitas atividades humanas, com grande destaque para a vida política que recorre, muito frequentemente, a esta tática e que produz resultados que os responsáveis avaliam, de acordo com os objetivos pré-estabelecidos.
Importa, em especial, que idêntico processo e outros devidamente adaptados sejam desenvolvidos e aplicados na sociedade, em ordem a alcançar resultados no domínio da formação cívica dos cidadãos que, após terem pleno conhecimento do que em cada momento é necessário fazer e do que está em jogo, possam, com total consciência, assumir atitudes, posições, opções credíveis, favoráveis aos interesses coletivos e protegendo os interesses legítimos particulares.
Bibliografia
BARÃO, Gláucia Valéria, (1998). Educação e Cidadania: a Formação do Cidadão Ativo, Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Faculdade de Educação, (Monografia para título de licenciamento em Pedagogia).
CANIVEZ, Patrice, (1998). Educar o Cidadão, Trad. Estela dos Santos Abreu e Cláudio Santoro, 2ª Ed., Campinas: Papirus. (Colecção Filosofar no Presente).
GONÇALVES, Francisca dos Santos (Org.), (1999). Formação do ser-sujeito: desafio à prática da cidadania, Belo Horizonte: Imprensa Universitária/UFMG.
GUIMARÃES Eduardo, e ORLANDI, Eni Puccinelli, (Orgs), (1996). Língua e Cidadania – O Português no Brasil, Campinas: Pontes.
PEREIRA, Célia Villasanti, (1997). Educação de Adultos na Construção da Cidadania, Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Faculdade de Educação. (Monografia para título de licenciamento em Pedagogia).
RAPOSO, Ana Paula, (1999). “Educação para o Desenvolvimento” in IX Encontro da Associação das Universidades de Língua Portuguesa – AULP, Maputo: Salão Nobre do Conselho Municipal de Maputo – Moçambique.
Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
http://nalap.org/
[1] Com efeito, o Professor Doutor Sérgio Vieira de Melo, foi o cidadão, prestigiado diplomata, e funcionário das Nações Unidas nomeado para Alto-comissário para os Direitos Humanos. Infelizmente, a 19 de Agosto de 2003, ocorre a tragédia em Bagdad-Iraque, materializada no brutal ataque à Delegação das Nações Unidas, onde aquele diplomata trabalhava como representante especial do Secretário-geral da Organização, na condução do processo de normalização da vida no Iraque, acabando por falecer, vítima de um atentado terrorista.