Caso gêmeas: Ex-secretário rejeita responder às questões da comissão de inquérito

O antigo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales durante a audição perante os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito - Gémeas Tratadas com o Medicamento Zolgensma, na Assembleia da República, em Lisboa, 17 junho de de 2024. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Mundo Lusíada com Lusa

 

Nesta segunda-feira, o ex-secretário de Estado António Lacerda Sales rejeitou responder às questões da comissão parlamentar de inquérito ao caso das gêmeas luso-brasileiras tratadas com o medicamento Zolgensma por estar a decorrer um processo judicial.

Lacerda Sales disse que o seu estatuto de arguido o coíbe de fazer qualquer declaração, recordando que decorre um inquérito do Ministério Público que se encontra em segredo de justiça.

“Vou manter-me em silêncio em todas as questões”, salientou o ex-governante durante a audição na comissão parlamentar de inquérito.

Quando se iniciou a primeira ronda de intervenções dos deputados surgiu a questão se as perguntas seriam colocadas, uma vez que Lacerda Sales tinha anunciado que não responderia.

O presidente da comissão parlamentar de inquérito admitiu que a reunião pudesse continuar à porta fechada, mas tal acabou por não acontecer.

Rui Paulo Sousa defendeu que “os deputados estão em condições de colocar questões” e Lacerda Sales teria o direito de não responder.

“Ambos os direitos têm de ser exercidos”, indicou o deputado do Chega.

O líder do Chega, André Ventura, disse ter tinha dúvidas, enquanto jurista, sobre “o enquadramento legal” em que Lacerda Sales “se vai refugiar” e salientou que a comissão tem direito a questionar e o ex-secretário de Estado “terá direito, caso a caso, a recorrer ao silêncio”.

O deputado João Almeida, do CDS-PP, defendeu que o antigo secretário de Estado não poderia invocar o segredo de justiça e que “tem direito a dizer que não responde àquela pergunta”, mas “não pode fazer uma declaração genérica que não responde a questões”, defendendo que os deputados têm direito a colocá-las.

Já o deputado João Paulo Correia, do PS, sustentou que não deveriam ser colocadas perguntas face à intenção manifestada por António Lacerda Sales de não responder e alertou que a comissão de inquérito poderia estar a incorrer “num exercício de abuso de direito” e “estar a fazer mais do que a lei processual penal permite”.

António Rodrigues, do PSD, questionou o ex-secretário de Estado se iria responder a questões no âmbito do “exercício das suas funções mas que não tenham a ver com este caso”, tendo Lacerda Sales dito não ver qual a utilidade e o interesse de abordar questões “fora do objeto desta comissão”.

A reunião prosseguiu com os partidos a colocar questões a António Lacerda Sales, que na maioria das vezes escusou-se a responder, alegando o direito ao silêncio e não querer interferir com o processo judicial.

Marcelo, Costa ou Temido

Lacerda Sales disse que nunca falou com o Presidente da República, com o ex-primeiro-ministro ou com a antiga ministra da Saúde Marta Temido sobre o caso das gêmeas.

“O senhor Presidente da República nunca falou comigo sobre este caso”, afirmou, recusando também ter falado com António Costa ou Marta Temido sobre a situação destas crianças. Lacerda Sales respondia ao deputado André Ventura.

O ex-secretário de Estado disse também que “nunca chegou nenhum e-mail nem nenhum processo formalizado” ao seu gabinete.

Questionado quanto a processos informais, António Lacerda Sales invocou o direito ao silêncio, tal como fez para várias outras questões que lhe foram colocadas, justificando com o facto de ser arguido e não querer “interferir na investigação” judicial.

“Eu nunca lhe disse que marquei a consulta”, indicou o antigo governante, afirmando também que “nunca disse que não tinha reunido com o filho do Presidente da República”.

António Lacerda Sales salientou que “ninguém passou à frente de ninguém, nem sequer há lista de espera”, reiterando que “foram tratadas até hoje 36 crianças” com o mesmo tratamento.

E disse estar orgulhoso de Portugal e do Serviço Nacional de Saúde por “nunca ter abandonado ou esquecido estas crianças”.

André Ventura questionou ainda o antigo secretário de Estado se é comum haver favores na área da saúde, e Lacerda Sales respondeu que não.

Ventura manifestou estranheza e considerou que “alguma coisa aqui não está muito certa”, questionando se “o e-mail circulou sozinho, sem que ninguém fale”, e salientou o custo do medicamento.

Perante a decisão de Lacerda Sales de se remeter ao silêncio, Ventura disse não ver “como a verdade pode interferir no processo” e defendeu que quando foi arguido foi “o primeiro a dizer tudo”.

“Se o doutor Lacerda Sales visse da mesma forma, estaríamos a ter esclarecimentos seus”, salientou.

Lacerda Sales assumiu a “responsabilidade política” no caso. “Eu já assumi a responsabilidade política, porque era eu o secretário de Estado, não a responsabilidade técnica”, salientou Lacerda Sales, após ter sido interpelado pelo deputado do CDS-PP João Almeida na segunda ronda de questões colocadas pelos deputados na comissão

Investigação

A comissão parlamentar de inquérito vai continuar os trabalhos enquanto decorre a investigação judicial, devendo a mãe das crianças ser ouvida na sexta-feira, “em princípio por videoconferência”.

A comissão, reunida em mesa e coordenadores, debruçou-se hoje sobre um despacho do presidente da Assembleia da República sobre “a possibilidade de suspensão do processo de inquérito parlamentar até ao trânsito em julgado da correspondente sentença judicial (n.º 4 do artigo 5.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares)”.

A reunião decorreu à porta fechada e, no final, o presidente da comissão disse aos jornalistas que a iniciativa não foi votada, mas existiu um acordo dos partidos para que o inquérito prossiga.

“O que ficou acordado na reunião de mesa e coordenadores é que os trabalhos da comissão não irão ser suspensos, vão continuar apesar de estar a haver o inquérito da parte do Ministério Público. Não vai haver suspensão, vai decorrer normalmente, como têm decorrido as outras comissões de inquérito até agora, que continuaram a decorrer a par do próprio inquérito do Ministério Público”, afirmou.

O presidente da comissão de inquérito disse ainda aos jornalistas que a audição da mãe das gémeas “tudo indica” que será na sexta-feira, “em princípio por videoconferência”. Em relação ao pai, não está agendada, uma vez que o parlamento ainda não teve resposta, referiu o deputado.

As audições da comissão de inquérito sobre o caso das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com um medicamento que tem um custo de dois milhões de euros por pessoa, arrancam hoje, com o depoimento do ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde António Lacerda Sales.

O presidente da comissão indicou também que os trabalhos vão decorrer até 26 de julho, sendo suspensos durante o mês de agosto, e retomam no dia 10 de setembro.

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