Mundo Lusíada com Lusa
O ex-secretário de Estado da Saúde Lacerda Sales admite ter-se reunido com o filho do Presidente da República, num encontro em que Nuno Rebelo de Sousa lhe falou do caso das gêmeas, mas continua a negar ter marcado qualquer consulta.
Numa entrevista ao jornal Expresso hoje divulgada, Lacerda Sales conta que foi o filho do Presidente de Portugal a pedir uma reunião, “com o objetivo de apresentar cumprimentos”, e que, durante o encontro, falou do caso das duas crianças com atrofia muscular espinhal (AME), que viriam a ser tratadas no Hospital de Santa Maria com um fármaco de dois milhões de euros (por pessoa).
“Disse-me que conhecia duas crianças luso-brasileiras com AME, com perto de 1 ano, e que seria importante fazerem um medicamento (Zolgensma) até cerca dos 2 anos. Não me deu conta de que haveria um processo paralelo do ponto de vista formal, que tinha havido contatos com a Estefânia, com a Casa Civil, que esse contacto tinha ido para o gabinete do primeiro-ministro e para o Ministério da Saúde”, afirma.
Questionado sobre se perguntou a Nuno Rebelo de Sousa a que propósito estava a interceder pelas crianças, responde: “Nunca perguntei. Deixei-o falar, simplesmente.”
O ex-governante conta igualmente que o filho do Presidente da República lhe perguntou qual seria a amplitude da sua intervenção e que lhe respondeu que “trataria este caso como todos os outros, sem privilégio”.
Nos documentos que recebeu do Ministério da Saúde, diz Lacerda Sales, “não há qualquer referenciação em termos de processo formalmente constituído”.
“Não havia nenhum documento, nem sequer nenhuma informação, de que um processo formal poderia estar a decorrer paralelamente”, acrescenta, insistindo que não pediu a consulta no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, como refere a neuropediatra que tratou as crianças.
“Reitero aquilo que disse múltiplas vezes: não marquei nenhuma consulta, não fiz nenhum telefonema, nunca recebi nenhum processo formalmente constituído e, portanto, também nunca contactei formalmente o Hospital de Santa Maria. Recebi a informação da situação das duas gêmeas com AME (doença fatal, raríssima) e que necessitariam de tratamento. Foi a única informação”, afirma.
Questionado sobre se algum contacto com o hospital poderia ter sido feito por alguém do seu gabinete, sem o seu conhecimento, Sales responde: “Assumo as responsabilidades do que possa ter ocorrido no meu gabinete, com ou sem o meu conhecimento, e gostaria de pedir desculpa aos portugueses de bem e que percebessem que se alguma coisa ocorreu teve um único objetivo: salvar duas crianças.”
O caso das duas gêmeas residentes no Brasil que adquiriram nacionalidade portuguesa e receberam em Portugal, em 2020, o medicamento Zolgensma, com um custo total de quatro milhões de euros, foi divulgado pela TVI, em novembro, e está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS).
Uma auditoria interna do Hospital Santa Maria concluiu que a marcação de uma primeira consulta hospitalar pela Secretaria de Estado da Saúde foi a única exceção ao cumprimento das regras neste caso.
Segundo o relatório da auditoria interna pedida pelo Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), os controlos internos de admissão, tratamento e monitorização dos tratamentos a crianças com atrofia muscular espinhal entre 2019 e 2023 foram respeitados, à exceção da “referenciação de dois doentes para a primeira consulta de neuropediatria”.
O documento refere ainda que as duas meninas foram referenciadas (através do pedido de consulta) pelo então secretário de Estado da Saúde, uma situação que Lacerda Sales continua a negar.
Audição
O líder do Chega comentou a derrubada dos requerimentos apresentados pelo seu partido para o parlamento ouvir os pais das crianças luso-brasileiras tratadas no hospital de Santa Maria, em Lisboa, e também os da Iniciativa Liberal para audição dos ex-governantes Lacerda Sales e Marta Temido, e ainda o filho do Presidente, Nuno Rebelo de Sousa.
O Chega e IL criticaram o PS por rejeitar audições parlamentares sobre o caso. “Decidimos hoje chamar também ao parlamento, a título de urgência e de forma potestativa, a ministra da Justiça, para que possa explicar como é que foi atribuída a nacionalidade em 14 dias a estas pessoas para beneficiarem deste tratamento”, afirmou André Ventura.
“Não vamos abdicar que o país seja esclarecido antes de começar a campanha eleitoral”, indicou André Ventura, acusando o PS de agir “de forma prepotente” e de usar “um poder abusivo” para rejeitar estas audições.
O presidente do Chega considerou que “vai contribuir decisivamente para contaminar ainda mais a campanha eleitoral” e lamentou o chumbo destas audições, quando “o país espera esclarecimentos sobre esta matéria”, para “encerrar este assunto do ponto de vista político”.
Também o líder da IL, Rui Rocha, falou aos jornalistas sobre o chumbo à entrada para uma reunião com a Ordem dos Médicos, em Lisboa, considerando que a conclusão é que “o PS aprova na Assembleia tudo aquilo que lhe dá jeito e chumba tudo aquilo que é incómodo”.
“Esse argumento é que não se pode chamar ex-governantes. Ora, o PS já chamou ex-governantes à comissão noutras matérias, nomeadamente Sérgio Monteiro e Pires de Lima, quando estava a decorrer a comissão de inquérito da TAP e ao mesmo tempo o PS chamou à Comissão de Economia estas pessoas para desvirtuar a comissão de inquérito à TAP”, disse.
Para presidente liberal, “só há uma solução para resolver isto e essa solução está no dia 10 de março” que “é tirar o PS do poder”.
Já, na terça-feira, o bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, afirmou que interceder para salvarem vidas, “não fazem mal a ninguém”, referindo-se ao caso com suspeitas de favorecimento.
“Sou totalmente contra as cunhas, mas cunhas que salvam crianças, não fazem mal a ninguém. Não é por aí que enferma o SNS [Serviço Nacional de Saúde], não é por aí que enferma a corrupção. Antes fosse”, disse em conferência de imprensa de apresentação da sua mensagem de Natal.
José Ornelas abordou esta caso dizendo que gostaria de ver “neste Natal contada a história bonita” do salvamento das duas crianças. “Da parte dos comentários que tenho ouvido, são poucos os comentadores que têm falado das duas meninas. No Natal, é uma história bonita para contar”, disse.
José Ornelas prosseguiu: “Eu gostava de contá-la assim: Havia duas meninas que estavam a ponto de morrer, não tinham salvação. Então, ouviram dizer que havia médicos e havia um tratamento que podia salvá-las. E o que é que eles fizeram? Foram a tudo. No Serviço Nacional de Saúde, marcavam lhe consulta para daqui a um ano. Mas houve gente que se apressou. Fosse quem fosse, não interessa. Se isso é ser corrupto, aqueles que ajudaram, então eu também quero ser corrupto”.