Da Redação
Com Lusa
As casas regionais portuguesas no Rio de Janeiro, Brasil, atravessam problemas devido ao envelhecimento da comunidade que as frequenta, travando uma luta diária pela renovação de gerações para assegurar o legado construído durante décadas por emigrantes.
A agência Lusa falou com o presidente mais velho a liderar uma casa regional na cidade carioca, assim como com o mais novo, e apesar dos cerca de 50 anos de idade que os separam, ambos relatam dificuldades em atrair um público jovem para as suas associações.
Dos 92 anos de vida de Manuel Branco, cerca de 70 foram passados na direção da Casa do Porto no Rio de Janeiro. Contudo, a experiência e o amor que deposita no projeto não são suficientes para manter a casa ativa.
“A Casa do Porto foi fundada para unir portugueses e brasileiros, assim diz o nosso estatuto, visando também atrair aqueles ‘tripeiros’, portuenses, para que se reunissem nesta casa. O nosso fundador correu entre bares e restaurantes, à procura de pessoal do Porto para fundar esta casa, e conseguiu, em 1945”, disse à Lusa o ‘senhor Branco’, como é tratado pela comunidade portuguesa.
É com tristeza que assegura que a realidade dos dias de hoje em nada se compara aos tempos em que os emigrantes portugueses chegaram ao Brasil e lutaram por deixar um legado de grandes obras, numa tentativa de ajudar o povo lusitano que chegava ao país sul-americano.
“As coisas mudaram muito ao longo destes 70 anos. Naquele tempo havia por aqui muitos portugueses, mas agora são poucos. Atualmente, é muito difícil formar-se uma direção para administrar as casas regionais. Hoje não é como naquele tempo, em que as pessoas vinham e trabalhavam por gosto, e faziam surgir grandes obras, como hospitais, associações, como a Caixa de Socorros D. Pedro V, o Liceu Literário Português ou o Real Gabinete Português de Leitura”, disse, saudoso.
“Foram esses portugueses de outrora que fundaram tudo isso. Mesmo não ganhando muito, guardavam sempre um pouquinho para ajudar a associação, e vê-la crescer. Hoje, luta-se para manter esses edifícios históricos. Até os portugueses que cá estão não têm a mesma união de antigamente”, lamentou o presidente da Casa do Porto.
A atrasar o desejo de regressar à sua terra natal, Santo Tirso, para aproveitar os seus restantes anos de vida na cidade onde construiu um vasto patrimônio, há uma grande obra que Manuel Branco iniciou, e que lhe está a tirar muitas horas de sono: a construção de um complexo desportivo de um novo salão de festas na Casa do Porto, para a qual faltam cerca de 300 mil reais (57 mil euros).
Branco revelou que em setembro passado esteve na Câmara Municipal do Porto, onde foi recebido pelo presidente, Rui Moreira, que lhe prometeu ajuda financeira para concluir a obra. Contudo, esse dinheiro ainda não chegou às mãos do português, que aos 19 anos chegou sozinho ao Rio de Janeiro, e que conseguiu erguer cinco empresas na área da restauração, após vários anos a lavar louça e a trabalhar como ‘garçom’.
“Eu, com 92 anos, já não espero muita coisa. Tenciono apenas terminar esta obra para voltar para Portugal, entregando a casa do Porto a uma nova direção. Mas não posso abandonar isto por acabar. O meu sonho sempre foi a Casa do Porto, tenho muito amor para este projeto. Se tivesse o dinheiro todo necessário a obra acabaria em meados de agosto, e eu já poderia voltar à minha terra”, afirmou o empresário.
Para ajudar nas despesas, a Casa do Porto aposta no aluguer do seu espaço desportivo, assim como na organização de dois almoços mensais, dedicados à gastronomia portuense. Contudo, por vezes, até essas refeições lhe trazem prejuízo, pois “ninguém comparece”.
Segundo Branco, atualmente aquela casa é mais frequentada por brasileiros do que pelos próprios portugueses, cuja média da faixa etária é superior a 60 anos.
“As nossas associações ainda são o melhor lugar para uma reunião ou um encontro de amigos, de confraternização, sem brigas. Este é um ambiente familiar. O meu desejo é que esta casa continue com este espírito, e que continue ‘mui nobre e sempre leal’, como a invicta cidade do Porto”, concluiu o nonagenário.
Na Casa do Porto, na região da Tijuca, o único movimento que a reportagem da agência Lusa encontrou foram cinco idosos, à volta de uma mesa, a jogar cartas. Contudo, a alguns quilômetros de distância, a circulação de pessoas na Casa dos Açores era muito superior, com um grande número de adolescentes e crianças a entrar e a sair do edifício.
Leonardo Soares, um luso-brasileiro de 40 anos, explicou que essa movimentação juvenil se deve às equipas desportivas da região, que alugam o espaço da Casa dos Açores para a prática de várias modalidades.
Leonardo, filho de emigrantes açorianos, é o mais jovem presidente de uma casa regional portuguesa no Rio de Janeiro, função que assumiu no ano passado.
Contudo, a sua ligação à Casa dos Açores é bem anterior, e começou quando o administrador tinha 20 anos, e foi convidado pela gestão da época a integrar os quadros da direção, na ocasião como diretor artístico do grupo de folclore e, mais tarde, como tesoureiro.
Essa foi uma estratégia adotada pela direção da Casa dos Açores, há duas décadas, para renovar as gerações daquela associação, uma aposta que Leonardo mantém nos dias de hoje.
Apesar de a Casa dos Açores conseguir diferenciar-se das demais associações regionais devido ao dinamismo e modernidade que consegue apresentar, o lusodescendente não esconde os problemas de envelhecimento do seu público.
“Sabemos que a dinâmica da casa foi mudando ao longo dos anos, o que é natural e normal. A Casa dos Açores tem hoje uma comunidade pequena, envelhecida, a verdade é essa. O nosso principal objetivo agora, além de manter as tradições, é divulgar a casa para um público brasileiro. Temos muitos descendentes de açorianos no Rio de Janeiro e que não fazem a mínima ideia da existência desta casa”, frisou.
A oferta da Casa dos Açores é bastante alargada: possui um grupo de folclore, um gimnodesportivo, uma piscina, dois salões com capacidade para mais de 100 pessoas, um bar e uma academia de ginástica, sendo que todos os espaços estão alugados a terceiros, o que garante a sobrevivência financeira da associação.
Além disso, a Casa, que estás prestes a completar 68 anos, inaugurou recentemente um centro cultural, com uma biblioteca, assim como um espaço infantil.
Ao contrário do ‘senhor Branco’, da Casa do Porto, Leonardo Soares assegura que não presidirá àquela associação açoriana além de dois mandatos, por considerar fundamental a renovação nos cargos.
“O nosso principal desafio passa por renovar gerações, não só na nossa casa, mas em todas as associações regionais portuguesas. Esse é o caminho. Há algumas correntes que defendem as fusões de casas, mas não vejo isso como futuro, pois acho que acabarão por ‘matar’ a cultura de determinadas regiões”, advogou.
“O trabalho agora é trazer jovens e cativá-los. Considero importante a renovação, porque ninguém é dono de uma casa ou de uma instituição. Mas, mesmo quando sair da presidência, quero continuar por cá, a ajudar”, defendeu o luso-brasileiro.