Da Redação
Com Lusa
O reitor da Universidade de Coimbra (UC) defendeu que a academia está a “cuidar do futuro” dos jovens ao decidir eliminar, a partir de janeiro de 2020, a carne de vaca das ementas das suas cantinas.
A decisão foi contestação em Portugal, mas o reitor Amílcar Falcão considerou a visão da Universidade de Coimbra em relação a essa matéria “tem a ver com as alterações climáticas, não tem a ver com nenhuma questão financeira, nem nenhum grupo econômico, nem com partidos políticos”, assegurou.
“O que estamos a fazer é olhar para o futuro, cuidar do futuro dos jovens, é um problema de geração. Quem quiser entender que as universidades e a nossa, no caso concreto, têm responsabilidade social, entende. Quem não quiser entender, pois com certeza, é livre de ter opinião diferente”, acrescentou.
Não esteve nem está no “horizonte da Universidade intrometer-se em assuntos que não lhe dizem respeito”. Porém, referiu, a saúde, a educação e o futuro dos jovens são assuntos que dizem respeito à academia, já que atender às componentes “científica, educacional e de formação dos futuros profissionais e quadros” do país é “obrigação” da instituição.
Segundo o reitor, “a maioria da juventude está a favor” da medida agora adotada pela UC, pois “sabe, percebe, pressente” os perigos para o seu futuro: “Se não cuidarmos do planeta – e é isso que está em causa, não é mais nada – todo o resto são aproveitamentos colaterais”.
O fim da carne de bovino nas 14 cantinas da UC é “apenas uma parte da questão”, advertiu Amílcar Falcão, recordando que quando anunciou esta medida também deu conta de outras decisões no mesmo sentido, como a “tentativa de eliminação do plástico, a todos os níveis, nos laboratórios, nas cantinas, nas residências, em toda a atividade da universidade” e a redução do tráfego na universidade.
A contestação é uma “reação natural” a este tipo de medidas, reconheceu o reitor, recordando casos como as relacionadas com os sacos de plástico nos supermercados ou a venda de produtos com sal ou açúcar em excesso em produtos vendidos através de máquinas instaladas em hospitais, que também foram contestadas e acabaram por ser compreendidas e bem aceites.
“Importante é também perceber que a academia e os estudantes estão satisfeitos com a posição da universidade, que pretende dentro de 10 anos ser neutra do ponto de vista carbônico”, afirmou, sublinhando que este é um dos “objetivos para o desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas”.
A Universidade de Coimbra “não está a inventar nada, apenas a alinhar pelas políticas definidas a níveis muito superiores”.
Desde que em 17 de setembro o reitor anunciou a eliminação da carne de vaca das ementas das cantinas da UC, a medida foi contestada pelas confederações dos Agricultores de Portugal (CAP), Nacional da Agricultura (CNA) e Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri), e pelas associações Portuguesa dos Industriais de Curtumes (APIC), dos Produtores de Leite de Portugal (APROLEP), Empresarial da Região de Coimbra (NERC), dos Jovens Agricultores de Portugal (APAJ), Nacional de Criadores de Suínos da Raça Bísara (ANCSUB) e de Criadores de Ovinos Mirandeses (ACOM) .
Também as federações das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (FAABA) e Agrícola dos Açores e a Cooperativa Agrícola de Arcos de Valdevez e Ponte da Barca, entre outras organizações, se manifestaram contra a medida.
Sustentabilidade
O líder distrital de Coimbra do CDS, Rui Nuno Castro, reagiu “com desalentada surpresa” à decisão da UC, tal como a deputada Patrícia Fonseca, recandidata ao lugar pelo CDS por Santarém. O cabeça de lista do PSD por Beja, Henrique Silvestre, considerou que a UC “perdeu uma oportunidade de incentivar” os empresários agrícolas portugueses a aderirem a práticas ambientalmente sustentáveis.
A Fenapecuária mostrou-se indignada com a decisão, e considerou que as condições dos concursos das cantinas devem incluir variáveis como distância de produção dos alimentos. “A Fenapecuária [Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas de Produtores Pecuários] manifesta a sua profunda indignação e preocupação com as declarações do Sr. Reitor da Universidade de Coimbra, repudiando-as veementemente pela falta de rigor e manifesta demagogia que acarretam”, lê-se no comunicado intitulado “haja bom senso”.
A federação de produtores de criação de gado considera que o setor “já começa a habituar-se aos constantes ataques daqueles que, por ignorância, fanatismo ou populismo, proferem declarações sem a necessária sustentação técnica ou científica”, mas que mesmo assim não pode deixar de demonstrar indignação.
Citado em comunicado, o presidente da federação, Idalino Leão, considerou que as cantinas devem é introduzir variáveis de sustentabilidade ambiental nos cadernos de encargos dos concursos das cantinas públicas, “como a distância onde são produzidos e consumidos os bens alimentares”.
“Para isso, é importante que os partidos políticos estejam dispostos a fazer as respectivas alterações ao código da contratação pública”, refere o presidente da Fenapecuária.
A federação pede ao Governo que também promova o esclarecimento público, assumindo um “papel ativo na moderação deste debate”.
“Deixa-nos preocupados que o Sr. Reitor refira que a carne de vaca será substituída por nutrientes a serem estudados. Esses nutrientes não existem? Serão criados em laboratório? Que garantias terão de oferecer para que o Sr. Reitor os considere mais sustentáveis do que a carne de vaca?”, questiona a federação, que considera que a “racionalidade e o rigor” acabará por vir ao de cima, sobretudo estando em causa uma “instituição centenária e de mérito científico” como a Universidade de Coimbra.