Cabo Verde precisará sempre da ajuda de Portugal, diz Presidente em Lisboa

Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa (D), acompanhado pelo Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, intervém durante a realização da 5.ª edição do EurAfrican Forum que decorre em Cascais, 29 de julho de 2022. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Da Redação com Lusa

Na capital portuguesa, o Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, disse neste dia 29 que o arquipélago “precisará sempre da ajuda de Portugal”, destacando que tem sido “um parceiro extraordinário” na ajuda que deu ao país africano.

“Cabo Verde precisará sempre da ajuda de Portugal e Portugal tem sido um parceiro extraordinário de Cabo Verde”, disse José Maria Neves, num painel partilhado com o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, que encerra o Fórum Eurafrica, que termina esta sexta-feira em Carcavelos, nos arredores de Lisboa.

“O nível de relacionamento que existe é excelente e nos períodos de seca temos tido enorme apoio de Portugal, agora durante a pandemia e desde o primeiro momento, primeiro no apoio aos testes, contamos com forte apoio na campanha de vacinação”, exemplificou.

O chefe de Estado cabo-verdiano destacou ainda o apoio no programa de recuperação econômica. “Conseguimos rapidamente negociar a questão da dívida para reescalonar os pagamentos e aliviar o serviço da dívida, e agora estamos a discutir questões mais elevadas e sensíveis em termos de gestão deste período de transição”, disse.

José Maria Neves assumiu que Cabo Verde vive um momento “extremamente difícil”, lembrando os sucessivos anos de seca, a pandemia e os condicionalismos regionais que afetam o arquipélago.

“Em termos institucionais, as coisas funcionam, há boas condições de governabilidade e políticas, mas do ponto de vista social e econômico a situação é extremamente difícil por causa dos sucessivos anos de seca, por causa da pandemia, e também por causa da instabilidade a nível internacional, particularmente por causa da guerra na Ucrânia”, disse o chefe de Estado.

“Estamos num contexto difícil na África Ocidental, onde temos a pirataria marítima, há instabilidade política nalguns países, há terrorismo no corredor do Sahel, o contexto é muito difícil e a seca e a pandemia trouxeram devastação econômica ao país, em 2020 perdemos 15% do PIB, o desemprego subiu, as desigualdades também e a pobreza e é neste contexto difícil que muitas vezes procuramos respostas simplistas”, alertou.

Cabo Verde precisa de 80 milhões de euros, que procurará “com diferentes parcerias, com o Banco Africano de Desenvolvimento, com o Banco Mundial e do Banco Europeu de Investimentos, para discutir um conjunto de investimentos privados na transição energética e com os diferentes países, designadamente Portugal”, acrescentou o chefe de Estado.

José Maria Neves lembrou a ideia de transformar a dívida em investimentos em energias renováveis, na área da transição energética e na economia azul, salientando o objetivo de passar de 25% de energias renováveis para 50% de penetração em 2030.

“A solução agora é acelerar o ritmo de penetração das renováveis e reduzir a dependência fóssil e abrir para aproveitarmos o mar de oportunidade que há no mar cabo-verdiano e podermos assim garantir a diversificação da economia no quadro da estratégia do governo, que é ter um centro internacional de prestação de serviços”, salientou o Presidente.

O chefe de Estado reconheceu que “como o país não tem recursos naturais tradicionais, está a ser feito tudo para aumentar substancialmente a penetração de renováveis”.

“Felizmente temos vento, sol e mar”, concluiu.

Europa – África

José Maria Neves defendeu que a crise econômica vai criar “profundas mudanças” na relação entre os continentes europeu e africano, admitindo que há ainda “ressentimento” e resquícios da guerra fria.

“A Europa vai relacionar-se com África tendo em conta a complexidade existente no continente africano, há ainda muito ressentimento e há persistência de aspetos da guerra fria, é preciso considerar esses elementos no debate das relações entre África e Europa”, disse José Maria Neves, no diálogo presidencial com o homólogo português.

“A questão não é só o envelope financeiro, a União Europeia pode meter 150 mil milhões de euros para o Global Gateway, a China pode colocar 3 mil milhões, a Rússia outros tantos, mas agora há uma questão que um dos presidentes destacou, quando disse que o seu país não votou a resolução da ONU de condenação, mas ele estava lá, em Bruxelas”, na reunião que em junho juntou vários chefes de Estado africanos numa cimeira com a União Europeia.

Relatando a experiência da participação nessa reunião, José Maria Neves disse que a presença desse chefe de Estado, que votou contra a condenação da ONU à invasão da Ucrânia pela Rússia, tinha significado, e acrescentou que “as respostas da União Europeia têm de ter em conta essa complexidade existente no continente africano”, concluindo que “a cimeira de Bruxelas e as visitas de alguns chefes de Estado e de Governo a África demonstram já algum interesse em introduzir mudanças estratégias importantes no relacionamento”.

Por seu turno, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que “os africanos têm de ver do lado europeu compromissos firmes”, seja em termos estratégicos, militares, econômicos, financeiros ou alimentares.

“Portugal, com sucessivos governos e em circunstâncias diversas tem sido firme. A União Europeia em momentos determinados foi firme. Neste momento tem desculpas porque está assoberbada de problemas”, afirmou.

Para o chefe de Estado português, “é preciso dar maior firmeza aos compromissos assumidos pela Europa, pelos países europeus, em relação a África” porque “a Europa tem de sobretudo ser consequente”.

“A Europa não pode ter países importantes que ou ignoram ainda hoje África ou, então, prometem estar presentes, aparecem uma vez e depois pedem a Portugal para ficar a substituir. Nós não nos importamos porque é a nossa vocação, mas conviria que eles também ficassem”, criticou.

Questionado sobre “como tratar a China no quadro que existe hoje”, Marcelo disse que “talvez seja melhor deixar a China quietinha para já”.

“Saber que existe, saber o que representa em termos de penetração econômica, mas talvez não somar problemas. O desafio para as democracias já é muito grande, talvez não somar os problemas todos ao mesmo tempo”, avisou.

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