Da Redação com Lusa
Na capital portuguesa, o Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, disse neste dia 29 que o arquipélago “precisará sempre da ajuda de Portugal”, destacando que tem sido “um parceiro extraordinário” na ajuda que deu ao país africano.
“Cabo Verde precisará sempre da ajuda de Portugal e Portugal tem sido um parceiro extraordinário de Cabo Verde”, disse José Maria Neves, num painel partilhado com o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, que encerra o Fórum Eurafrica, que termina esta sexta-feira em Carcavelos, nos arredores de Lisboa.
“O nível de relacionamento que existe é excelente e nos períodos de seca temos tido enorme apoio de Portugal, agora durante a pandemia e desde o primeiro momento, primeiro no apoio aos testes, contamos com forte apoio na campanha de vacinação”, exemplificou.
O chefe de Estado cabo-verdiano destacou ainda o apoio no programa de recuperação econômica. “Conseguimos rapidamente negociar a questão da dívida para reescalonar os pagamentos e aliviar o serviço da dívida, e agora estamos a discutir questões mais elevadas e sensíveis em termos de gestão deste período de transição”, disse.
José Maria Neves assumiu que Cabo Verde vive um momento “extremamente difícil”, lembrando os sucessivos anos de seca, a pandemia e os condicionalismos regionais que afetam o arquipélago.
“Em termos institucionais, as coisas funcionam, há boas condições de governabilidade e políticas, mas do ponto de vista social e econômico a situação é extremamente difícil por causa dos sucessivos anos de seca, por causa da pandemia, e também por causa da instabilidade a nível internacional, particularmente por causa da guerra na Ucrânia”, disse o chefe de Estado.
“Estamos num contexto difícil na África Ocidental, onde temos a pirataria marítima, há instabilidade política nalguns países, há terrorismo no corredor do Sahel, o contexto é muito difícil e a seca e a pandemia trouxeram devastação econômica ao país, em 2020 perdemos 15% do PIB, o desemprego subiu, as desigualdades também e a pobreza e é neste contexto difícil que muitas vezes procuramos respostas simplistas”, alertou.
Cabo Verde precisa de 80 milhões de euros, que procurará “com diferentes parcerias, com o Banco Africano de Desenvolvimento, com o Banco Mundial e do Banco Europeu de Investimentos, para discutir um conjunto de investimentos privados na transição energética e com os diferentes países, designadamente Portugal”, acrescentou o chefe de Estado.
José Maria Neves lembrou a ideia de transformar a dívida em investimentos em energias renováveis, na área da transição energética e na economia azul, salientando o objetivo de passar de 25% de energias renováveis para 50% de penetração em 2030.
“A solução agora é acelerar o ritmo de penetração das renováveis e reduzir a dependência fóssil e abrir para aproveitarmos o mar de oportunidade que há no mar cabo-verdiano e podermos assim garantir a diversificação da economia no quadro da estratégia do governo, que é ter um centro internacional de prestação de serviços”, salientou o Presidente.
O chefe de Estado reconheceu que “como o país não tem recursos naturais tradicionais, está a ser feito tudo para aumentar substancialmente a penetração de renováveis”.
“Felizmente temos vento, sol e mar”, concluiu.
Europa – África
José Maria Neves defendeu que a crise econômica vai criar “profundas mudanças” na relação entre os continentes europeu e africano, admitindo que há ainda “ressentimento” e resquícios da guerra fria.
“A Europa vai relacionar-se com África tendo em conta a complexidade existente no continente africano, há ainda muito ressentimento e há persistência de aspetos da guerra fria, é preciso considerar esses elementos no debate das relações entre África e Europa”, disse José Maria Neves, no diálogo presidencial com o homólogo português.
“A questão não é só o envelope financeiro, a União Europeia pode meter 150 mil milhões de euros para o Global Gateway, a China pode colocar 3 mil milhões, a Rússia outros tantos, mas agora há uma questão que um dos presidentes destacou, quando disse que o seu país não votou a resolução da ONU de condenação, mas ele estava lá, em Bruxelas”, na reunião que em junho juntou vários chefes de Estado africanos numa cimeira com a União Europeia.
Relatando a experiência da participação nessa reunião, José Maria Neves disse que a presença desse chefe de Estado, que votou contra a condenação da ONU à invasão da Ucrânia pela Rússia, tinha significado, e acrescentou que “as respostas da União Europeia têm de ter em conta essa complexidade existente no continente africano”, concluindo que “a cimeira de Bruxelas e as visitas de alguns chefes de Estado e de Governo a África demonstram já algum interesse em introduzir mudanças estratégias importantes no relacionamento”.
Por seu turno, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que “os africanos têm de ver do lado europeu compromissos firmes”, seja em termos estratégicos, militares, econômicos, financeiros ou alimentares.
“Portugal, com sucessivos governos e em circunstâncias diversas tem sido firme. A União Europeia em momentos determinados foi firme. Neste momento tem desculpas porque está assoberbada de problemas”, afirmou.
Para o chefe de Estado português, “é preciso dar maior firmeza aos compromissos assumidos pela Europa, pelos países europeus, em relação a África” porque “a Europa tem de sobretudo ser consequente”.
“A Europa não pode ter países importantes que ou ignoram ainda hoje África ou, então, prometem estar presentes, aparecem uma vez e depois pedem a Portugal para ficar a substituir. Nós não nos importamos porque é a nossa vocação, mas conviria que eles também ficassem”, criticou.
Questionado sobre “como tratar a China no quadro que existe hoje”, Marcelo disse que “talvez seja melhor deixar a China quietinha para já”.
“Saber que existe, saber o que representa em termos de penetração econômica, mas talvez não somar problemas. O desafio para as democracias já é muito grande, talvez não somar os problemas todos ao mesmo tempo”, avisou.