Mundo Lusíada
Comm Lusa
As celebrações do 40º aniversário da independência de Cabo Verde contam com 322 iniciativas nas nove ilhas do arquipélago e em 11 países da diáspora, entre elas em Portugal. Cabo Verde tornou-se independente a 05 de julho de 1975, após 515 anos de dominação colonial portuguesa.
Numa extensa lista, Ministério da Cultura cabo-verdiano, tutelado por Mário Lúcio Sousa, dá conta de que, além das celebrações oficiais, que decorrerão no sábado e no domingo, há um vasto conjunto de iniciativas organizadas nas nove ilhas habitadas e que se prolongarão até 18 de outubro, Dia da Cultura e último das comemorações.
Na diáspora, haverá dezenas de iniciativas em Portugal – está previsto um jogo de futebol, na Cidade da Praia, entre as duas seleções, em data ainda não divulgada -, Angola, China, Costa do Marfim, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Luxemburgo, Itália e Senegal. O ato central das comemorações oficiais decorrerá no domingo na Cidade da Praia e começa com uma missa de ação de Graças, seguida pela deposição de uma coroa de flores no Memorial Amílcar Cabral, pela sessão solene na Assembleia Nacional, além da parada militar na Avenida Cidade de Lisboa.
Estado Cultural
O ministro da Cultura cabo-verdiano considera que o país, ainda antes da independência, já era um “Estado cultural”, manifestado na música, mas também na poesia, literatura, tradições orais e culinária, que a censura colonial portuguesa sempre tentou reprimir.
Em entrevista à Lusa, o também compositor, músico, cantor, escritor, dramaturgo e poeta Mário Lúcio Sousa, 50 anos, natural do Tarrafal de Santiago, considera que o cabo-verdiano “sempre foi muito receptivo à cultura do outro” e acabou por criar a sua própria identidade cultural.
“Em Cabo Verde vive-se a cultura de uma forma muito diferente de outras partes do mundo. Aqui, suprime-se a cultura e o cabo-verdiano desaparece, não se sabe lidar, porque o seu gene, metaforicamente falando, é a cultura”, sustentou, lembrando a vasta influência nas ilhas de portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e dos provenientes da África Ocidental.
Para Mário Lúcio, no século XVII, Cabo Verde já não era uma simples colônia, com amálgamas de gentes e de identidades, pois havia um povo crioulo, uma Nação crioula, com identidade, língua e música específicas de arquipélagos, “grandes laboratórios de identidades”. “Para nós, o estado da cultura antes da independência – é bonita a palavra – já existia. Só não tínhamos um país, mas já tínhamos uma nação, um povo e agora tínhamos esta bonita expressão: um estado da cultura. Não era um estado constitucional mas era um estado cultura”, insistiu.
Mário Lúcio lembrou as “restrições” às atividades culturais na então colônia portuguesa por parte da administração colonial portuguesas, que censurava também os escritores e poetas, gerando, naturalmente, uma “resistência cultural” que após a independência mostrou o seu esplendor.
“Após a independência, tivemos uma grande sorte, que foi ter tido homens sensíveis à frente do Estado, começando por Amílcar Cabral (assassinado em 1973). O fato de ser poeta, sensível e culto norteou os seus companheiros de luta para uma filosofia de libertação e também de gestão”, sustentou.
Logo no primeiro Governo pós-independência, prosseguiu, houve a preocupação com a cultura, investindo-se nas várias dimensões da cultura, como as valorizações do patrimônio imaterial, música e literatura cabo-verdiana, seguindo-se a educação e, sobretudo, na alfabetização.
Língua
As línguas portuguesa e cabo-verdiana coabitam, pacificamente em Cabo Verde, havendo até uma relação de “namoro” e o consequente perigo de “osmose”, tantos são os anos de convivência comum. Mário Lúcio Sousa nega que haja qualquer tensões entre as duas línguas, salientando que, pelo contrário, a convivência de há muito provocou “um processo químico de gestos que moldam feições e hábitos”.
“Estamos a introduzir o crioulo no português e o português no crioulo todos os dias. É o período da descrioulização. Ouve-se alguém a falar em crioulo e, no fundo, só usam algumas palavras em crioulo. Os tempos verbais já são todos em português e o léxico é basicamente o português. Descrioulizou-se, por causa do contato”, sustentou.
“No mundo de hoje, ter diversidades e ter línguas é ter patrimônio e temos de cuidar das duas línguas, mas não existe tensão: O que existe são decessos nos defensores, entre os da oficialização e os da não oficialização”, acrescentou, salientando, porém, que o crioulo já devia estar reconhecido na Constituição há muito.
“Devia ser dos primeiros gestos pós independência, porque é uma língua que se conquistou, que se inventou, que se criou e é um patrimônio da identidade crioula no mundo todo”,sublinhou, lembrando que, em casa, o povo cabo-verdiano, bilingue por natureza, não fala português.
Questionado sobre as dificuldades de consenso quanto a um único crioulo – o de Santo Antão é diferente do da Brava, o de Santiago tem duas ou três versões, etc -, inviabilizando uma gramática própria, Mário Lúcio considerou-a uma ”questão técnica”, frisando que o que existe são “variantes”, pois a língua é a mesma.
“Felizmente, temos uma única língua que, por vivermos num arquipélago, foi ganhando características próprias, de ilha em ilha. Há decisões técnicas e políticas a serem tomadas. O crioulo tem regras, porque se não tivesse não nos entendíamos. Essas regras já estão nos livros de Napoleão Fernandes, Baltazar Lopes, Manuel Veiga, Eduardo Cardoso e vários outros linguistas”, argumentou.