Por Carlos Fino
Apertem os cintos – vamos entrar numa zona de turbulência! – este, em substância, o sentido do aviso à navegação que fez, há uma semana atrás, o procurador regional da república Carlos Santos Lima, decano da operação Lava Jato.
As palavras exatas foram outras, mas a ideia era essa. O procurador foi até mais peremptório, ao dizer que as denúncias de executivos e ex-executivos da Odebrecht, que estão agora a ponto de serem reveladas, “irão provocar um tsunami na política brasileira”, confirmando o que de há muito se sabia ou suspeitava: a corrupção é transversal, abrangendo todos os níveis de governo e todas as forças políticas.
“A corrupção está em todo sistema político brasileiro, seja partido A, B, ou C. Ela grassa em todos os governos.” – afirmou Santos Lima.
“Um país à deriva”
Às sucessivas denúncias de corrupção juntam-se agora sinais inequívocos de convulsão social, de que é exemplo a prolongada greve da polícia no Espírito Santo, que as autoridades locais e federais tiveram muita dificuldade em estancar.
Coincidente com um movimento de revolta generalizada no superlotado sistema prisional – seguida de brutal guerra interna de gangs pelo controlo das diferentes unidades carcerárias em várias regiões do país, inclusive com cenas bárbaras de decapitação de presos – essa prolongada ausência de autoridade deu azo, também, a múltiplos actos de pilhagem.
E provocou – só em Vitória, capital do Estado – para cima de uma centena de mortos, gerando um sentimento de caos, a que só a intervenção das Forças Armadas conseguiu pôr termo.
Partindo dessa realidade, o general Eduardo Villas-Bôas, comandante-geral do Exército, traçou um diagnóstico bem pesado da situação que o país atravessa.
“Nivelamos tanto por baixo os parâmetros do ponto de vista ético e moral, que somos um país sem um mínimo de disciplina social.” – disse aquele chefe militar, em entrevista ao jornal Valor Econômico, acabando por concluir:
“Somos um país que está à deriva, que não sabe o que pretende ser e o que deve ser.”
Regeneração ética precisa-se
Villas-Bôas rejeita os apelos, vindos de diversos sectores, para que as Forças Armadas assumam novamente protagonismo político, afirmando que o Brasil é hoje uma sociedade mais sofisticada, com pesos e contrapesos, que a “dispensa de ser tutelada”.
A saída estará antes na regeneração moral e ética, para a qual, no seu entender, tem contribuído a limpeza da Lava Jato.
E se esta acabar por atingir toda a gente, indiscriminadamente? “Que seja – afirma – esse é o preço que tem de se pagar. Esperemos que tenha um efeito educativo.”
Não é esse, no entanto, claramente, o entendimento dos políticos envolvidos.
À medida que surgem novas denúncias no âmbito da Lava Jato – uma delas, a semana finda, envolvendo o próprio presidente Temer – aquilo que vemos são esforços coordenados para colocar figuras fiéis em postos-chave capazes de suster o andamento das investigações e/ou as suas consequências penais.
Entretanto, quem pode, afasta-se.
Entre o desenvolvimento das investigações e as anunciadas – e agora iminentes – novas revelações, com possíveis consequências devastadoras para o mundo político, o que está à vista é, portanto, uma nova crise, de que são sinais inequívocos o afastamento – ambos invocando “razões de saúde”- do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e do ministro das Relações Exteriores, José Serra.
Solução provisória
Desde o impeachment de Dilma Rousseff, em meados do ano passado, que se sabia que a variante Temer seria uma solução provisória.
Destinada, no imediato, a operar uma viragem económica num sentido liberal (congelamento do investimento público, reforma da previdência e simplificação da legislação laboral), criando ao mesmo tempo condições políticas capazes de consolidar definitivamente, nas presidenciais de 2018, essa mudança, até agora não sufragada nas urnas.
Beneficiando de largo consenso, envolvendo meios políticos, mediáticos e judiciais com vista a afastar o PT do poder (comprometido sem remissão pelo seu envolvimento em larga escala na corrupção da Petrobrás, pela qual não apresentou, até hoje, qualquer pedido de desculpas) essa solução, para funcionar em pleno, dependeria, entretanto, sempre de um melhoria sensível da situação económica.
Daí os esforços dos agentes do mercado e dos media no sentido de valorizar todos os sinais que, de uma forma ou de outra sugiram melhoria – queda da inflação para o centro da meta e descida continuada dos juros, por exemplo – deixando em segundo plano aqueles que contrariam o cenário optimista – caso do desemprego, que continua a crescer, atingindo quase treze milhões de pessoas, ou do índice de confiança da indústria, que caiu em Fevereiro, depois de ter registado forte alta em Janeiro.
O executivo até já anunciou que a recessão – a pior desde os anos 30 – acabou e o crescimento vai começar.
Mas a verdade é que os sinais são ténues e precisam ainda de ser consolidados. No máximo, assistimos a uma estabilização, dependendo o crescimento do aumento do investimento privado.
Ora, com o índice de utilização da capacidade instalada em apenas 63%, em Janeiro, não se vê que os industriais estejam propriamente com muito apetite para novos investimentos de capital…
A questão agora é saber se o governo Temer (e a base política de que dispõe no Congresso, também ela em boa parte envolvida em denúncias) ainda terá fôlego para executar aquela que é considerada pelo mercado a mãe de todas as reformas – a da Previdência – ou se acabará, também ele, por ser arrastado pelo tsunami anunciado pelo ministério público.
Em qualquer caso, os termómetros indicam turbulência no Planalto.
Nada que não estivesse escrito nas estrelas, aliás. Com tanta gente do núcleo duro do executivo envolvida de uma forma ou de outra em denúncias, que tendem sempre a crescer à medida que novas detenções e delações vão sendo feitas, era de prever – não sendo as investigações travadas – que uma nova crise política poderia eclodir a qualquer momento.
Em todo o caso, este ano, a Quaresma promete ser animada.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.