Brasil: Reforma Político-Eleitoral

Por Alcides Leite

 

O governo Dilma quer fazer um plebiscito para que o povo decida as principais questões em torno da reforma político-eleitoral. O PT defende, para as eleições proporcionais, o sistema de voto em partido e não em candidato. Cada partido teria, na medida da proporção dos votos angariados, um determinado número de cadeiras no Legislativo. Estas cadeiras seriam preenchidas pelos primeiros colocados nas convenções partidárias. O PSDB defende os sistemas de voto distrital ou de voto distrital misto. No sistema distrital puro, o estado seria dividido em distritos e o mais votado seria o representante do distrito no legislativo. No sistema distrital misto, uma parte seria eleita da mesma forma que no sistema distrital puro e outra seria eleita pelo sistema de lista fechada, igual ao defendido pelo PT.

A vantagem do primeiro sistema é que a convenção do partido ganharia mais relevância. Os filiados teriam a prerrogativa de indicar a ordem dos nomes na lista partidária para as eleições. A desvantagem é que o sistema de lista fechada contribui para que as burocracias partidárias, que não têm voto popular suficientes para serem eleitos, consigam assumir uma cadeira no legislativo via o domínio das convenções partidárias e a colocação de seus nomes nos primeiros lugares da lista do partido.

A vantagem do voto distrital é que aproxima o eleitor de seus representantes. Como o candidato eleito só recebe votos de seu distrito, aqueles que têm poder econômico e conseguem amealhar votos em várias cidades do estado, mediante composição com candidatos locais (as chamadas dobradinhas) não teriam mais tanta força. O custo da eleição tende a se tornar mais baixo. A desvantagem, é que as minorias espalhadas por todo o estado, sem ser maioria em nenhum distrito, não conseguiriam eleger nenhum representante. Assim praticamente anularia os representantes do movimento negro, dos homossexuais, dos verdes, dos jovens, dos setores profissionais, etc. O parlamento seria formado apenas por maiorias distritais. A democracia acabaria se transformando naquilo que Tocqueville chamou de “tirania da maioria”. Neste sistema, os deputados passariam a priorizar os interesses de seu distrito e não interesses difusos como direitos humanos e liberdade de expressão. O sistema distrital misto traz as vantagens e desvantagens dos dois sistemas descritos anteriormente.

Há também o sistema eleitoral chamado de “Distritão”. Este sistema, defendido por importantes parlamentares, permite que o número de vagas de cada estado no legislativo seja preenchido pelos candidatos mais votados, sem levar em conta o quociente eleitoral, isto é, o número de votos necessários para que cada partido ou coligação ganhe uma cadeira no legislativo. Este sistema tem a vantagem de evitar aberrações como aquelas ocorridas na última eleição para deputado federal, onde por exemplo, o Tiririca, concorrendo por um pequeno partido conseguiu levar consigo para a Câmara candidatos que tiveram votações ínfimas. As desvantagens são parecidas, em menor escala, com as do sistema de voto distrital.

O atual sistema, proporcional, tem a desvantagem de gerar concorrência entre os candidatos do próprio partido. Uma vez que os partidos e coligações conquistam um determinado número de cadeiras, os votos dados aos menos votados acabam ajudando os mais votados a se elegerem. Muitos eleitores acabam votando em um candidato e elegendo outro. O sistema também é caro e acaba afastando os eleitos de seus eleitores. Medidas como cláusula de barreira, que dificultaria a sobrevivência de pequenos partidos, e fidelidade partidária, que levaria o deputado que mudar de partido a perder sua cadeira no parlamento, poderiam mitigar os defeitos do sistema.

O sistema proposto pela OAB e CNBB, dentre outras instituições, permite que, no primeiro turno das eleições, o eleitor vote no partido ou coligação de sua preferência. Estes partidos ou coligações ganhariam um determinado número de cadeiras proporcional à sua votação. A lista ordenada dos candidatos já seria conhecida pelos eleitores nesta primeira fase da eleição. No segundo turno os eleitores escolheriam os candidatos de sua preferência, dentre aqueles que aparecem na lista ordenada até o número equivalente ao dobro das vagas conquistadas. O tempo de TV seria proporcional ao número de deputados do maior partido da coligação. Este sistema tem a vantagem de evitar a busca de apoio de pequenos partidos para aumentar o tempo de TV para a campanha. A desvantagem é que os eleitores continuam distantes de seus eleitos.

Como se vê, a questão da reforma político-eleitoral é suficientemente complexa para ser decidida mediante plebiscito. A maioria dos eleitores teria dificuldades para tomar sua decisão. Pior ainda se for para decidir formas de financiamento de campanha e direito à propaganda na TV.

Melhor seria que o governo e a oposição mandassem para o Congresso seus projetos de reforma. Isto já foi tentado diversas vezes, mas nunca foi possível chegar a um acordo mínimo para efetuar as mudanças no sistema político-eleitoral brasileiro. Agora que há pressão popular talvez houvesse condições para isto.

Independentemente dos diversos sistemas a serem escolhidos, parece que o povo apóia importantes mudanças, como fim do horário eleitoral “gratuito”, redução do número de partidos, redução do custo das campanhas, maior identidade entre eleitos e eleitores, fim do troca-troca de partidos, fim do financiamento de pessoas jurídicas a candidato e quem sabe, o fim do voto obrigatório.

O meu medo é de que, depois de tanta discussão, a reforma no sistema político-eleitoral não saia, e tudo continue como está. Propor um plebiscito me parece uma forma de paralisar as mudanças. Como disse o grande escritor italiano, Giuseppe Tomasi di Lampedusa em seu romance Il Gattopardo: “É preciso que muita coisa mude para que tudo continue com está!”

 

Por Alcides Leite
Economista e professor da Trevisan Escola de Negócios.

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