Mundo Lusíada com Lusa
O Brasil quer replicar em Angola o seu modelo de desenvolvimento agrícola e ajudar o país a tornar-se numa superpotência agrícola, disse o ministro das Relações Exteriores, em visita a Luanda.
Angola e Brasil assinaram neste dia 01, no âmbito da III reunião da Comissão Bilateral de Alto Nível entre Angola e Brasil, dois instrumentos jurídicos, entre os quais a entrega de notificação para a entrada em vigor do Acordo de Defesa entre os dois países e um programa de cooperação sobre o desenvolvimento em áreas irrigadas e agricultura familiar.
Em declarações à saída da reunião, em Luanda, o ministro brasileiro Carlos Alberto França afirmou que o encontro serviu para fortalecer a parceria estratégica, firmada em 2010, e que as conversações cobriram um vasto domínio de temas, incluindo os conflitos mundiais e as oportunidades que a crise na Ucrânia pode fornecer no campo da segurança alimentar e desenvolvimento econômico de países como Brasil e Angola.
Segundo o chefe da diplomacia brasileira, a quebra na cadeia logística de fornecimento de grãos e alimentos a partir da Ucrânia e da Rússia pode servir para “rearranjar as cadeias de valor” e reforçar os vínculos logísticos entre Brasil e Angola, colocando África – e Angola – como um fator de “ampliação da segurança alimentar no mundo”, num futuro breve.
“Queremos contribuir para esse esforço. Angola é um país irmão e temos condições aqui muito parecidas com as condições geográficas brasileiras”, disse o ministro brasileiro.
O governante destacou a abertura de um escritório de um adido agrícola para reforçar a cooperação não apenas com entidades sanitárias, mas também com a empresa brasileira de pesquisa agropecuária que desenvolveu, nos anos de 1970, o trabalho de ampliação da fronteira agrícola do Brasil com resultados a nível da produtividade agrícola.
Segundo o governo brasileiro, a criação de adidância agrícola na Embaixada do Brasil em Luanda deve estimular o comércio bilateral, já que nos quatro primeiros meses de 2022, as trocas comerciais entre Brasil e Angola avançaram mais de 100%, em comparação com o mesmo período do ano passado.
“O objetivo é replicar no continente africano – começando por Angola – as condições que permitiram ao Brasil ampliar a produção de grãos, mas também de carne bovina e de aves”, sublinhou Carlos França, acrescentando que o processo que aconteceu no Brasil há 50 anos pode ser acelerado, transformando Angola numa superpotência na área da segurança alimentar.
O ministro das Relações Exteriores angolano, Téte António, apresentou a criação de uma posição de adido para a agricultura como “uma inovação bastante interessante”, já que vai trazer para Angola ‘know how’ brasileiro e capacidade de pesquisa científica.
Sobre as consequências do conflito na Ucrânia para África, o ministro angolano disse que o continente pode apresentar-se como uma alternativa, tendo em conta a abundância de terras e água, e só precisaria de investimento para alimentar o resto do mundo.
“Penso que é este o debate que deve estar em cima da mesa”, frisou, indicando que as vias apontam para que o Brasil possa contribuir para este desenvolvimento.
Já no que diz respeito ao acordo na Defesa, Téte António preferiu não entrar em detalhes, enquanto o seu homólogo brasileiro assinalou que há um vasto campo de cooperação com Angola nesta área, tendo em conta a autorização do Governo angolano para que os seus militares possam integrar missões de paz das Nações Unidas e que as duas forças podem atuar conjuntamente.
Outros acordos na área da saúde, da facilitação de investimentos e um acordo para evitar a dupla tributação dos lucros do transporte aéreo e marítimo internacional, que não chegaram a ser rubricados, podem ser concluídos ainda durante estadia da comitiva brasileira, que participa da XXVII Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), organização atualmente presidida por Angola.
“Há aspectos que gostaríamos de continuar a melhorar, quanto mais nos aproximamos da perfeição melhor é para os dois povos”, disse Téte Antonio.
Sobre a experiência do Brasil no setor da agropecuária “é nosso interesse promover e aprofundar a cooperação neste domínio, que é de extrema importância para Angola”, afirmou o ministro das Relações Exteriores angolano.
O governante brasileiro salientou que a cooperação entre Angola e Brasil é “técnica e educacional”, mas também centrada nas pessoas, e informou que os investimentos nesta área ascendem a mais de 6 milhões de dólares (5,6 milhões de euros).
No campo da dupla tributação para os transportes afirmou que, mal o acordo seja assinado, poderá haver um interesse renovado das companhias aéreas brasileiras para estabelecer ligações a Angola e “facilitarão também a ampliação das operações da TAAG [transportadora aérea angolana]”.
Carlos Alberto França deslocou-se a Luanda acompanhado de uma delegação que integra empresários, o diretor-geral da Agência Brasileira de Cooperação e quatro parlamentares, além do Embaixador Kenneth Félix Haczynski.
Projetos e Investimentos futuros
O Brasil quer relançar a parceria estratégica com Angola, apostando numa forte carteira de investimentos, estimada em 1,7 mil milhões de euros, em áreas que vão da energia à agroindústria, passando pela farmacêutica, construção e turismo.
Em fevereiro, realizou-se a segunda reunião do Comité Conjunto do Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI) Brasil-Angola, envolvendo o setor público e privado, demonstrando que há condições favoráveis para a expansão dos investimentos entre os dois países, com uma carteira estimada de cerca de 1,7 mil milhões de euros, segundo o embaixador do Brasil em Angola, Rafael Vidal.
O montante envolve capital brasileiro já instalado em Angola ou previsto para novos projetos, incluindo a primeira fase da construção da refinaria de Cabinda, o terminal portuário da Barra do Dande (na província do Bengo) e o ‘hub’ de armazenamento e comercialização de combustíveis, ambos a cargo da Novonor/Odebrecht (OEC), centralidades em algumas províncias, e o desenvolvimento de uma fábrica de medicamentos na Zona Econômica Especial, adiantou.
Em perspectiva está também o cultivo de arroz associado a um projeto agroindustrial de arroz, milho e feijão, da empresa brasileira Ruzene em parceria com a angolana Sílaba, que está a ser estruturado financeiramente com um banco angolano.
Outra área promissora para o Brasil é o desenvolvimento agrícola de áreas irrigadas, tendo em vista os projetos do governo angolano para combate à seca no Vale do Cunene e a experiência brasileira de irrigação e apoio à agricultura familiar no Vale do São Francisco, região localizada entre os estados de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, que se tornou um importante produtor de frutas e hortícolas.
“A ideia é, através da cooperação, ajudar o governo angolano a fazer o desenvolvimento econômico do vale do Cunene, a exemplo do que se fez no Vale de São Francisco, até por que as semelhanças geográficas são grandes”, salientou Rafael Vidal.
Além do potencial turismo sustentável. “Estamos a propor ao governo angolano uma parceria bastante criativa e inovadora que é a de investimento em turismo sustentável, envolvendo ‘know-how’ e capital de empresas brasileiras, em áreas concessionadas, no litoral”, indicou o diplomata.
Associados aos empreendimentos turísticos, estariam projetos ambientais, incluindo tratamento de águas e resíduos, reciclagem de lixo, reabilitação urbana e dessalinização de águas, adiantou Rafael Vidal, referindo que a proposta, que envolve a Associação Brasileira de Hotelaria, já foi apresentada ao governo angolano.