Brasil, nova classe média e mundo em crise

O mundo, em seus quatro quadrantes, passa por intenso momento de turbulências. Numa rápida olhada ao redor podemos ver a chamada ‘Primavera Árabe’, onde os povos islâmicos do Oriente Médio e África se levantam contra líderes despóticos de longa data, desejando mais liberdade e melhores condições de vida e trabalho; na Europa, a população de vários países do continente vai às ruas questionar seus governos pelas ações referentes aos cortes de gastos públicos e a conseqüente piora dos serviços e os reflexos na geração dos empregos que despenca; há as revoltas iniciadas nos arredores de Londres, que acabaram se espalhando para outros pontos da Inglaterra, revelando a situação das minorias, dos desprivilegiados, empurrados para as periferias, onde são reprimidos pelo poder policial. Sem contar o avanço dos movimentos extremistas de direita, como o caso recentemente ocorrido na Noruega, quando um fundamentalista realizou atentados contra jovens, dizendo-se contrário aos imigrantes e ao Islã. Ou a insurgência dos estudantes no Chile pela melhora na qualidade de seu ensino. Claro, não bastando esses exemplos, temos também a crise financeira internacional que explodiu em 2008 e que está voltando a acelerar, como provam as oscilações e perdas das bolsas de valores pelo mundo e as dificuldades fiscais encontradas por governos de EUA e Europa. Grécia, Espanha, Portugal, Itália e Irlanda são nações que há algum tempo são repetidas vezes lembradas pelo temor do calote aos credores. Agora a França também teve especulações sobre sua saúde econômica. Aliás, os países ricos e os intelectuais conservadores vivem dizendo que os emergentes precisam cuidar de seus gastos. Mas, segundo o FMI, que exatamente é controlado por esses poderosos senhores, a dívida média dos emergentes em relação a seu PIB é de 33,6% e, no entanto, a do G-7 – reunião de EUA, Japão, Alemanha, Itália, França, Canadá e Reino Unido – é o triplo, isto é, 118,2% do PIB, com projeções de elevação! Hipocrisias à parte, de qualquer modo, o ambiente está bastante instável, repleto de insatisfações e prognósticos sobre tal cenário são perigosos de arriscar.
No Brasil, apesar do desconforto político existente internamente na onda de denuncias contra alguns ministérios, o governo tenta trabalhar para se resguardar da perigosa e referida crise financeira internacional. Dias atrás se deu a criação do “Plano Brasil Maior” que tem seu lado positivo na busca de incentivar a produção e a competitividade externa, embora ainda, a nosso ver, careça de maiores aprofundamentos. Também houve movimento em benefício das micro e pequenas empresas, atualizando a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar 123/06) que foi criada em 2007. E, nesse embalo, também foi discutida a pesquisa publicada pela SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, um perfil detalhado da nova classe média brasileira, feito com base nos dados da Pnad – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. O objetivo é desenvolver estudos com vistas à manutenção das conquistas e, mais que isso, ampliar o já existente, revelado pelos números. Os resultados levantados são muito relevantes e, de fato, merecem toda atenção governamental e a elaboração de políticas públicas que atendam sua evolução positiva.
O estudo intitulado “Classe Média em Números” aponta que na última década, 31 milhões de pessoas entraram na classe média brasileira. Hoje, por volta de 95 milhões fazem parte desse estrato social, com renda familiar entre R$ 1.000 e R$ 4.000. Em boa parte, jovens e com emprego formal. O sucesso das iniciativas feitas no período não pode, portanto, ser negado e deve ser estimulado. Vejamos alguns detalhes mais.
Contam os números que em 2003 a classe média correspondia a 40% da população, proporção esta que saltou para 52% em 2009. Em termos absolutos, a classe baixa, por sua vez, caiu de 85 milhões para 61 milhões nesse período. Em 2003, quase 40% da população brasileira vivia abaixo da linha da pobreza. Em 2009, porém, caiu para 24% os brasileiros que estavam nessa situação. Na última década, a taxa de crescimento na renda per capita dos 10% mais pobres foi quase quatro vezes a taxa de crescimento entre os 10% mais ricos (Pnad). A classe média é a classe que concentra o maior número de jovens entre 20 e 24 anos e 51% de seus participantes são do sexo feminino. Ela é majoritariamente urbana (89%) e, em sua maioria, está nas regiões Sul (61%), Sudeste (59%) e Centro-Oeste (56%). Seis em cada dez pessoas da classe C estão empregadas. A maioria tem registro formal (42% com carteira assinada e 11% como funcionário público), embora 19% ainda trabalhem sem registro. Além disso, os negros, que em 1999 correspondiam a 36% da classe média, 10 anos depois passaram a responder por quase metade desse estrato social (48%). Apesar disso, na classe baixa eles ainda são a grande maioria (67%). Enfim, a ascensão à camada média é resultado da retomada do crescimento econômico e do emprego, das políticas de inclusão e proteção social, do acesso ao crédito, assim como do aumento no grau de escolarização da sociedade.
Num mundo em que o mercado está em crise, as conquistas sociais dessa gente em elevação ajudam a acreditar que o país pode, mais uma vez, com base em seu mercado interno, resistir e manter equilíbrio frente a recessão externa. Contudo, a situação revela também que é preciso atenção para que exatamente as realizações não sejam perdidas e possibilitem um retrocesso. É preciso fortalecer a educação dessa gente e criar mecanismos de mais incorporação à classe C, destacando-se especialmente as regiões nordeste e norte, ainda com baixo predomínio desse segmento social. E o Brasil, apesar dos elogios internacionais e dos referidos dados alvissareiros, ainda tem uma péssima distribuição de renda e outras mazelas como deficiência em saneamento básico, por exemplo.
São conquistas reais sim, todavia, tudo ainda é muito frágil. É verdade que o mundo está explodindo, porém, não podemos dormir em berço esplêndido achando ingenuamente que vivemos no Paraíso. Negativo, este país ainda é um imenso purgatório a ser atravessado e a caminhada ainda é longa e cheia de ameaças.

São Paulo, 11 de agosto de 2011

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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