BES/GES: Ricardo Salgado procurou comprar Marcelo Rebelo de Sousa – Pedro Queiroz Pereira

Ricardo Espírito Santo, ex-presidente do Grupo Espírito Santo (GES), chega acompanhado do seu advogado, Francisco Proença de Carvalho, para julgamento do processo BES/GES, no Campus de Justiça, em Lisboa, Portugal, 15 de outubro de 2024. O processo tem 30 arguidos (23 pessoas e sete empresas), num total de 361 crimes. O arguido mais notório neste caso é o antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES) Ricardo Salgado, acusado de 65 crimes, entre os quais associação criminosa (um), fraude qualificada (29), corrupção ativa (12), branqueamento de capitais (sete ), falsificação de documentos (nove), infidelidade (cinco) e manipulação de mercado (dois). Foto ANDRÉ KOSTERS/LUSA

Da Redação com Lusa

 

O empresário Pedro Queiroz Pereira acusou Ricardo Salgado de comprar Marcelo Rebelo de Sousa ao entregar trabalho jurídico do BES à antiga companheira do atual Presidente da República, segundo o testemunho ouvido no julgamento do processo BES/GES nesta terça-feira.

“O doutor Salgado fez o seguinte: pega no Departamento Jurídico e manda entregar trabalhos de cobrança à doutora Rita Amaral Cabral, que tem um escritório de advocacia. Para quê? Para recuperar a relação com o professor Rebelo de Sousa. Se for, por exemplo, ao escritório da doutora Rita Amaral Cabral, mais de metade ou 60% do trabalho era o BES que dava. Era uma forma de comprar o professor Rebelo de Sousa”, afirmou o industrial falecido em 2018.

Pedro Queiroz Pereira recordou que houve uma deterioração da relação entre Marcelo Rebelo de Sousa e Ricardo Salgado, quando o primeiro foi a um congresso do PSD e falou “mal do GES”, porque “era conveniente mostrar que se era contra os grandes grupos econômicos”, o que deixou a relação entre ambos “muito tremida” quando até passavam férias juntos, segundo o antigo líder da Semapa.

“Só que os interesses eram grandes demais: o interesse político de Marcelo Rebelo de Sousa era grande, mas precisava do dinheiro por trás; Salgado tinha poder econômico, mas não tinha poder político. Foram as mulheres, Rita Amaral Cabral e Maria João Salgado, que trabalharam na relação”, revelou o industrial no depoimento como testemunha perante o Ministério Público (MP) em janeiro de 2018.

De acordo com o empresário, que faleceu em agosto de 2018, Ricardo Salgado agiu então através da companheira de Marcelo Rebelo de Sousa para reparar a relação com o antigo líder social-democrata, mediante a entrega de trabalho jurídico e a posterior nomeação como administradora da Semapa.

“Para ajudar Ricardo Salgado, [Rita Amaral Cabral] veio para administradora da Semapa por alturas de 2004, 2005 ou 2006, juntamente com Rui Silveira. E Rui Silveira fez uma opção da vida dele que foi seguir Ricardo Salgado até à morte. O que Ricardo Salgado dizia era lei e ele chega a administrador e nem tem capacidade para isso… Rui Silveira é um advogado medíocre, mas que desempenhava uma função muito importante de lealdade ao chefe”, declarou.

Na sessão que decorre no Juízo Central Criminal de Lisboa, até agora preenchida com a reprodução do depoimento de Pedro Queiroz Pereira, o empresário lembrou também a guerra de poder com Ricardo Salgado, quando o BES tentou assumir o comando do seu grupo através de posições acionistas e da influência sobre as suas irmãs.

“No início dos anos 2000, os bancos começaram a ser obrigados a cumprir rácios mais exigentes e tiveram de fazer aumentos de capital. Depois, diziam que a procura era oito vezes superior e isso foi sempre mentira… financiaram com as ‘offshores’, a concorrer com dinheiro do próprio banco, e vinham para os jornais dizer que toda a gente queria ações do BES. E eu vivia revoltado com isso. Foi assim que eles compraram a minha irmã Margarida”, notou.

“Deram-lhe as ações da ‘offshore’ e ela deu as ações dela no grupo. Mas não disseram quem era, diziam que era um investidor norueguês, e depois apareceram lá Rita Amaral Cabral e Rui Silveira como administradores. Depois só lhes faltava comprar a minha outra irmã. Aquilo era uma vigarice completa”, observou, resumindo: “Já desde 2001 que eu não tinha confiança nenhuma [em Ricardo Salgado], mas fingia”.

O industrial acusou ainda Ricardo Salgado e outros administradores do BES, como Rui Silveira, de acharem que “eram Deus na Terra, que mandavam no país e que eram donos do mundo” e destacou a existência de ameaças veladas do ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) ao governador do Banco de Portugal.

“O Ricardo Salgado chegou a ameaçar o governador do Banco de Portugal a dizer: ‘eu já estou há muitos anos e os governadores mudam’. Assim como quem diz, ‘se calhar tenho de falar com alguém para te tirar’. Era uma prepotência desmedida”, finalizou.

Mentiroso

Pedro Queiroz Pereira disse ao MP que o ex-banqueiro Ricardo Salgado era um “ambicioso desmedido” e um “mentiroso compulsivo”, num testemunho que está hoje a ser ouvido no julgamento do processo BES/GES.

“Ricardo Salgado tem características boas e más. Entre as boas: é uma pessoa extraordinariamente trabalhadora; entre as más, é um ambicioso desmedido, capaz de matar o pai e a mãe, e um mentiroso compulsivo. Defino-o como uma pessoa que diz determinadas coisas e que quer convencer o interlocutor de que 2 + 2 são 5”, afirmou o antigo líder da Semapa num depoimento como testemunha efetuado em 2018.

Pedro Queiroz Pereira, que morreu em agosto desse ano, explicou ainda que os outros administradores do Grupo Espírito Santo (GES) não levantavam objeções às decisões de Ricardo Salgado.

“Ninguém se atrevia. Ele era o único capaz de comandar o grupo. Ninguém se atrevia a dizer o que fosse. Eu era independente e o único que dizia… Ele é capaz de chegar aqui e dizer-lhe que esta folha branca era preta e sair daqui convencido que convenceu o interlocutor. É uma coisa espantosa”, sublinhou.

O falecido industrial (nas áreas do cimento e da pasta de papel), que foi também acionista na sociedade Espírito Santo Control (ESC), a holding de topo do grupo, entrou em conflito com Ricardo Salgado, contribuindo para expor os problemas das contas no GES junto do Banco de Portugal (BdP). Ao MP admitiu que se tentou opor no processo que levou o comandante António Ricciardi à posição de presidente do Conselho Superior do GES, por entender que isso “era conveniente” para Salgado.

“Ainda tentei alguma oposição, porque conhecia Ricardo Salgado há muitos anos e sabia que podia não correr bem. Foi preciso substituir o presidente e quem foi substituir foi o comandante António Ricciardi, e era completamente conveniente que fosse o ‘chairman’ para que Ricardo Salgado pudesse fazer o que quisesse sem qualquer oposição”, contou.

Pedro Queiroz Pereira recordou que já sabia em meados de 2012 que as contas do GES “estavam mal”, embora não tivesse ainda os números aprofundados que foi depois entregar ao BdP. Contudo, destacou que fez questão de transmitir isso numa reunião do Conselho Superior na qual participou nesse ano.

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