Mundo Lusíada
Com agencias
O Governo recebeu “com agrado” a decisão da Unesco de classificar a olaria negra de Bisalhães e a falcoaria portuguesa como Patrimônio da Humanidade, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros, que destacou a “responsabilidade adicional” na sua preservação.
“O Governo vê [as distinções] com agrado e com a consciência da responsabilidade adicional que estas classificações trazem”, afirmou em declarações à Lusa, o chefe da diplomacia portuguesa.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) aprovou as candidaturas do “processo de confecção do barro preto de Bisalhães”, apresentada pelo município de Vila Real, e “Falcoaria, patrimônio vivo da humanidade”, liderada pela Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, durante a 11ª sessão do Comitê do Patrimônio Cultural Imaterial, em Adis Abeba, na Etiópia.
Estes foram, respectivamente, o 5º e 6º bens a serem classificados como patrimônio imaterial da Humanidade, seguindo-se ao fado (o primeiro bem de Portugal a integrar esta lista, em 2011), à dieta mediterrânea, ao cante alentejano e ao processo de fabrico do chocalho.
O barro de Bisalhães integra a lista do Patrimônio Cultural Imaterial que Necessita de Salvaguarda Urgente, “devido ao escasso número de artesãos que ainda se dedicam a esta atividade, pondo em risco a continuação desta arte”, tal como o caso do chocalho, notou o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
Uma classificação que, sublinhou o ministro, acarreta “responsabilidades específicas na preservação destas artes”. A integração de bens portugueses nas listas de patrimônio da Humanidade tem, sublinhou Santos Silva, “vários efeitos positivos”. Na lista de patrimônio material, Portugal conta com 15 locais e sítios monumentais, sítios arqueológicos ou paisagens humanizadas.
“Tem o efeito de aumentar a nossa consciência e responsabilidade na salvaguarda, preservação, divulgação e fruição dos bens culturais classificados. Tem um de valorização da nossa identidade, seja local, regional ou nacional. Significa o reconhecimento internacional da valia das artes, maneiras de ser, objetos e conjuntos arquitetônicos que simbolizam o nosso patrimônio, a nossa herança e, portanto, estruturam a nossa identidade”, destacou.
Por outro lado, permite a mobilização da sociedade civil, autoridades e instituições locais em redor desses traços patrimoniais, apontou. Santos Silva sublinhou ainda o “efeito econômico”, referindo que o turismo cultural é um dos elementos mais importantes do turismo e a “valorização de bens culturais portugueses é um fator mais de atração de visitantes”.
Dois Patrimônios
No caso da louça preta de Bisalhães, fabricada inicialmente essencialmente com fins utilitários e atualmente utilizada também para fins decorativos, o MNE lembra, em comunicado, que é “parte importante da identidade desta pequena localidade”.
“Os barros pretos de Bisalhães ainda hoje são produzidos segundo técnicas ancestrais, designadamente no que se refere à cozedura em fornos ao ar livre, escavados na terra, conferindo assim a esta louça a sua cor distintiva”, afirma a nota.
Quanto à falcoaria, o Ministério dos Negócios Estrangeiros lembra que esta manifestação havia sido anteriormente inscrita pelos Emirados Árabes Unidos, Áustria, Bélgica, República Checa, França, Hungria, República da Coreia, Mongólia, Marrocos, Qatar, Arábia Saudita, Espanha e Síria, a que se juntaram Alemanha, Cazaquistão, Itália, Paquistão e Portugal.
“Originalmente um meio de obtenção de alimentos, a prática da falcoaria tem evoluído ao longo do tempo e, atualmente, encontra-se associada à conservação da natureza. Seguindo o seu próprio conjunto de tradições e princípios éticos, os falcoeiros criam e treinam as aves de rapina, designadamente falcões e águias, entre outros. A prática, presente em muitos países em todo o mundo, pode variar em relação a determinados aspetos, como por exemplo o tipo de equipamento utilizado, mas os métodos permanecem similares”, sublinha.
A falcoaria entrou para a Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO em 2010, na sequência de uma candidatura liderada por Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), que, pela primeira vez na história da organização, juntou 11 países – Bélgica, República Checa, França, Coreia, Mongólia, Marrocos, Qatar, Arábia Saudita, Espanha, Síria e Emirados Árabes Unidos.
Em 2012, a UNESCO estendeu o reconhecimento de Patrimônio da Humanidade à falcoaria praticada na Áustria e na Hungria, tornando-se Portugal o 14º país a ver reconhecida a importância desta prática. A candidatura foi apresentada, em 2015, pela Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, no distrito de Santarém, em parceria com a Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo (ERT-AR), a Universidade de Évora e a Associação Portuguesa de Falcoaria.
Segundo Pedro Afonso, presidente da Associação Portuguesa de Falcoaria, cerca de 100 falcoeiros praticam com regularidade em Portugal. “É uma forma de caça, ou seja, é uma parceria que se estabelece entre o ser humano e uma ave de presa, uma ave de rapina, um falcão, uma águia. E serve para um propósito: conseguir capturar uma presa, um coelho, uma perdiz etc, neste jogo de equipe entre ave e falcoeiro. A falcoaria existe em Portugal praticamente desde sempre. Nós temos registro da falcoaria em Portugal desde o século quinto, ou seja, o país nem estava estabelecido concretamente.”
Foi a prática da falcoaria que levou a família real portuguesa a passar longos períodos no concelho de Salvaterra de Magos, zona privilegiada para a caça, tendo, no século XVIII, D. José I mandado construir a Falcoaria Real, que se tornou “local de encontro de falcoeiros oriundos de vários pontos da Europa”.
De arquitetura pombalina, orientada pelo arquiteto Carlos Mardel, e influências das falcoarias holandesas da época, o edifício, considerado “exemplar único na Península Ibérica”, foi resgatado da ruína pelo anterior executivo municipal, liderado por Ana Cristina Ribeiro (BE), funcionando desde 2009 como “museu vivo”.