Autoridades portuguesas querem “combater qualquer tipo de comportamento discriminatório” nas polícias

Miguel A. Lopes/LUSA

Da Redação com Lusa

Nesta quarta-feira, a inspetora-geral da Administração Interna, o comandante-geral da GNR e o inspetor nacional da PSP manifestaram “a vontade veemente de combater qualquer tipo de comportamento discriminatório” nas polícias em Portugal.

A inspetora-geral da Administração Interna, Anabela Cabral Ferreira, o comandante da Guarda Nacional Republicana, José Santos Correia, e o inspetor nacional da Polícia de Segurança Pública, Pedro Clemente, estiveram pela tarde reunidos para analisarem o plano elaborado pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) para prevenir qualquer forma de discriminação nas polícias.

O encontro surgiu duas semanas depois de uma reportagem de um consórcio português de jornalismo de investigação, que inclui jornalistas, advogados e acadêmicos, ter dado conta que alegadamente quase 600 membros da PSP e GNR, a maioria no ativo, usam as redes sociais para violar a lei ao escreverem mensagens racistas e que incitam ao ódio.

“Os presentes reiteraram a vontade veemente de combater qualquer tipo de comportamento discriminatório”, refere a IGAI, numa nota enviada à Lusa após o encontro.

A IGAI refere que na reunião foi feito um ponto de situação à execução do Plano de Prevenção de Manifestações de Discriminação nas Forças e Serviços de Segurança, que existe desde 2020 nas polícias, e equacionadas “ações concretas a implementar, por cada uma das forças de segurança e em conjunto com a IGAI”, mas não especifica quais.

Segundo a IGAI, a reunião pretendeu reforçar a “prevenção e combate a condutas discriminatórias, incitadoras do ódio e violência contra determinadas pessoas ou difusoras de juízos ofensivos da honra ou consideração de terceiros por parte de agentes das forças de segurança, na sequência das recentes notícias sobre a alegada publicação de mensagens daquele teor nas redes sociais”.

Segundo a investigação jornalística, mais de três mil publicações de militares da GNR e agentes da PSP, nos últimos anos, mostram que as redes sociais são usadas para fazer o que a Lei e os regulamentos internos proíbem.

Após a divulgação do trabalho jornalístico, o Governo anunciou que a IGAI vai abrir um inquérito a este caso das publicações nas redes sociais.

Também a Procuradoria-Geral da República já anunciou que abriu um inquérito a estas publicações.

O Plano de Prevenção de Manifestações de Discriminação nas Forças e nos Serviços de Segurança está em vigor desde março de 2020 e é coordenado pela IGAI, vinculando a GNR e a PSP a reforçar áreas de intervenção desde o recrutamento à formação, da interação dos membros das forças de segurança com os demais cidadãos e entre si (incluindo nas redes sociais), da promoção da imagem da polícia e comunicação, aos mecanismos preventivos e de monitorização das manifestações de discriminação.

O plano, que define áreas de intervenção, objetivos e medidas específicas relacionadas com o recrutamento, formação e atuação dos elementos das forças de segurança, foi elaborado pela IGAI e contou com a participação da Guarda Nacional Republicana (GNR), da Polícia de Segurança Pública (PSP) e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

Cada força de segurança tem ainda oficiais de direitos humanos que estão em funções desde abril 2021 e têm estado a trabalhar com a IGAI na monitorização do plano de prevenção de discriminação nas polícias.

Caso em tribunal

Também neste dia 30, o Tribunal de Beja começou a julgar os sete militares da GNR acusados pelo Ministério Público (MP) de um total de 33 crimes contra imigrantes em Odemira, como sequestro e agressão, em casos ocorridos em 2018 e 2019.

Segundo a acusação do MP, o processo envolve quatro casos de sequestro e agressão de imigrantes por militares da GNR, então colocados no Posto Territorial de Vila Nova de Milfontes, em Odemira (Beja), segundo o MP os arguidos “agiram em manifesto ódio” pelas vítimas, “claramente dirigido” às nacionalidades dos imigrantes, da região do Indostão.

Dois dos sete militares da GNR acusados de sequestro e agressão aos imigrantes alegaram no início do julgamento, em Beja, que participaram numa “brincadeira parva” em que não tinham intenção de “fazer mal”.

Nelson Lima e Diogo Ribeiro foram os únicos que aceitaram prestar declarações ao coletivo de juízes do Tribunal de Beja que está a julgar o caso, depois da identificação dos arguidos e de um resumo dos fatos que lhes são imputados.

Durante o seu depoimento, o militar da GNR Nelson Lima contou que, num dos casos, estava no atendimento do posto de Vila Nova de Milfontes, concelho de Odemira, e que ouviu um barulho vindo da zona do estacionamento.

“Fui ver o que se passava e estavam na risota e palhaçada”, relatou, referindo-se a um grupo de militares com imigrantes na zona do estacionamento do posto.

Salientando que a sua participação num episódio que ficou registado em vídeo foi “de passagens” e durou “20 segundos”, Nelson Lima disse que quando se aproximou dos imigrantes não lhes tocou nem usou gás pimenta.

“Não vi pânico na cara de ninguém”, respondeu este militar, após ser questionado pela sua advogada sobre se as vítimas estavam em pânico.

Na sua intervenção, Nelson Lima disse que esta situação foi “uma vez sem exemplo”, mas o juiz que preside ao coletivo lembrou o arguido de que já foi condenado num outro processo e que a condenação já transitou em julgado.

“Há um padrão na atuação dos militares do posto da GNR de Vila Nova de Milfontes”, pelo que “não foi uma vez sem exemplo”, assinalou o magistrado.

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