Mundo Lusíada com Lusa
O especialista em emigração Jorge Arroteia defendeu que o aumento da participação eleitoral das comunidades nas legislativas se deveu à nova geração de emigrantes e não a qualquer esforço de mobilização das autoridades ou dos partidos.
“Embora não seja possível de imediato fazer uma associação entre a população que votou e o estrato etário desta mesma população, eu inclino-me para já para que isso tenha justamente a ver com a participação de uma emigração mais jovem, mais participativa, mais interessada nos destinos da sua terra, do seu país”, disse o professor catedrático da Universidade de Aveiro à Lusa.
Os votos dos círculos da emigração revelam um aumento da participação, de 12,05% nas legislativas de 2019 para 20,67% este ano no círculo da Europa e de 8,81% para 10,86% no círculo Fora da Europa.
Em números absolutos, o número total de eleitores passou de 158.252 em 2019 para 257.791 em 2022, o que representa um aumento de 62%.
Para Jorge Arroteia, estes números resultam dos “fluxos migratórios mais recentes (…) que têm sido fundamentalmente constituídos por emigrantes mais novos, a chamada nova geração de emigrantes, com maior experiência política, com maior participação cultural, com maior participação associativa, como maior envolvimento cívico”.
“Há 50 anos, até aos anos 70, nós tínhamos uma emigração adulta. A partir do momento em que os enfermeiros começaram a emigrar para a Suíça, para França, é uma emigração muito mais jovem. (…) Nos anos 70 tínhamos analfabetos. Hoje temos diplomados, licenciados, mestres, doutores”, exemplificou.
Questionado sobre os alegados esforços de mobilização eleitoral por parte de partidos e autoridades, o especialista defende que “esse é o discurso oficial, o discurso político e de proximidade, mas na prática (…) há um distanciamento muito grande” entre os emigrantes e o país.
“A emigração continua a ser um estandarte que em determinados momentos se levanta e acena, mas depois os mecanismos de integração e articulação não funcionam”, disse Jorge Arroteia, sublinhando que os agentes da administração pública e política “não têm tido a devida atenção com a população emigrante”.
Sobre a anulação de 80% dos votos dos emigrantes do círculo da Europa devido a um protesto do PSD, o especialista disse: “Há alguém que não fez o trabalho de casa. E não foi a população emigrante, que quis participar e quis votar”.
“São 150 mil votos, são 150 mil emigrantes que ficaram de fora, que reclamam o seu direito de cidadania”, lamentou.
Maior votação de sempre
Já a Associação Também Somos Portugueses (TSP) saudou a “maior votação de sempre” dos portugueses no estrangeiro graças a um aumento de 63% dos votos dos emigrantes nas legislativas de 30 de janeiro.
O aumento, vinca a TSP, deve levar a uma revisão da representação dos residentes no estrangeiro, que elegem quatro deputados, dois no círculo da Europa e outros dois Fora da Europa.
“Votaram mais portugueses do que, por exemplo, em Leiria, que elege 10 deputados”, refere, num comunicado.
Uma petição iniciada pela TSP resultou no recenseamento automático dos emigrantes, o que aumentou o universo de eleitores de 28.354 em 2015 para 1.521.947 inscritos em 2022.
Estas eleições representaram mais um passo na “longa caminhada no sentido de uma maior participação da emigração nas eleições portuguesas”, segundo a associação, que aplaude a “mobilização das comunidades portuguesas e os melhoramentos efetuados no voto postal pela Administração Eleitoral, muitos deles sugeridos pela TSP”.
Porém, a taxa de abstenção no estrangeiro ficou-se nos 83% nas legislativas de 30 de janeiro, quase o dobro da taxa no território nacional e regiões autónomas, de 42%.
A TSP atribui isto a vários fatores, nomeadamente a problemas identificados por um inquérito a eleitores feito pela Internet, no qual 44% dos 761 inquiridos em 56 países declarou não ter conseguido votar.
Destes, 69% não receberam o boletim de voto, seja porque ainda estão recenseados em Portugal, porque mudaram de morada ou porque não quiseram, mas outras razões foram levantadas, como confusões sobre o processo e insuficiência de informação.
“A taxa de abstenção desceu muito. Na Europa, a participação passou de cerca de 10% para cerca de 20%. Se as moradas estivessem certas, teríamos talvez 40% de participação”, afirmou o dirigente da associação, Paulo Costa.
No inquérito, 80% dos inquiridos manifestaram preferência pelo voto digital no futuro, uma proposta defendida pela TSP para aumentar a participação eleitoral e que o Governo está a estudar.
Mais de 80% dos votos dos emigrantes do círculo da Europa nas legislativas de 30 de janeiro foram considerados nulos, após protestos do PSD, mas a distribuição de mandatos mantém-se, com PS e PSD a conquistarem dois deputados cada nos círculos da emigração.
Segundo o edital sobre o apuramento geral da eleição do círculo da Europa, de um total de 195.701 votos recebidos, 157.205 foram considerados nulos, o que equivale a 80,32%.
Em causa estão protestos apresentados pelo PSD após a maioria das mesas ter validado votos que não vinham acompanhados de cópia do cartão de cidadão do eleitor, como exige a lei.
Como esses votos foram misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados de dezenas de mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los uma vez na urna.