Neste ano de 2016 a história tem se acelerado de maneira intensa no Brasil. Mas, infelizmente, não contempla em seus eventos um movimento que traga indícios, até aqui, de boas notícias, boas perspectivas, para a grande maioria desta nação estruturalmente tão desigual. Pelo contrário. A sensação é de desprezo pelas aspirações dos mais carentes. E pela democracia.
Quanto mais o tempo passa e o governo interino de Michel Temer toma decisões, mais vamos sentindo o profundo grau de revanchismo que os conservadores, derrotados nas últimas quatro eleições federais, guardavam consigo, esperando o momento para agir em forma de vingança. Construíram, então, sua hora. E vão tirando proveito do poder, com base na legalidade constitucional, é verdade, embora isto esteja cada vez mais sendo pensado se, de fato, o colocado como legal é legítimo. Sério dilema ético.
Sobre o objetivo do ataque pelas forças conservadoras e neoliberais, começam a ficar claros os passos. Nesta semana, a Constituição Federal de 1988 – chamada pelo saudoso Ulisses Guimarães de ‘Constituição Cidadã’, porque trazia as sementes de um ‘Estado Providencia’, inexistente até hoje no País efetivamente – foi atingida. Visam-se as regras do orçamento e, dessa maneira, os fundos, o dinheiro que poderia ser deslocado para os interesses dos setores populares passa a sofrer desvios e ficar mais disponível para os rentistas, os especuladores, que ganham com a dívida pública. Em outras palavras, vão se impondo limitações aos gastos sociais, através de mudança nas regras de vinculação de despesas para educação e saúde. Hoje, por garantia constitucional, a educação fica com algo em torno dos 18% do que é arrecadado com impostos. A saúde também vai pelo mesmo caminho. Isto está sendo demolido por Temer e Henrique Meirelles. Ao mesmo tempo, não se toma nenhuma providência quanto ao estratosférico nível praticado da taxa de juros ou ao comprometimento do orçamento com encargos financeiros. Não, nenhum item também sobre reforma tributária, onde as grandes fortunas poderiam ser tocadas para colaborar com o esforço nacional. Nada disso. Desta forma, com a perspectiva de um baixo PIB, lá se vão também as receitas que rolarão a ladeira e, por conseqüência, os percentuais à favor da saúde e educação, entre outros. Esforço até aqui apenas das camadas populares. Futuro difícil.
Por outro lado, do ponto de vista político e da luta pelo poder, baseada nas premissas jurídicas/ constitucionais que impõem afastamento a Dilma, uma carga maior de elementos absurdos vieram à tona esta semana, ampliando o escândalo da articulação do golpe. Nos últimos dias, gravações feitas durante março em conversas pelo ex-senador e ex-presidente da Transpetro, subsidiária Petrobrás, Sérgio Machado, com José Sarney, Romero Jucá e Renan Calheiros, vieram à tona através da Folha de São Paulo e do jornalista Rubens Valente. Um documento horroroso. E, com isso, uma coisa nem se discute mais: escancaradamente não foi para lutar contra a corrupção, como muitos inocentes úteis (ou mal intencionados mesmo) foram às ruas com a camisa verde-amarela da CBF e bateram panelas contra o governo, as reais motivações do impeachment. Conforme o jornalista Ricardo Boechat, na BandNews (25/5): “Golpe político fica claro de forma humilhante em gravações”.
Assim, por que o STF é tão lento ou posiciona-se contrário a Dilma? Resposta, conforme o áudio do senador Renan: “estão todos putos com ela. Ela disse: ‘Renan, eu recebi aqui o Lewandowski [presidente STF] querendo conversar um pouco sobre a saída para o Brasil. O Lewandowski só veio falar de aumento, uma coisa inacreditável’“. Sim, é vingança por não terem aumento salarial. Coisa que Eduardo Cunha deu um jeito de aprovar, antes de ser afastado tardiamente pelo próprio STF. Outro ponto interessante, no áudio do senador Jucá, é observar o papel das Forças Armadas: “Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar”, afirma Jucá. Portanto, militares estão conscientes das articulações por conta de conversas firmadas com eles próprios. E, conforme a hierarquia e disciplina estabelecidas em Lei, o Presidente da República é seu comandante supremo. Como pode isso? Pobre Dilma.
A retirada da mandatária eleita seria a forma de construir um pacto para ‘estancar a sangria da Operação Lava Jato’ que começa a sair dos âmbitos petistas e também para levantar a expectativa da economia. Sérgio Machado, quem supostamente fez os áudios, acredita que ele pode ser o meio para se chegar a vários nomes de peso, por isso quer escapar da justiça. Ele diz: “querem pegar todos os políticos”. Afirma que até o PSDB já está atento a isso. Cita Aloysio Nunes, José Serra, Tasso Jeraissati e Aécio Neves. Este seria “o primeiro a ser comido”. E Jucá complementa a reflexão: “[querem] Acabar com a classe política para ressurgir, construir uma nova casta, pura…” O medo é generalizado entre os congressistas. Machado, falando a Renan, levanta até a ideia de uma anistia, lembrando o que aconteceu durante a ditadura militar, em que os crimes do passado foram perdoados, valendo só o ‘daqui para frente’. Para fortalecer o Congresso, também apontam a importância do sistema parlamentarista a ser implantado. Tremenda conjuração. E a justiça sobre Jucá, Renan e cia com base nessas conversas? (Leia http://www.valor.com.br/politica/4573901/leia-trechos-dos-dialogos-entre-romero-juca-e-sergio-machado). É um grande esquema envolvendo participantes de várias instituições para derrubar Dilma, cujas explicações vão desde razões salariais até jeito de políticos fugirem da Operação Lava Jato e suas denúncias. Cunha, não se pode esquecer, colocou em votação o impeachment quando não houve acordo com Dilma para livrá-lo do Conselho de Ética.
Liberar os ‘peixes grandes’, com os ‘rabos presos’, tementes à justiça e, de quebra, fazer carinho no mercado. Daí esse ministério capenga de Temer, feito para ser moeda de troca pelos votos no Congresso, articulando-se como barreira para o prosseguimento de novas denúncias e processos, ao mesmo tempo em que desmonta o Estado. Deprimente e histórico o que vemos. Deprimente porque as instituições da República estão podres e precisam claramente de uma reformulação. E histórico porque marca, mais uma vez, como as elites conspiram contra as aspirações populares. São Paulo, 26 de maio de 2016
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo