Mundo Lusíada com Lusa
A pesquisadora em migrações Thais França considera que o ataque a um grupo de imigrantes no Porto mostra que Portugal “tem um problema” nas suas “políticas de integração” que, até agora, “estavam escondidas” na sociedade.
Para a investigadora do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, “não dá mais para dizer que são casos isolados” e é “preciso pensar em toda a conjuntura em que esses ataques aconteceram”.
A autora de um estudo internacional sobre os movimentos anti-imigração em Portugal defende que os decisores políticos têm, antes do mais, que “reconhecer que há um problema” e que “não é um caso isolado” ou de “apenas um grupo isolado de pessoas”.
No seu entender, o ataque a uma habitação de imigrantes magrebinos no Porto na passada sexta-feira mostra que é necessário “reconhecer que há um problema na sociedade portuguesa e reconhecer que as políticas de integração, de que Portugal tanto valoriza e tanto se vangloria, falharam”.
O que se passou foi “um ataque deliberado” contra imigrantes, preenchendo os requisitos de uma ação neonazi ou racista.
Para resolver este problema não bastam “leis mais rígidas”, mas sim promover um debate sobre as políticas de acolhimento.
“Para mim, o que estes ataques fazem é evidenciar que há um problema em relação à imigração em Portugal” e mostra que a “forma como a sociedade portuguesa vê a imigração não é tão pacífica”.
A manifestação anti-imigrantes de fevereiro, promovida em Lisboa pelo coletivo Grupo 1143 (liderado por Mário Machado), “teve muito mais força do que do que esses ataques podem ter” na dinamização de parte da opinião pública.
No entanto, “como foi um evento de muita violência”, pode “fazer com que algumas pessoas revejam as posições anti-imigração”, porque não se reveem nesses atos.
Há a “ideia de que Portugal não é tão racista, de que Portugal recebe” e “agora está a prova que não é assim”.
O discurso anti-imigrantes, “capitalizado pelo Chega”, está cada vez mais normalizado na sociedade portuguesa, alerta por outro lado a investigadora, considerando que o “discurso está circular” em vários quadrantes.
Além disso, associar a imigração à criminalidade passou a ser um tema de campanha eleitoral, admite a investigadora.
E por isso, este ataque é um “sinal visível” de uma “dinâmica e de uma tendência que parece estar cada vez mais fortalecida dentro da sociedade”, concluiu.
Na madrugada de sexta-feira, ocorreram três ataques e agressões a imigrantes na zona do Campo 24 de Agosto, na rua do Bonfim e na rua Fernandes Tomás, no Porto.
Segundo a PSP, os ataques foram feitos por vários grupos, tendo cinco imigrantes sido encaminhados para o hospital devido aos ferimentos.
Punição
Para a jurista Ana Rita Gil, é preciso uma punição agravada para os autores dos ataques a imigrantes no Porto, criticando a ligação feita pela procuradora-geral da República entre imigração e criminalidade.
“É preciso, mesmo, que se puna estas atuações, e se puna com as agravações ligadas ao ódio xenófobo, se foi mesmo esse o caso”, afirmou à Lusa a docente da Lisbon Public Law (Centro de Investigação em Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) e especialista em migrações.
Segundo a investigadora “é diferente punir um comportamento apenas e punir o comportamento especialmente levado a cabo com uma intenção censurável”, porque “só assim se passa a mensagem de que os mesmos não são tolerados numa sociedade democrática que não se revê nesses valores”.
Para a jurista, “o problema foi também ter-se evitado falar de imigração no país durante tanto tempo, impondo-se um discurso único”, porque a “integração também depende da sociedade de acolhimento, de a preparar”.
Hoje, em Portugal, “já não é preciso ter vergonha, agora já se pode falar e ser xenófobo publicamente, pelo que se entra na normalização” do discurso.
Ana Rita Gil criticou as declarações da procuradora-geral da República que, na segunda-feira, admitiu uma “maior apreensão” face “ao crescente ingresso em território nacional de jovens não acompanhados das respectivas famílias”, que estão “desenraizados, indocumentados, de distintas origens e proveniências”.
“Vejo a normalização, ao mais alto nível, de discursos simplistas que fazem ligação perigosa entre imigração e criminalidade”, disse a investigadora, classificando a declaração de Lucília Gago como “particularmente grave vindo da mais alta responsável pela magistratura responsável pela investigação de crimes em Portugal”.
A investigadora considera que estes crimes “poderão ter, como causa incentivadora, o aumento do discurso de extrema-direita em Portugal.
No seu entender, “o debate sobre a imigração nunca foi feito por pessoas moderadas, e, mais uma vez, quem tomou conta disto foi o populismo extremista, que encerra sempre uma mensagem de violência sub-reptícia”, pelo que o que, “dantes estava escondido nas desconfianças primárias das pessoas, vem agora ao de cima porque esses receios começam a ter validação no espaço público”.
Em resposta à Lusa, o gabinete do Secretário de Estado Adjunto da Presidência referiu que o Governo prepara uma reforma no setor.
“Depois de reunir com algumas entidades, o senhor ministro da Presidência apresentará ao Conselho de Ministros um plano de ação para as migrações, que resolva a herança pesada da ‘inépcia política passada’ e assegure um sistema que conjugue controlo efetivo com integração digna e humanista”, referiu a tutela, confirmando que essas “reuniões têm vindo a ser realizadas”.
Na sequência das agressões, seis homens foram identificados e um foi detido por posse ilegal de arma.
Face à suspeita de existência de crime de ódio, o caso passou a ser investigado pela Polícia Judiciaria.