Por Elaine Santos
No último mês de abril, o presidente brasileiro realizou uma visita oficial a Portugal com o objetivo de fortalecer as relações bilaterais. Durante essa visita, foram estabelecidos 13 acordos, abrangendo diversas áreas, sendo que um deles despertou especial atenção: o acordo na área de energia e geologia.
Há alguns anos, quando comecei a pesquisar as matérias-primas estratégicas, especialmente o lítio, percebi que estudar esses dois países nessa área poderia fazer sentido. Tanto Portugal quanto o Brasil têm o objetivo de expandir sua exploração de lítio para atender às demandas da transição energética.
Em Portugal, o lítio é explorado principalmente para fins cerâmicos e vidreiros; o país é detentor das maiores reservas de lítio conhecidas na União Europeia. Por sua vez, o Brasil possui uma indústria do lítio mais estabelecida, com a Companhia Brasileira de Lítio (CBL), que iniciou suas operações em 1991 para suprir o mercado nacional de derivados desse mineral. Historicamente, a CBL tem se destacado na exploração de lítio nos municípios de Araçuaí e Itinga, localizados no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
Nos últimos anos, o Brasil tem presenciado o anúncio de diversos projetos relacionados ao lítio, incluindo a incorporação de duas novas empresas nesse segmento: a AMG Mineração e a empresa canadense Sigma Mineração. Em 2017, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) identificou áreas promissoras de depósitos de lítio, especialmente no Vale do Jequitinhonha, mapeando 45 ocorrências, sendo 20 delas inéditas. Esse estudo resultou em um aumento significativo das reservas de lítio do País, de 0,5% para 8% em termos globais. Embora Minas Gerais seja pioneira na exploração desse recurso, também há ocorrências em outros Estados, como Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.
Além disso, tanto Portugal quanto o Brasil exploram lítio em rochas, o que os aproxima em relação aos impactos dessa extração. Essa abordagem difere do chamado “triângulo do lítio” (Argentina, Chile e Bolívia), região que concentra mais de 60% das reservas mundiais de lítio, onde a exploração é feita por meio de salmouras.
Em ambos os países, o aspecto social da utilização do lítio na transição energética tem sido ignorado, o que é comum em áreas onde há um predomínio das “ciências duras”. No entanto, é importante reconhecer que a indústria extrativa também possui uma dimensão coletiva intrinsecamente ligada ao conceito de “desenvolvimento econômico”, na qual a sociologia pode contribuir de forma aprofundada. Foi com base nessa percepção que elaborei um projeto de pós-doutorado no Instituto de Estudos Avançados, iniciado em 2022, com foco nos impactos da mineração de lítio na transição energética em ambos os países. Agora, esse enfoque é confirmado pelo acordo entre Brasil e Portugal, o que evidencia que minha proposta estava fundamentada na realidade.
No âmbito do acordo assinado em abril de 2023, a Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) em Portugal e o Ministério de Minas e Energia, na Secretária de Planejamento e Transição Energética (SPTE) e Secretaria de Energia Elétrica (SEE) no Brasil, foram designados como representantes para o grupo de trabalho. O objetivo desse grupo é explorar oportunidades nas áreas de geologia e minas, incluindo a atração de investimentos para pesquisa, ampliação da produção mineral e capacidade produtiva em etapas de processamento de lítio, produção de componentes e baterias e estudos prévios sobre as condições de infraestrutura e logística regional. Essa colaboração entre Brasil e Portugal não é totalmente nova, uma vez que já existe algum intercâmbio nessas áreas, impulsionado também pela ligação histórica entre os dois países.
Com o projeto de pós-doutorado, meu objetivo era situar a questão humana e social nesse campo, enfatizando a importância de uma sociologia da energia, especialmente em áreas que são consideradas áridas para a maioria dos sociólogos, como a geologia. Portanto, neste texto destaco um ponto de situação sobre o lítio em ambos os países.
Em 2017, em Portugal, foi criado um grupo com o objetivo de avaliar e valorizar os recursos minerais de lítio do país (Despacho nº 15040/2016). O relatório resultante desse processo recomendou ações como o desenvolvimento de um programa de “fomento mineiro” para avaliação dos recursos, a criação de uma Unidade Experimental Minero-Metalúrgica para testar tecnologias de extração e processamento de minérios de lítio, e a criação de uma Unidade Piloto de Demonstração para comprovar a viabilidade da produção de concentrados e compostos de lítio. Propôs-se também a formação de um consórcio no âmbito do Cluster Portugal Mineral Resources, envolvendo empresas, universidades e instituições governamentais. A cooperação internacional com outros países produtores ou consumidores de lítio também foi recomendada.
Além disso, o documento menciona o Programa de Pesquisa e Prospecção de Lítio (PPP), uma iniciativa conjunta da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e da Agência Nacional de Inovação (ANI), que tinha como objetivo apoiar projetos de pesquisa e prospecção de lítio em Portugal. Em 2016, foram registrados 30 pedidos de direitos de prospecção e pesquisa de lítio. Essas medidas visavam a impulsionar o setor do lítio em Portugal, promovendo a investigação e a exploração desse recurso estratégico, e algumas estão a ser implementadas.
Naquela época, três projetos estavam em fases mais avançadas, com empresas detendo os direitos de exploração, sujeitos à aprovação da Avaliação de Impacto Ambiental. Esses projetos estavam localizados em Morgade, no município de Montalegre (empresa Lusorecursos), bem próximo a uma das maiores massas de água de Portugal, a represa do Alto Rabagão, em Covas do Barroso, município de Boticas (empresa Savannah), junto do rio Covas e, por fim, na serra da Argemela, no Barco, município da Covilhã (empresa Pann), localizado na margem esquerda do rio Zêzere, que, a jusante, forma a represa de Castelo de Bode, responsável por abastecer de água a cidade de Lisboa.
Desde então, todas as questões relacionadas ao lítio em Portugal, sejam elas sobre pesquisa, prospecção ou exploração, têm sido cercadas por polêmicas. Em 2019, ocorreu o 1º Fórum Nacional de Ambiente e Lítio – A problemática do lítio no contexto nacional, onde a população das áreas já concedidas para prospecção, juntamente com uma organização ambientalista, se mobilizou. Durante o evento, pude perceber uma preocupação genuína e significativa em relação aos potenciais impactos que a mineração de lítio poderia causar em regiões predominantemente agrícolas.
Em 2020, ocorreu um concurso para a atribuição de direitos de prospecção e pesquisa de lítio em oito áreas. Nesse contexto, foi realizada uma consulta pública do relatório de avaliação ambiental preliminar, que recebeu mais de 1.400 participações, evidenciando sua relevância. Posteriormente, uma avaliação ambiental estratégica foi conduzida, concluindo que seis das oito áreas apresentavam condições favoráveis para avançar. Esse processo foi coordenado com o objetivo de reduzir os potenciais impactos ambientais e promover algum tipo de pacificação social em torno da pesquisa e prospecção de lítio.
O aumento da demanda por essa matéria-prima em diversos países tem gerado conflitos e movimentos contrários à mineração. Em Portugal, não é diferente, o que demonstra que esse é um problema global, nacional e local da indústria extrativa, com dinâmicas interligadas. Essas dinâmicas são determinadas externamente às comunidades locais, o que acaba por negligenciar algumas demandas reais das comunidades e, principalmente, das pessoas que não estão necessariamente ligadas a nenhum movimento social organizado, mas que podem ser diretamente afetadas caso a exploração prossiga.
Nesse sentido, é importante ressaltar que não existe um consenso unânime em relação à exploração do lítio em Portugal. O que prevalece são incertezas e medos. Há aqueles que são totalmente contrários à mineração e, por outro lado, existem pessoas que acreditam que essa atividade possa trazer desenvolvimento, entendendo esse desenvolvimento como sendo exclusivamente a geração de empregos. Essa perspectiva é compreensível e decorre da urgente preocupação econômica que afeta a vida da maioria das pessoas.
Na minha opinião, essa mobilização dos movimentos sociais organizados em torno do tema contribuiu significativamente para uma maior sensibilização em todo o país, ampliando o conhecimento e as nuances de opiniões sobre a possível mineração de lítio, especialmente entre os residentes do norte de Portugal.
No caso brasileiro, um aspecto importante nesse processo de ampliação da exploração de lítio é a predominância da exportação do minério de lítio. Esse cenário é resultado da falta de integração e políticas públicas adequadas que promovam uma melhor inserção na cadeia de valor das baterias de íon-lítio, amplamente utilizadas na fabricação de smartphones, tablets e veículos elétricos. Uma preocupação que merece atenção especial, a fim de evitar que continuemos sendo apenas exportadores de matérias-primas com baixo valor agregado, evidenciando um intercâmbio interindustrial e tecnológico bastante assimétrico. Essa foi uma das principais reivindicações do movimento social O Lítio é do Jequitinhonha, que buscava maior atenção socioambiental na região e a realização de audiências públicas para discutir um Plano de Desenvolvimento Regional para o Vale do Jequitinhonha, com o objetivo de garantir que as riquezas geradas por essa cadeia produtiva permanecessem na região.
No Brasil, apesar da relação histórica com lítio, ainda há muito a ser feito no aspecto socioambiental em relação à ampliação da extração desse mineral. Existem poucos estudos na área social abordando os possíveis impactos decorrentes desse processo, especialmente considerando a diversidade de atores envolvidos nessa cadeia. A situação em Portugal não é diferente. Em 2022, participei de um curto estudo sobre a percepção do papel do lítio em Portugal, realizado na Universidade de Coimbra. Os resultados preliminares revelaram que a maioria dos entrevistados reconhecia a necessidade da transição energética (90,1%), mas demonstrava certa preocupação com os possíveis impactos ambientais e sociais dos projetos de mineração (71,3%). Esses resultados indicam uma crescente conscientização sobre a importância da transição energética, ao mesmo tempo em que revelam preocupações sobre os impactos ambientais e sociais da exploração de minerais estratégicos como o lítio. Essa é uma equação complexa que permeia a própria produção socioeconômica atual. No entanto, essas questões precisam ser mais bem avaliadas e consideradas no processo decisório, o que parece não estar ocorrendo, uma vez que a falta de transparência foi uma das principais preocupações levantadas pelos participantes da pesquisa.
Embora muitos aspectos relacionados à exploração de lítio e outras matérias-primas estratégicas sejam predominantemente técnicos, é essencial que a sociologia aprofunde sua análise nesse campo. Isso se justifica não apenas pela maneira como os governos de Portugal e do Brasil lidam com essa questão, mas também porque os sistemas de energia renovável, apesar de pretenderem ser “mais limpos”, apresentam suas próprias injustiças e impactos, que variam em magnitude e precisam ser examinados.
Por Elaine Santos
Pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, em artigo para o Jornal da USP.
Socióloga e licenciada em geografia. Fez seu mestrado em Energia pela Universidade Federal do ABC e doutorado pela Universidade de Coimbra. Atualmente é pós-doutoranda do IEA–USP Cidades Globais, pesquisando os impactos da transição energética no Brasil e em Portugal a partir da exploração de matérias-primas consideradas estratégicas.