As marchas da ilicitude

O Supremo Tribunal Federal reconheceu que a maconha é uma droga e que não pode promover seu uso. Curiosamente, considerou que, pelo princípio da liberdade de expressão e de ir e vir, não se poderia proibir as marchas para sua descriminalização.
Considero muito difícil entender as duas teses conflitantes abordadas pelos eminentes ministros, pois o simples fato de defender a descriminalização da maconha para seu livre uso é forma de incentivá-lo. Mais curioso ainda é que o Estado brasileiro tudo fez para eliminar o uso do cigarro, incomensuravelmente menos nocivo à saúde do que a maconha. Perguntava-me, com sua inteligência e ironia, Everardo Maciel se for descriminalizada, sua venda deveria ser mais tributada que o cigarro, já que é inequivocamente mais prejudicial.
Pelo princípio da liberdade da expressão e de associação, poderiam os cidadãos descontentes com o alto nível de corrupção nas diversas esferas da Federação defender, em passeata, uma ditadura de homens nos para substituir esta democracia. E, se houvesse uma marcha para a descriminalização da cocaína e do crack, seria também possível?
E eventuais marchas para a descriminalização da cocaína e do crack ou de outras drogas para serem permitidas estariam sujeitas a laudos laboratoriais dizendo que a maconha é uma droga menos nociva? Caberia ao Supremo Tribunal Federal definir os casos em que a liberdade de expressão e associação estaria condicionada a laudos técnicos para permitir tais marchas?
Decididamente, com todo o respeito que tenho pelo Pretório Excelso há 54 anos e em especial pelos ministros da atual Corte, a decisão não foi feliz. Foi “politicamente correta” para agradar à ala de intelectuais dos “novos tempos”, em que tudo é permitido, principalmente quando agredindo valores.
Em palestra que proferi recentemente, na qual se discutiam outras decisões polêmicas do Tribunal Maior e a desfiguração do princípio da moralidade em todos os níveis de governo, um dos participantes perguntou-me se o Brasil hoje não tinha um Poder Judiciário “politicamente correto”, um Poder Executivo “politicamente corrupto” e um Poder Legislativo “politicamente incompetente”, tendo sido sua observação, difícil de responder, seguida de risos e aplausos.
Creio que a marcha da maconha fortalece a opinião dos que pensam como esse participante, que me fez lembrar outro episódio provocado por recente artigo que escrevi e que mereceu de Saulo Ramos, ao cuidar da unanimidade do Pretório Excelso nas interpretações “conforme” a Lei Maior, que essas unanimidades são “conforme” Nelson Rodrigues.
Decididamente, na minha limitação etária de 76 anos, não consigo vislumbrar como se possa realizar marcha pela maconha, sem que essa marcha represente uma promoção de seu uso.

Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

1 comentário em “As marchas da ilicitude”

  1. O Brasil de certa forma ajudou a criminalizar a maconha mundialmente a partir de intervenções de médicos e políticos brasileiros, com a estigmatização do uso da maconha, relacionando-a ao ópio na Ásia – o que é improcedente, já que a maconha não tem letalidade e nenhuma síndrome de abstinência. Um exemplo é o médico Rodrigues Dória, que era também presidente da província de Sergipe. No começo do século, Rodrigues Dória diz em um congresso que a ideia de que a maconha é a vingança dos ex-escravos contra seus senhores, que agora escraviza os ex-senhores, como tinha sido o ópio nos EUA. Na verdade toda essa posição é porque era uma droga negra. Tanto que, no início da República, havia uma inspetoria de “entorpecentes, tóxicos e mistificação”, a mesma que combatia a umbanda, o esoterismo e até o espiritismo.

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