O ano de 2011 possibilitou em seus primeiros dias a reverberação de manifestações que já estavam ocorrendo há alguns meses de forma discreta para a observação internacional mas que, depois de eventos como a Tunísia e o Egito, ampliaram sua intensidade. Vários estados nacionais da África e do Médio Oriente são chacoalhados pelo descontentamento popular.
Dia 14 de janeiro, após se avolumarem os protestos da população, caiu o governo do presidente Zine AL Abidine Ben Ali, 23 anos de poder, acusado de corrupção e violência contra a oposição. O processo foi detonado, definitivamente, em meados de dezembro passado, quando o desempregado de 26 anos, Sidi Bouzeid, com formação superior, vendia frutas na rua para sobreviver. Abordado, teve a mercadoria tomada pelos fiscais e foi impedido de prestar queixa pelos policiais. Desesperado pela situação o rapaz ateou fogo contra si próprio e morreu depois num hospital. O fato iniciou uma série de protestos que se espalharam rapidamente pelo país tomando a capital Túnis de assalto. Sindicatos, estudantes e oposicionistas foram unidos às ruas. Insatisfação popular contra a permanente carestia e a falta de liberdade. Uma mensagem aos ditadores islâmicos que atuam na região. Não basta apenas justificar a resistência contra Israel e seus aliados na área. É preciso melhorar as condições de vida da população.
Essa perspectiva foi, então, observada nas manifestações que também derrubaram o presidente do Egito, há 30 anos no poder, Hosni Mubarak. Cogitava-se que ele entregaria o cargo para seu filho, Gamal Mubarak. Porém, este e outras lideranças deixaram o Partido Nacional Democrático – PND, governista, em meio a crise, afirmando que é hora de se criarem novos partidos. Desde janeiro acontecem manifestações nas ruas em diversas regiões do país, resultando centenas de mortos e também de feridos. Corrupção governamental e pobreza mobilizaram os desejos por mudanças. Incluindo o apoio dado pela chamada Irmandade Muçulmana, movimento fundamentalista criado em 1928 no próprio Egito, que defende regimes religiosos na região e de onde saíram várias facções que atuam no mundo árabe, caso do Hamas, o Movimento de Resistência Islâmica contra o Estado de Israel e seus parceiros.
As imagens do Egito, país milenar e fascinante, grande atrativo turístico pelo histórico rio Nilo, as pirâmides, a esfinge, o Vale dos Reis entre outros, tornou-se ao longo dos últimos dias o grande destaque dos noticiários internacionais que mostravam a resistência do governo, sua repressão e, em contrapartida, o aumento das paralisações, dos manifestantes nas ruas e praças, especialmente a Praça Tahrir, no Cairo. Foram feitos vários atos de censura, inclusive a tentativa de bloqueio da internet, recurso que está sendo muito usado pelos manifestantes. Uma Junta Militar ocupou o governo e prometeu fazer a transição até as próximas eleições.
E a onda de protestos continua. Além da Tunísia e do Egito, agitações acontecem na Argélia, Mauritânia e Sudão, todos estados africanos, assim como na Jordânia, na Arábia Saudita, no Iêmen, no Omã, no Bahrein, no Iraque e no Irã, países do Oriente Médio.
As manifestações, sem dúvida, emocionam os espectadores ao redor do mundo pela TV ou pela net. As pessoas indo às ruas exigir justiça social, emprego, renda e liberdade de expressão são apoiados pela opinião publica em geral. Mas, ao mesmo tempo, esse projeto democrático é uma faca de dois gumes dentro da geopolítica internacional. Para os EUA, maior potencia e ‘xerife do mundo’ contemporâneo, a saída de Mubarak pode custar um posto que era ‘estável’ no xadrez político da região com o risco da chegada de um grupo islâmico, desestabilizador, contra Israel e os interesses yankees. Este, na verdade, é o grande medo do Ocidente nessa onda contra os tiranos.
Num olhar mais distanciado, percebemos que se o ditador for favorável às aspirações dos aliados da velha OTAN, ou seja, trabalhar pela manutenção do Estado de Israel e do acesso ocidental ao petróleo, as coisas são permissíveis e os excessos contra as oposições locais são toleradas. Sadan Houssein, enquanto foi interessante para Washington, manteve-se no cargo. Quando oscilou frente as demandas da Casa Branca foi caçado e o Iraque arrasado criminosamente. Mubarak idem. Era um ditador, mas não irritava os interesses ocidentais. Tentou se segurar, todavia não foi possível. EUA e europeus apóiam a transição, contudo, temem os avanços da Irmandade Muçulmana ali e nos países vizinhos. Um campo bastante escorregadio.
O jogo geopolítico com os países islâmicos mostra quanta hipocrisia existe nas relações internacionais e nos movimentos das grandes potências. Para os parceiros dos EUA Fidel, por exemplo, é um ditador. Mubarak era um ‘governo de mão dura’. O regime cubano tem que ser derrubado. O egípcio, assim como o saudita, o líder do Iêmen há 32 anos no trono e outros são aceitáveis mesmo com a penúria popular. Dois pesos e duas medidas. Democracia é, portanto, coisa relativa. Aliás, 280 milhões de pessoas na África passam fome diária. Entretanto, não colocam em risco Israel, nem a oferta de petróleo, minérios ou grãos para os cidadãos de primeira classe no planeta.
As massas, no entanto, caminham para continuar seus protestos. Islâmicos ou não, procuram uma vida digna, onde não falte pão, roupa e moradia. Em outras palavras, que não sejam necessários indivíduos se imolarem para lembrar aos governantes suas obrigações mais elementares: não roubar e trabalhar pela sua comunidade. E a história continua sua marcha.
Prof. José de Almeida Amaral JúniorProfessor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.