Da Redação
Com Lusa
Como adiantou o Mundo Lusíada, o artista brasileiro Kobra pintou seu primeiro mural em Portugal, um retrato do cacique Raoni, num prédio em Lisboa, alertando para o problema das populações indígenas “no Brasil e no mundo inteiro”.
Com esta obra, que faz parte de um projeto maior de “proteção dos povos indígenas, das etnias e preservação da floresta amazônica”, Kobra chama a atenção para um problema “no Brasil e no mundo inteiro”, através da “valorização das etnias”, contou, em declarações à Lusa, numa pausa do trabalho que começou na segunda-feira, na empena de um prédio em Marvila, no âmbito do Muro — Festival de Arte Urbana de Lisboa, que decorre até domingo. O rosto do cacique Raoni da tribo Caiapó, “um dos maiores líderes da proteção das causas indígenas hoje”, ocupa a empena de um prédio de cinco andares na rua António Gedeão.
“Por ser [uma pintura] autorizada não perde mensagem”, referiu o artista de 41 anos, que, no final da década de 1980, ‘pichava’ paredes em São Paulo. “De 1987 a 1990, eu era ‘pichador’, depois não mais. Aí eu parti para o graffiti e depois comecei a fazer os meus temas, os meus trabalhos”, recordou.
Geralmente, Kobra leva entre “cinco e dez dias” a terminar um trabalho destes, fora o tempo de planeamento. “O meu maior desafio é a criação, uma das coisas mais complexas é desenvolver a ideia, o conceito, o processo anterior às vezes é mais demorado do que a pintura, chego a fazer 20/30 esboços antes de pintar na parede”, referiu.
Já fora do papel, “a parede é toda quadriculada, técnica usada por alguns artistas” e, nalguns casos, Kobra pinta “primeiro um painel, que se torna o original do muro”. Na pintura, na qual conta com a ajuda de um assistente, Kobra utiliza várias técnicas: “os coloridos são tudo spray, para os pretos utilizo muito o compressor, rolo para fazer o fundo, um pouco de máscaras, moldes”. “O meu trabalho é uma técnica mista”, disse.
Uma das coisas “bacanas” de pintar na rua é, para Kobra, o contacto com as pessoas. “Fico surpreso com a quantidade de pessoas que conhecem já o meu trabalho. É interessante este contacto”, considerou, salientando tratar-se de “um trabalho democrático”. “As pessoas convidam-nos para almoçar em casa delas, para passear, é bacana isso, e muita gente traz desenhos para vermos. Estamos a ser bem tratados”, referiu.
Algumas das obras mais conhecidas de Kobra são rostos, como o do falecido piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna, no Rio de Janeiro, do arquiteto Oscar Niemeyer, em São Paulo, de Jean-Michel Basquiat e Andy Warhol, em Nova Iorque, ou de Alfred Nobel, em Bora, na Suécia, mas “menos de metade” do que Kobra pinta são rostos.
“Trabalho muito com cenários, com perspetivas, imagens de cidades antigas. Tenho também uma outra parte do meu trabalho de proteção dos animais, que tem outro tipo de contexto, e também faço pinturas de 3D [três dimensões] no chão”, referiu.
Esta deslocação a Portugal, que o artista “queria conhecer”, faz parte de uma “sequência grande de trabalhos, intensa”, em vários países.
O périplo começou no Dubai, de onde Kobra partiu para o Malawi, para pintar um hospital a convite da cantora Madonna, daí seguiu para Murcia, Espanha, onde deixou o rosto de Salvador Dalí na empena de um prédio, depois passou por Dusseldorf, Alemanha, onde pintou cinco painéis do seu projeto “Mães do Mundo”, “que tem a ver com valorização dos povos nativos”, Barcelona, para “um trabalho em casa do [futebolista] Neymar”, e Carrara, Itália. Depois de Portugal segue para os Estados Unidos.
Tendo São Paulo como sua casa, a situação política e social no Brasil, no entanto, desanima. “O Brasil está sempre nessa mesma história. É uma vergonha para nós, brasileiros, o tamanho da corrupção num país que é, sem dúvida, um dos mais ricos do mundo. Temos tudo o que precisamos, mas a corrupção é muito intensa. Entra um e sai outro, e todos estão envolvidos na corrupção, então é muito difícil mudar esse quadro”, disse.
O artista tem dificuldade em acreditar que as coisas mudem a curto prazo. “Talvez na minha geração eu não veja essa mudança, porque é muito grave, em todas as instâncias, em todos os órgãos, é muita corrupção mesmo. E o povo sofre diretamente, com a educação, a saúde, e por isso há uma divisão tão grande lá, entre ricos e pobres”, considerou.
O Muro — Festival de Arte Urbana de Lisboa decorre na zona de Marvila, até domingo, com pinturas ao vivo, por artistas nacionais e estrangeiros, conferências, cinema, oficinas, visitas guiadas, música ao vivo e animação de rua O Muro é organizado pela GAU, em parceria com a GEBALIS e a Junta de Freguesia de Marvila, e está incluído na programação da Capital Ibero Americana da Cultura — Lisboa 2017.