Mundo Lusíada com Lusa
O Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, declarou hoje que Portugal se curva perante a personalidade moral do antigo cônsul Aristides de Sousa Mendes, que salvou milhares de judeus, “eternamente grato”, recordando-o “hoje e para sempre”.
“Aristides de Sousa Mendes serviu, com coragem extrema, provação pessoal e familiar e exemplar humildade esses valores na sua mais notável expressão. Portugal, curvando-se perante a sua personalidade moral, eternamente grato, hoje e para sempre o recorda e homenageia”, declarou o Presidente da República.
O chefe de Estado discursava na cerimônia de concessão de honras de Panteão Nacional, que decorre nesta terça-feira, em Lisboa, ao antigo cônsul português em Bordéus, que salvou milhares de judeus e outros refugiados do regime nazi durante a Segunda Guerra Mundial.
Marcelo enalteceu que “Aristides de Sousa Mendes mudou a história de Portugal e projetou Portugal no mundo”.
“Mudou a história de Portugal nesse momento trágico chamado genocídio em plena guerra mundial. Porque de genocídio se tratava, já na perseguição de comunidades, que haveria de acabar em Holocausto”, considerou.
Mas também “projetou Portugal no universo”, continuou, desde “o reconhecimento a um dos ‘Justo entre as nações’ em Jerusalém, ao respeito e à veneração na Europa, nas Américas, na África, nas Ásias, onde quer que haja descendentes dos descendentes daquelas e daqueles que ajudou a salvar, ou ao menos um punhado de cidadãos do mundo cultores das bem-aventuranças – das bem-aventuranças das igrejas, como das bem-aventuranças das luzes, que somam a razão ao afeto”.
“Aqui entrou Aristides de Sousa Mendes e aqui permanecerá até ao fim dos tempos, se os tempos tiverem fim”, declarou.
Inspiração
O primeiro-ministro defendeu que os valores do antigo cônsul português devem ser lembrados e servir de inspiração para a atualidade, porque “as perseguições não acabaram com a Segunda Guerra Mundial”.
António Costa falava aos jornalistas no final da cerimônia e defendeu que nem perseguições nem a necessidade de assegurar proteção internacional “terminou com aquele período”, apontou.
Costa disse ainda que, “infelizmente, a História tem demonstrado que aquilo com que Aristides de Sousa Mendes foi confrontado continua a ser uma realidade de hoje e, por isso, é muito importante que estes valores sejam lembrados”.
“Que estes valores sejam lembrados por homenagem devida aos atos que foram praticados no devido tempo, mas também como inspiração para aquilo que temos que continuar a fazer e para manter bem vivos estes valores”, acrescentou.
O primeiro-ministro disse ainda que hoje se vivem “novas realidades”, mas que no fundo o que está em causa “é exatamente o mesmo: a proteção da dignidade da vida humana, a proteção das vidas, daqueles que buscam salvação”.
Nascido em 19 de julho de 1885, na aldeia de Cabanas de Viriato, concelho do Carregal do Sal, Viseu, Aristides de Sousa Mendes morreu em abril de 1954, no Hospital Franciscano para os Pobres, em Lisboa.
Pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, Aristides assume funções como cônsul em Bordéus, França, onde viria a desobedecer às ordens vindas do Governo português liderado por António de Oliveira Salazar. Em 1939, Portugal emitiu uma diretiva apelidada de “Circular 14”, que condicionava a emissão de vistos aos refugiados por diplomatas portugueses, sem autorização prévia.
Aristides de Sousa Mendes salvou milhares de judeus e outros refugiados do regime nazi, emitindo vistos à revelia das ordens da ditadura – a maioria entre 12 e 23 de junho de 1940 – o que lhe valeu mais tarde a expulsão da carreira diplomática, acabando por morrer na miséria.
Em 1966, o Memorial do Holocausto, em Jerusalém, prestou-lhe homenagem, atribuindo-lhe o título de ‘Justo entre as Nações’.
Em Portugal, em abril de 1988, a Assembleia da República decretou, por unanimidade, a reintegração, a título póstumo, na carreira diplomática do ex-cônsul em Bordéus, reconhecendo-se também o direito a indemnização reparadora aos herdeiros diretos.
Aristides foi também condecorado, a título póstumo, em 1986, com o grau de Oficial da Ordem da Liberdade e, em 1995, com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo, ambas pelo Presidente Mário Soares e mais recentemente em 2016, com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, por Marcelo Rebelo de Sousa.
O processo de concessão de honras de Panteão Nacional a Aristides, foi aprovado na Assembleia da República em julho de 2020 na sequência de um projeto de resolução proposto pela deputada não inscrita Joacine Katar Moreira – na altura ainda deputada do partido Livre.