Por Ígor Lopes
Portugal e Brasil mantêm uma relação comercial marcada por oportunidades promissoras, assentes em laços históricos e culturais que facilitam a troca e a colaboração. Nos últimos anos, diversos setores têm se destacado como áreas de interesse mútuo. Empresas brasileiras investem em território português, aproveitando o acesso à União Europeia, enquanto as empresas portuguesas vislumbram o mercado brasileiro como um potencial impulsionador de crescimento, de olhos postos num mercado gigantesco.
Se existem oportunidades, existem também dificuldades a serem superadas. A língua comum e o entendimento cultural são fatores que proporcionam uma base sólida para o incremento dessas parcerias comerciais. Mas a falta de informação adequada é apontada por especialistas como um “gargalo” longe de ser ultrapassado. A partir deste ponto, o diálogo entre as duas nações deve ser reforçado e ampliado, numa aposta entre ambas as nações na busca por políticas que incentivem a inovação, a desburocratização e a facilitação de investimentos bilaterais.
Prova desse esforço passa pelo raio-x do balanço comercial entre Brasil e Portugal, que tem apresentado um crescimento significativo nos últimos anos, mas com um enorme potencial ainda a ser explorado. Em 2023, o Brasil registou um superávit recorde de cerca de US$ 98,84 mil milhões na balança comercial total, impulsionado principalmente pelo aumento nas exportações e pela redução nas importações.
Segundo Otacílio Soares, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira (CCILB), “as oportunidades entre Brasil e Portugal no campo comercial são vastas e diversificadas, especialmente à luz das transformações económicas globais e das iniciativas bilaterais”.
“Ambos os países têm explorado setores estratégicos, com destaque para tecnologia, energias renováveis, agroindústria e economia digital. No Brasil, o agronegócio continua a ser uma potência, e Portugal, com a sua localização estratégica na União Europeia, pode se tornar num hub essencial para a exportação de produtos brasileiros para mercados europeus e além. Além disso, temos visto um grande interesse por parte de empresas portuguesas em investir no Brasil, principalmente em áreas como infraestrutura, mobilidade urbana e projetos de sustentabilidade”, defendeu este responsável.
Outro setor em crescimento, de acordo com Otacílio, “é o da inovação tecnológica e startups”.
“Portugal tem se destacado como um polo de inovação na Europa, com eventos globais como o Web Summit, e isso atrai cada vez mais empreendedores brasileiros que buscam um ambiente propício para desenvolver as suas ideias e expandir as suas empresas internacionalmente. Da mesma forma, empresas portuguesas encontram no Brasil um grande potencial de expansão, especialmente em áreas como tecnologias de informação, energias renováveis e turismo”, sublinhou.
Esta interação será reforçada, nos próximos dias, por uma intensa agenda empresarial focada nas startups que vai ter lugar em paralelo à edição do Web Summit Lisboa, entre os dias 11 e 14 de novembro. Uma dessas experiências será liderada pelo escritório europeu da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (FUNCEX Europa), que vai realizar o “Matchmaking Day”, no dia 13 de novembro, nas instalações do DNA Cascais, com o apoio da Câmara Municipal de Cascais, com o objetivo de “apoiar o desenvolvimento do comércio exterior brasileiro, em especial a partir de Portugal para toda a Europa e para os países da CPLP”, no âmbito do apoio à missão da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), especificamente para o evento de tecnologia na capital portuguesa.
“O WebSummit Lisboa é um evento estratégico para mostrarmos ao mundo o Brasil como celeiro de inovação e a ApexBrasil está levando a maior delegação brasileira da história para o evento, oferecendo trilhas de preparação para que tenham os melhores resultados possíveis em Lisboa”, comentou Ana Paula Repezza, diretora de Negócios da ApexBrasil.
“Parcerias estratégicas”
Higor Ferro Esteves, diretor geral da Funcex Europa, avaliou que “sermos escolhidos pela APEX, pelo segundo ano consecutivo, para recebemos as startups brasileiras durante o WebSummit é um exemplo concreto desse resultado de valorização da ligação entre Brasil e Portugal”.
Este tipo de parceria, envolvendo entidades, associações e Câmaras de Comércio e Indústria, têm acontecido com maior frequência nos últimos anos, promovendo sinergias importantes e criando ambientes propícios de negócios em várias regiões de Portugal e, também, em solo brasileiro. Fontes do meio empresarial sustentam que “o papel das Câmaras de Comércio e das Associações Empresariais, nos dois países, é vital para aproximar empresas, governos e investidores”, através da realização de um número crescente de eventos, conferências e fóruns que “facilitam a troca de experiências, a identificação de oportunidades de negócios e a superação de desafios”, o que resulta “não apenas em acordos comerciais, mas também em parcerias estratégicas de longo prazo que contribuem para o crescimento económico sustentável de ambos os países”.
Acordo entre UE e Mercosul: grande oportunidade para fortalecer os “laços comerciais”
No campo da crescente conectividade aérea e marítima entre Brasil e Portugal, existem também oportunidades. É o que defende o presidente da CCILB, que comenta que, “tanto o turismo quanto o comércio de bens e serviços estão em uma trajetória ascendente”.
“Portugal tem sido um destino cada vez mais procurado pelos turistas brasileiros, e o Brasil também se apresenta como uma excelente oportunidade para investidores portugueses no setor hoteleiro e de turismo, além de oferecer um mercado consumidor de grande dimensão”, confirmou.
Existe, num formato natural, uma maior aproximação entre Brasil e Portugal em vários níveis, incluindo o campo diplomático. As duas nações mostram-se alinhadas em diversos temas e em diversas pautas internacionais. Esta conjugação só não é maior pelo facto de haver entraves no tão esperado acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Estes dois blocos económicos, dissonantes no que toca ao setor do agro e da proteção ambiental, por exemplo, poderiam, para os especialistas, potencializar a expressão comercial de um país continental, que é o Brasil, e a importância geoestratégica de ser Portugal uma porta de entrada para a Europa. Quem sairia a ganhar também neste quesito seriam os países que integram a CPLP.
“O relacionamento entre a União Europeia e o Mercosul tem sido um dos temas mais debatidos nos últimos anos, especialmente após o anúncio do acordo comercial entre os blocos. Embora o processo de ratificação tenha enfrentado obstáculos e desafios, o acordo representa uma grande oportunidade de integração e fortalecimento de laços comerciais. Este acordo, quando plenamente implementado, pode trazer benefícios significativos para ambos os lados, promovendo a eliminação de barreiras comerciais, o aumento do fluxo de investimentos e a cooperação em áreas fundamentais como meio ambiente, inovação e sustentabilidade”, confirmou Otacílio, que recorda, no entanto, que “não podemos ignorar que existem questões complexas a serem resolvidas, como a sustentabilidade ambiental, em particular, tem sido uma área de debate central nas negociações, com a União Europeia colocando uma ênfase crescente na proteção ambiental e no combate às mudanças climáticas”.
“Esta é uma área onde o diálogo precisa continuar, e acredito que o Mercosul, incluindo o Brasil, está disposto a cooperar para encontrar soluções equilibradas que atendam às necessidades de ambas as partes. Apesar dos desafios, acredito que os dois blocos estão mais conectados do que afastados, e há um esforço contínuo de ambos os lados para manter o diálogo aberto e produtivo. A União Europeia reconhece a importância do Mercosul como um parceiro estratégico, tanto em termos comerciais quanto geopolíticos, e o Mercosul também entende a relevância de fortalecer as suas relações com um dos maiores blocos económicos do mundo. Estamos em um momento de transição, e acredito que, com diplomacia, diálogo e boa vontade, podemos avançar em direção a uma cooperação ainda mais sólida no futuro”, disse Otacílio.
Mas nem sempre é fácil encontrar o tom certo na adaptação aos novos mercados e formatos de empreender nos dois países. Em declarações à nossa reportagem, Sónia Crisóstomo, empresária e integrante do Clube de Mulheres Empreendedoras de Portugal e do Business Club do World Trade Center em Lisboa, explica que as maiores dificuldades que os empreendedores enfrentam ao investir em Portugal “é a falta de informação, de conhecimento de mercado, de aculturamento dos seus produtos e soluções de serviços”.
“Costuma-se usar muito a palavra “dor” para se falar das necessidades dos clientes. E o investidor de fora, que vem para Portugal, precisa compreender que a “dor de cá” pode não ser a “dor de lá”. Produtos e serviços são criados e gerados para resolver as situações dos clientes e compreender o que o cliente quer. Isso faz parte do desafio”, afiançou Crisóstomo, que avalia que “entender a legislação portuguesa é um ponto de situação em que os empresários brasileiros devem investir tempo”.
“Quando estamos no Brasil, costumamos dizer que o nosso país é burocrático. Chegando em Portugal compreendemos que a legislação fiscal é mais desafiadora e a falta de conhecimento nessa área pode inviabilizar o negócio. Buscar profissionais contabilistas que sejam referência é um “salva-vidas””, referiu esta empresária.
Para quem decide investir num país ou noutro, embora a língua portuguesa seja considerada uma “moeda comum”, é preciso tempo para se adaptar e, sobretudo, perceber quando recuar e recomeçar.
“A afinidade cultural, a língua comum e os valores compartilhados são fatores que facilitam a colaboração e promovem um ambiente de negócios mais acolhedor e acessível. Portugal, em particular, tem se destacado como uma plataforma de entrada para o mercado europeu, com regulamentos e políticas que facilitam a instalação de empresas brasileiras, seja por meio de investimentos diretos ou por joint ventures. A interação entre Brasil e Portugal nas relações empresariais e económicas tem alcançado um novo patamar, sendo marcada por uma sinergia natural e pela disposição de ambos os países em promover um diálogo fluido e construtivo. Hoje, podemos afirmar que os laços empresariais são mais estreitos do que nunca, com um fluxo constante de investimentos bilaterais e iniciativas conjuntas em diversas áreas estratégicas”, finalizou Otacílio Soares.