Da Redação com Lusa
O primeiro-ministro recusou hoje uma evolução neoprotecionista na União Europa, em particular face aos Estados Unidos, e espera que no segundo semestre do ano a presidência espanhola conclua o acordo comercial com o Mercosul.
Estas posições foram transmitidas por António Costa num longo discurso com que encerrou a edição especial do Fórum de La Toja, que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Na sua intervenção, o líder do executivo começou por abordar uma questão que antes tinha estado em debate naquele fórum relativa ao fato de países fora da Europa, em particular os da América Latina ou África, olharem de forma mais distante para a guerra na Ucrânia – uma realidade que o próprio António Costa considerou “desafiante” e na qual Portugal e Espanha podem dar “um contributo relevante”.
“Portugal e Espanha têm uma vantagem sobre muitos outros países europeus. Sendo europeus, conhecem o mundo e têm um horizonte mais vasto do que quem vive num enclave entre montanhas”, referiu, antes de deixar a seguinte advertência: “A Europa tem de fazer um esforço de alguma humildade e de compreender que neste mundo global tem de se esforçar mais por fazer amigos”.
“Se a Europa tivesse andado mais depressa na negociação do Mercosul, provavelmente os nossos parceiros do Mercosul teriam uma compreensão mais assertiva sobre o momento que estamos a viver na Europa”, admitiu.
Neste ponto, o primeiro-ministro manifestou então a sua esperança de que a presidência espanhola da União Europeia, no segundo semestre deste ano, “dê um forte impulso para se concluir o acordo com o Mercosul.
“A janela de oportunidade é muito estreita, porque o Presidente Lula da Silva acaba de ser eleito e já disse claramente que é vontade do Brasil fechar o acordo; o Presidente da Argentina, Alberto Fernández, diz o mesmo. Portanto, é altura de se compreender que não há um quilo de bife produzido na Europa que justifique continuarmos a atrasar a celebração do acordo do Mercosul – o acordo com maior econômica que pode haver e que pode contribuir para criar uma grande aliança transatlântica”, sustentou.
António Costa referiu-se igualmente às tensões comerciais com os Estado Unidos. Disse aceitar uma maior autonomia estratégica da Europa, mas recusou em absoluto qualquer evolução para uma lógica “neoprotecionista”.
“Na quinta-feira, o Conselho Europeu terá um grande debate sobre as condições de competitividade das empresas europeias perante a resposta norte-americana à crise inflacionista. Há fatores a corrigir na globalização, mas não podemos perder o seu grande ganho. Um continente como a Europa, que precisa de matérias-primas, que precisa de componentes, que precisa de mercados para as suas exportações, é mesmo o último continente que se deve fechar sobre si próprio e adotar uma postura protecionista”, advertiu.
Mas o primeiro-ministro foi ainda mais longe, rejeitando a abertura “de uma nova guerra comercial”.
“Muito menos com o nosso maior aliado atlântico, que são os Estados Unidos, e que neste momento, mais do que nunca, é uma aliança que temos de fortalecer para a nossa segurança coletiva e para a segurança coletiva do mundo, designadamente para a paz na Ucrânia”, acrescentou.
Ucrânia na UE
O primeiro-ministro advertiu que a União Europeia precisa de profundas reformas institucionais e orçamentais antes da adesão da Ucrânia e de outros candidatos de leste e defendeu a formação de um fórum de países do Atlântico.
De acordo com o líder do executivo, a perspectiva deste alargamento coloca um desafio político aos países “com vínculo atlântico”, sobretudo após se ter consumado a saída do Reino Unido da União Europeia.
“Cada alargamento a leste, significa que o centro de atenção da Europa se afasta do Atlântico e se desloca para o centro da Europa. Não é necessariamente mau, mas é indispensável que da nossa parte exista um reforço grande dessa aliança atlântica. Tal como foi importante criar as reuniões e as dinâmicas dos países do sul da Europa, creio que hoje é muito importante criar fórum dos países atlânticos da União Europeia como forma de nos organizarmos em Conselho”, sustentou.
Uma vez mais, António Costa alertou para as consequências do atual processo de adesão da Ucrânia, salientando que é central a discussão em torno de quais os critérios que a União Europeia tem de preencher para ter capacidade de acolher novos Estados-membros.
Depois, retomou o caso do falhado processo de adesão da Turquia para acentuar que a União Europeia “tem de levar muito a sério as expectativas que criou relativamente à Ucrânia e aos países dos Balcãs ocidentais”.
“A maior tragédia futura para a Europa era a frustração dessas expectativas. Seria uma enorme traição a tudo aquilo que hoje dizemos aos ucranianos. Mas, para levar a sério as expectativas que criamos, então temos de ter consciência que tem de haver uma profunda reforma institucional e orçamental”, frisou.
Em causa do ponto de vista institucional, completou, está um alargamento de 27 para 36 Estados-membros.
Em termos orçamentais, segundo António Costa, se a Ucrânia entrasse agora para a União Europeia, em termos de Política Agrícola Comum (PAC), “só isso implicará um aumento quase para o dobro dos recursos necessários”.
“Ou os países que costumam ser frugais deixam de ser frugais, ou os países que são habitualmente beneficiários da PAC deixarão de ser tão beneficiários porque essa verba destinar-se-á a um dos maiores produtores agrícolas. A Ucrânia tem cinco vezes a área da Espanha, é maior do que a França e a Alemanha juntas em território”, acrescentou.
Ao nível dos fundos comunitários, ainda de acordo com outro exemplo referido por António Costa, a entrada de Ucrânia, pelos dados de 2019, “significava uma alteração radical da paisagem das regiões de coesão”.
“Todo o território de Portugal, do ponto de vista estatístico, passaria a ser rico, sem que isso significasse um crescimento de um só cêntimo no nosso Produto Interno Bruto”, apontou.