Antiga povoação de Cabo Verde sonha com santuário mariano

Da Redação
Com Lusa

Depois da classificação como Patrimônio Nacional cabo-verdiano e da reabilitação da igreja, um dos mais antigos templos católicos da África subsaariana, Alcatrazes, a segunda povoação edificada pelos portugueses em Cabo Verde, tem novo sonho: construir um santuário mariano.

Localizada na parte oriental da ilha de Santiago, perto de uma baía hoje desolada, Alcatrazes terá sido, segundo os historiadores, a segunda povoação de Cabo Verde, desenvolvida em 1462, ao mesmo tempo que Ribeira Grande (hoje Cidade Velha, patrimônio da Humanidade), mas foi abandonada meio século depois devido à aridez do local.

“Havia uma senhora que dizia que se a Cidade Velha é o berço, aqui temos a criança. Ter um berço sem ter o filho não vale a pena”, começa por contar à Lusa Janilson Silva, o padre católico que lidera a comunidade da antiga povoação de Alcatrazes, hoje no município de São Domingos, e o sonho de ali ter o “grande” santuário de Cabo Verde.

Do período da descoberta da ilha pelos portugueses, chegaram aos dias de hoje a igreja católica, gótica, de Nossa Senhora da Luz. Datada de 1480, será a segunda mais antiga da África Subsaariana, depois da da Cidade Velha, e foi totalmente reabilitada este ano, bem como uma cruz em pedra, local de peregrinação, a poucas centenas de metros da baía.

Tudo o resto foi levado pelo tempo, não fosse Alcatrazes situada sobre uma achada árida e pedregosa, que começou a ver desaparecer as primeiras casas em 1516, com os habitantes a mudarem-se para a ‘irmã’ Cidade Velha, do outro lado da costa, e outros para uma nova povoação que estava a surgir: a Praia.

A história desta terra começa em 1460, quando as ilhas de Cabo Verde foram encontradas por António de Noli (genovês ao serviço da coroa portuguesa) e Diogo Gomes, navegador português (as ilhas do Barlavento – Santo Antão, São Vicente e São Nicolau foram encontradas depois).

O reino decidiu então povoar a maior ilha, Santiago, dividida em duas capitanias. António de Noli recebeu a Ribeira Grande (Cidade Velha), e Alcatrazes, atual Nossa Senhora da Luz, ficou com Diogo Afonso, que descobrira as ilhas do Barlavento.

António de Noli chegou à Ribeira Grande como capitão-donatário dois anos depois da descoberta, com família, amigos e trabalhadores contratados, estabelecendo aí o primeiro povoado.

Mas logo a seguir, provavelmente no mesmo ano de 1462, segundo os historiadores, Diogo Afonso começava a edificar Alcatrazes.

Com raízes profundas de uma evangelização que começou há mais de 500 anos, a reabilitação do templo e a classificação como Patrimônio Nacional – por decisão do Governo em setembro passado – do conjunto histórico e arqueológico de Alcatrazes, envolvendo uma área total de 2,7 quilômetros quadrados, deu mais força ao sonho de ali construir o grande santuário mariano de Cabo Verde.

“A reabilitação desta igreja já foi um pontapé para arrancarmos com o futuro santuário dos Alcatrazes / Baía de Nossa Senhora da Luz. Esta zona, há muitos anos, atrai milhares de fiéis, tem uma importância muito significativa, sobretudo para os que não vivem cá”, explicou à Lusa o padre Janilson Silva, de 30 anos.

A igreja de Nossa Senhora da Luz é hoje local de peregrinação, principalmente, a de 08 de setembro, dia da padroeira, tendo a reabilitação do templo custado ao Estado cerca de 18 milhões de escudos (163 mil euros).

Na última peregrinação, em setembro, e apesar das limitações impostas pela covid-19, mais de 300 pessoas passaram pelo local, uma baía de onde ainda partem diariamente para a faina pescadores que vivem nos arredores da antiga povoação de Alcatrazes.

Há três meses à frente da paróquia de Nossa Senhora da Luz, a cerca de 30 quilômetros da Praia – quase metade dos quais fora das estradas principais -, o padre Janilson conta que a classificação do conjunto histórico e arqueológico de Alcatrazes teve um “novo impacto” na população local, que ainda recorda o tempo em que era em Alcatrazes que estava a Capitania do Norte da ilha de Santiago (e do Sul na Cidade Velha).

“De certeza que irá trazer gente de várias zonas e países e até promover o turismo religioso e cultural”, admite o pároco, que três vezes por semana celebra a eucaristia naquela igreja, algo que ali é praticamente interrupto há mais de 500 anos.

As restantes celebrações são feitas no centro de São Domingos, ainda afastado vários quilômetros da Baía de Alcatrazes, onde a igreja fica fechada.

“Com este santuário, de certeza, esta zona irá ganhar um novo sentido. Nós agora temos uma igreja ‘nova’ e não temos uma pessoa aqui para a deixar aberta. Muita gente vem e encontra a igreja fechada. Tendo a igreja aberta, tendo o santuário, tendo pessoas disponíveis para trabalhar, tudo iremos ganhar”, garante o padre Janilson, assumindo que este “sonho” da diocese conta com o apoio do Governo e da câmara local.

O apoio de outros países com santuários marianos para definir este projeto, “sobretudo de Portugal”, é considerado decisivo: “O objetivo com o santuário é dar às pessoas mais condições para estarem nas celebrações, para se sentirem bem”.

Hoje uma zona “um pouco esquecida”, em Alcatrazes espera-se pelo concretizar do sonho.

“Temos a diocese muito empolgada. Só espero que não fique somente no papel”, rematou o padre Janilson.

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