Por Ingrid Morais
Cineasta, distribuidor, produtor e gestor cultural. Diretor do Museu da Imagem e do Som de São Paulo. Diretor do Petra Belas Artes e do Belas Artes à La Carte. Presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo. Presidente do Cinema do Brasil (associação privada de profissionais da indústria audiovisual do Brasil). André Sturm é uma referência quando se fala em cultura audiovisual no país.
Mundo Lusíada: De que forma você vê o cinema brasileiro e o português em um contexto internacional?
André Sturm: Por mais curioso que possa parecer, são bem diferentes. Portugal continua sendo um país europeu e o Brasil é o Brasil. Nosso país é muito particular, acho que não dá para comparar com nenhum outro do mundo. E eu conheço bem o mundo. Em Portugal você ainda tem um apreço maior pela cultura no seu sentido mais valoroso, né? Tem muito mais livrarias, as pessoas consomem mais livros, há um consumo cultural mais sofisticado. Claro que também tem o consumo cultural de entretenimento básico, mas esse consumo cultural sofisticado é realmente muito forte em Portugal. Já no Brasil, infelizmente decai a passos largos. Por outro lado, a produção cultural de Portugal é menor até por ser um país territorialmente pequeno. Enquanto a produção do Brasil é muito grande, um exemplo disso é a música brasileira que tem uma força no mundo impressionante. Em qualquer lugar que você for no mundo ouvirá música brasileira. E a música portuguesa praticamente não se escuta. Em relação ao cinema português, o mesmo acontece. Certas coisas podem parecer preconceito, mas é curioso como alguns países não nasceram para fazer cinema. Tirando uma exceção como Manoel de Oliveira, Portugal é um deles. Posso citar a Áustria que está ao lado da Alemanha e da Suíça, e que também é um país rico. Quantos filmes austríacos você viu na vida? 2 ou 3… É assim, tem 1 cineasta que faz filmes, só que não há uma produção constante. É diferente da Alemanha, não vou nem citar a França… Itália… que tem produção e filmes que acabam circulando. Mesmo a Bélgica tem uma produção audiovisual mais potente do que a Áustria. A Hungria sempre teve cineastas importantes, já da Bulgária você não conhece ninguém. Portugal não tem um cinema com uma presença expressiva no mundo. Isso não quer dizer que não tenham filmes portugueses que participem de grandes festivais.
ML: Quais conselhos daria para um jovem que deseja ser cineasta?
AS: Primeiro: leia livros. Todo mundo diz: “Os filmes argentinos são melhores do que os brasileiros”. Na verdade não é que os filmes argentinos sejam melhores. Os melhores filmes argentinos são melhores do que os brasileiros. Por quê? Agora a Argentina enfrenta uma crise horrível, mas até meados de 2005 havia mais livrarias na cidade de Buenos Aires do que no Brasil inteiro. E onde os filmes argentinos ganham dos brasileiros? No roteiro. Quem lê livros, escreve roteiro melhor. Roteiro não é a ideia. Ideia é o argumento. Eu assisto muitos filmes brasileiros pois participo de comissões e também recebo alguns e nos primeiros 10-15 minutos penso “que ideia legal” e daí em diante a pessoa não sabe tecer aquela narrativa consistente. Aqui eu não estou falando de seguir modelos de roteiro americano, não. Falo de coisas interessantes. Isso é falta de leitura, que é o que ajuda a desenvolver narrativas. Segundo: assista filmes. Cineasta que não assiste filmes não dará certo. A não ser que você seja Orson Welles, mas é raro. É um por século. E terceiro: trabalhe em filmes dos outros. Vá ser carregador de caixa, assistente de alguma coisa, veja as outras pessoas filmando, até para aprender o que elas fazem errado e o que elas fazem certo. Essas três missões são fundamentais para você se tornar um cineasta com uma qualificação, uma competência.
ML: Você foi o responsável pelo ressurgimento do Museu da Imagem e do Som de São Paulo sob os holofotes do mapa cultural do país e seus trabalhos são uma referência internacional de “fazer museu”. Como foi esse processo de reinvenção?
AS: Eu trabalhava na Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e a partir do segundo semestre de 2010 o MIS começou a virar um assunto. Nessa época eu cuidava de tudo, menos de museus. Nas reuniões com o Secretário eu notava que ele andava preocupado com a crise no MIS. Tanto que na primeira vez em que vim para cá todos acharam que eu estava louco, pois na Secretaria eu era um Sub-Secretário, tinha o maior poder, e estava indo, como diziam, “para o MIS, aquele museu que não existe”. O MIS havia recebido 55 mil pessoas em 2010. Era um museu dedicado à arte contemporânea nas novas mídias, mas não utilizava seu auditório e tinha pouquíssima programação. O que eu fiz foi transformá-lo num espaço vivo e dinâmico. Fui atrás de exposições que fossem potentes. Trabalhei em cima do conceito da simultaneidade – uma programação ampla. Assim criamos o Estéreo MIS, espaço mensal dedicado a estimular a promoção da música independente nacional; o Cinematographo, exibição de filmes com música ao vivo; ampliamos os cursos, passamos a oferecer o espaço como sede para o Festival Internacional de Curtas, para a Mostra Internacional de Cinema de SP. Tudo isso em 2011. No ano seguinte eu trouxe a exposição do Ai WeiWei que nunca tinha vindo para o Brasil. Uma exposição de fotos em um ambiente com paredes cor de gelo, iluminação branca e o pedido aos visitantes de que retirassem os seus sapatos, como se estivessem entrando em um local de “purificação”. Na exposição do Meliés colocamos umas cortinas representando um teatro antigo. A ideia era de que você viesse aqui e encontrasse uma ambientação. O grande turning point foi a exposição do Kubrick. Quando fui rever a exposição em Los Angeles primeiro entrei como cinéfilo – adorei – daí eu saí e entrei novamente como diretor de museu – pensei: “Se eu não for fã do Kubrick, essa exposição não tem graça”. Tinha um monte de vitrine no meio da sala e coisa na parede. O que farei? Como os filmes do Kubrick sempre tem um personagem tenso, tenho que deixar o espectador nesse clima de tensão. Comecei a desenhar uma sala para cada filme. Essa exposição só teve no Brasil porque fomos nós que criamos aquelas ambientações. E que sucesso! Algo sensacional. As pessoas lotavam a lojinha pedindo caixas de DVDs do Kubrick. Adotamos o modelo de exposição imersiva, e não interativa. Trouxemos o visitante para dentro do universo de Kubrick, sem ser um parque de diversões, uma vez que você retém as informações e sai entendendo mais de sua obra. Seguiram-se grandes sucessos como: David Bowie, Castelo Rá Tim Bum, Tim Burton, Truffaut… e em paralelo outras exposições não tão arrebatadoras, mas que eram interessantes e atraíam muito mais público porque eram aqui. Criamos o padrão: Se está no MIS é bom. O MIS virou o museu mais badalado, mais falado, lançamos um restaurante charmoso, um pequeno café, uma lojinha e ampliamos a área de exposição. Gosto da deia de muitas coisas diferentes rolando ao mesmo tempo, por exemplo, o visitante vem para assistir um show de música, chega aqui e descobre que tem uma exposição. Esse modelo de exposição imersiva é uma preocupação nossa de que a experiência seja sempre a melhor possível. Para isso, estabelecemos um limite de público para a exposição, geralmente no máximo 150 pessoas. Quem está dentro aproveita muito mais. Aqui foi o primeiro museu que permitiu fotografar, justamente na exposição do Kubrick, afinal não tinha porquê não fotografar, não eram quadros, e gerou uma divulgação espontânea positiva. Na do Castelo Rá Tim Bum passamos a vender ingresso com hora marcada. Foi o primeiro museu do Brasil a ter ingresso com hora marcada. Depois criamos as datas com hora marcada, cujo ingresso custava mais caro, e datas com fila, que custavam mais barato. Com isso aumentamos enormemente a receita do museu, o que nos possibilitou fazer mais coisas. Todos os ingressos mais caros eram vendidos porque as pessoas gostam do privilégio. Por isso o capitalismo é lindo, por isso que a liberdade é linda – você cobra mais de quem pode pagar mais e cobra menos de quem pode pagar menos.
ML: Qual a marca que o André deixou para a cultura em São Paulo ou no Brasil?
AS: O que sempre me moveu foi oferecer às pessoas algo diferente, bacana e de uma forma confortável. Desde que eu comecei a trabalhar com cultura foi isso. No cineclube da FGV eu ficava procurando cópias de filmes que ninguém mais sabia onde estava, fazia a Retrospectiva Godard ou o Festival História do Cinema Alemão, enfim, porque simplesmente passar Harry Potter é fácil e não precisa de mim. Agora também achar que deve passar filme com legenda em tcheco porque eu gosto, é muita arrogância. Muitos dos museus sofrem desse problema que é a arrogância do curador. Você vai à uma exposição e tem os tijolos empilhados com um texto hermético em que a pessoa lê e pensa: “Bom, eu sou burro mesmo porque isso aqui deve ser bom, eu que não estou entendendo”. É óbvio que não vai ninguém. Então é isso, não adianta você achar que é o rei da cocada, que sabe tudo e que o que você gosta é o bom. O interessante é o desafio desse equilíbrio entre o popularesco e o hermético. Um exemplo é Mozart. Se tocar Mozart em qualquer lugar com orquestra ou com um conjunto de cordas, em menos de 30 segundos as pessoas estarão batendo o dedinho. Isso é legal porque as pessoas nunca tinham ouvido Mozart. Ou passar Amélie Poulain em Bananal. As pessoas vão gostar. Elas não falam francês e nunca viram nada parecido, mas vão gostar porque é mágico, é magnético. É isso que eu sempre fiz e pretendo continuar fazendo: provocar, estimular, fazer as pessoas abrirem a cabeça. Porque o mundo é ruim, o ser humano é péssimo. Mas tem pessoas legais. Então o meu trabalho é ajudar. Eu faço as coisas apostando que daquele monte de gente que terá acesso, algumas abrirão a cabeça e serão melhores pessoas. E não é nem para mim, é para o mundo. O programa que criei, Pontos Mis, em que as cidades parceiras recebem programações de sessões de cinema e também enviamos oficinas culturais na área do audiovisual, é um bom exemplo. Quando eu estava aqui fazíamos encontros regionais duas vezes por ano e eu ia em alguns, gosto de conhecer. No terceiro ano a pessoa que estava fotografando o evento tinha feito oficinas de fotografia e virou fotógrafo na cidade. 1 pessoa e já valeu a pena. Porque tem outras que talvez não tenham virado fotógrafas, mas passaram a assistir mais filmes, foram ler e ouvir música. Isso é uma coisa que aprendi com o João Sayad, que foi o Secretário que me convidou para trabalhar com ele no Estado. Um dia fizemos uma reunião e ia abrir a primeira Fábrica de Cultura e o programador da organização social que administrava disse que iriam privilegiar o rap e o funk porque é isso que aquelas pessoas gostam. O João Sayad falou: – Por que não leva a Osesp? E o cara respondeu: – Não, eles não gostam. O João completou: – Mas é claro que gostam! É porque eles nunca foram. Todo mundo gosta de coisa boa.