A crise mundial é uma crise de poder, protagonizada pelos burocratas e políticos que comandam o mundo. Não é uma crise da sociedade, que não é livre na escolha dos burocratas e pensa ser livre na escolha dos políticos, mas, de rigor, apenas vota naqueles por eles mesmos selecionados, limitando o “cardápio” democrático.
Os burocratas, em parte concursados e em parte de livre indicação dos detentores do poder, buscam, de início, sua segurança pessoal, seu principal objetivo. A prestação de serviços públicos é um corolário não rigorosamente necessário e, decididamente, não o principal.
Dividem-se, os que integram a burocracia, em idealistas, conformados e corruptos.
· Os primeiros, mais escassos, uma vez, no serviço público pretendem servir, idealizam soluções, procuram melhorar a qualidade do que fazem e são, não poucas vezes, hostilizados, ostensiva ou silentemente pelo demais.
· Os conformados, como procuraram a própria segurança de vida, cumprem acomodadamente sua função, sem maior dedicação, sempre contando com as benesses dos privilégios oficiais.
· Já os corruptos, que não são poucos, buscam o enriquecimento, a qualquer custo, vendendo favores, às vezes, até mesmo através da “concussão”, que é a imposição da ilicitude à sociedade, sem que esta dela possa se defender.
Os burocratas são, no mundo inteiro, uma classe em permanente expansão, criando funções, cargos, exigências, o que torna a máquina estatal cada vez mais pesada para a sociedade. Grande parte da crise mundial decorre desta multiplicação burocrática, que transforma o Estado em carga tão onerosa sobre o povo, que este mal pode sustentá-lo com seu trabalho e tributos.
Os políticos, por outro lado, também são divididos em 3 classes semelhantes.
· Os estadistas, que são poucos, idealizam um futuro melhor para a nação, mesmo à custa de seu sacrifício pessoal;
· Os que querem o poder pelo poder, acostumando-se à ilicitude dos meios, como prática que, embora não desejada, a ela não se furtam para sobreviver;
· E, finalmente, os que têm na política a maior fonte de enriquecimento, todos os seus atos políticos tendo um custo, quase sempre sob o pretexto de que os recursos se destinam a seu partido, mas que, na verdade, em grande parte, vão para seu próprio bolso.
Não sem razão, em fins do século XIX, Adolfo Wagner, no seu livro sobre Economia Política, mostrava que as despesas públicas tendem sempre a crescer. O próprio orçamento de 2011 da União ofertou pouco mais de 10 bilhões de reais para o Bolsa Família e pouco menos de 200 bilhões de reais para a mão de obra ativa e inativa da União!!!
Neste quadro, há de se compreender que, no Brasil e nos países desenvolvidos, a carga tributária é alta, pois determinada pela carga política e burocrática. A diferença é que, apesar de a carga brasileira ser semelhante à dos países mais desenvolvidos e bem maior que a dos Estados Unidos, Japão, China, Índia e Rússia, os serviços públicos aqui prestados são muito piores. Vale dizer, sustenta, a sociedade, através de seus tributos, mais os privilégios dos detentores do poder do que o Estado prestador de serviços.
Ora, a crise financeira mundial – que é, fundamentalmente, uma crise da insensatez de todos os governos em não controlar o nível de sua dívida pública – tem neste componente do CUSTO BUROCRÁTICO E POLÍTICO um de seus mais agudos fatores, todos os governos devendo parcela considerável à sociedade poupadora, correspondente a elevados percentuais do PIB, como nos Estados Unidos (quase 100%), na Itália (130%) e na maior parte dos países, muito acima de 50%.
Ocorre que, o mercado financeiro não vive da moeda, mas da confiança de que a moeda aplicada em crédito será adimplida pelo devedor. Quando o devedor é um país, o dinheiro emprestado é quase todo aplicado, bem ou mal. Suas reservas são sempre inferiores a seu endividamento global. A confiança de que, se exigido, poderá honrar os créditos tisnados, é que mantém o sistema. Quebrando-se, todavia, a confiança, quebra-se o sistema, interligado por força da velocidade de circulação da moeda e do crédito, em que os ativos financeiros existentes são consideravelmente superiores ao PIB mundial.
Neste quadro, a falência de confiabilidade na Grécia está levando ao desequilíbrio do sistema, pois se percebe que Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e, talvez, até a França têm problemas que podem se agravar, tornando o “calote” oficial um desastre universal, principalmente, se algum dos países em crise não aceitar a contenção de despesas, por manifestação plebiscitária, provocando o abandono do euro. A busca por imposição de perdas ao sistema financeiro, sem inviabilizá-lo, é o único recurso para solucionar a crise de imediato, com o menor abalo possível na vida econômica e social dos povos, mormente quando esta atingir os países emergentes e menos desenvolvidos, que evoluíram no “boom” de 2003 a 2008, evolução essa que, embora o Presidente Lula tenha atribuído a seu governo, a verdade é que o País cresceu menos que os demais grandes emergentes, beneficiários daquela expansão.
Neste quadro, o desinchaço das máquinas burocráticas, única forma de serem superadas as crises, é uma imposição mundial e, no Brasil, algo difícil de ocorrer, porque atingiria burocratas e políticos, os grandes beneficiários deste inchaço.
Só mesmo com uma pressão, à evidência, sem as violências e selvagerias da primavera árabe, mas do povo sobre os governantes, por suas instituições privadas mais respeitáveis poderia, a meu ver, começar a revisão do quadro, em que a eficiência e a moralidade tornar-seiam os únicos atributos exigidos para os que pretendam exercer o poder.
Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.