Por Carlos Fino
Na noite de quinta para sexta, enquanto jantava com o presidente chinês, Xi Jinping, entre o aperitivo e a sobremesa, o presidente americano serviu o plat de résistance do banquete oficial – 59 mísseis de cruzeiro despejados sobre uma base militar na Síria.
Motivo invocado – um alegado bombardeamento com armas químicas contra forças da oposição armada síria (na sua maioria fundamentalistas islâmicos) pela aviação do presidente Bashar al-Assad.
Uma inesperada e completa reviravolta das posições defendidas pelo próprio Trump, quando em 2013 ocorreu situação idêntica. Nessa altura, Trump aconselhou Obama a não atacar a Síria, advertindo para as “graves consequências” que daí resultariam.
O que levou então o presidente americano a essa radical mudança de atitude, numa viragem que pode ter definido todo o sentido do seu mandato?
Duas razões conjugadas.
Primeiro, a crescente pressão a que Trump tem sido submetido desde a eleição pelas forças mais conservadoras do establishment político norte-americano, quer republicano, quer democrata.
As investigações em curso sobre possíveis relações da sua campanha com a Rússia de Pútin constituem uma temível espada de Dâmocles, que pode a qualquer momento desabar sobre a sua cabeça se Trump ousar concretizar algumas das promessas que fez pondo em causa os interesses que há muitos anos dominam a política de Washington.
Em vez de “drenar o pântano”, como prometeu, Trump corre cada vez mais o risco de ser engolido por ele.
As cedências a que já foi obrigado, deixando cair alguns dos homens que lhe eram mais próximos, culminaram agora com a sua aparente rendição – momentânea ou definitiva, o futuro dirá – às políticas mais tradicionais do establishment político-militar dominado pelos falcões.
Daí a resposta militar imediata, sem consulta prévia ao Congresso e à margem do Conselho de Segurança das Nações Unidas, colocados ambos perante o facto consumado, contra tudo o que prescrevem as leis nacionais e internacionais e sem que para tal houvesse verdadeira urgência.
Por outro lado, o bombardeamento da base síria, em plena visita oficial do líder chinês, destinou-se também claramente a tentar pressionar Beijing de quem Trump quer obter concessões comerciais.
Para bom entendedor, já bastariam os mísseis contra a Síria. Mas Trump foi mais longe e este domingo enviou uma esquadra naval rumo à Coreia – sinalizando aos chineses sem margem para dúvidas que poderá fazer lá o que já fez aqui.
É a aplicação nua e crua das tácticas de negociação descritas no livro de sua autoria A Arte do Acordo: submeter a outra parte ao máximo desconforto para obter concessões.
Ao misturar perigosamente segurança estratégica com comércio, Trump coloca, no entanto, os chineses num beco sem saída, arriscando-se a tornar inviável – nem que seja por uma simples questão de amor próprio – qualquer entendimento.
Um jogo altamente perigoso numa dupla frente – contra a Rússia e o Irão, num lado, contra a China, no outro – que aumenta a insegurança internacional e pode, se for continuado, levar o mundo a um confronto nuclear.
Em vez de America Great Again, o que se desenha, para já, infelizmente, é America At War Again.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.