Da Redação
Com Lusa
Um movimento ambientalista cabo-verdiano quer que a pesca de tubarão seja banida de acordo entre Cabo Verde e a União Europeia (UE), cuja segunda ronda de negociações para novo documento acontece esta semana.
O atual acordo de pesca entre Cabo Verde e União Europeia (UE) termina no final do ano e as partes iniciam terça-feira, em Bruxelas, a segunda ronda de negociações para um novo documento, para entrar em vigor no início do próximo ano.
Um grupo de ambientalistas, denominado Movimento Contra a Poluição em Cabo Verde (MCPCV), insurge contra o acordo, por considerar que fala inicialmente sobre a pesca de atum e afins, em que esses afins é o tubarão, que é pescado em maior quantidade.
Em declarações à agência Lusa, Rui Freitas, biólogo, ambientalista e professor universitário cabo-verdiano, disse que a sociedade está “completamente desinformada” sobre o dossier, o que levou o movimento a lançar um “ataque coordenado em várias frentes” para que a pesca de tubarão seja banida do acordo.
“Cabo Verde está muito refém do acordo de pesca com a União Europeia. Cerca de 2.4 milhões de euros são disponibilizados a Cabo Verde por isso. Sabemos que é uma esmola, mas estaria a UE disposta a continuar a pagar esse valor por não pescar tubarão nas nossas águas e pescar só atum?”, questionou Rui Freitas.
“O melhor acordo possível seria se conseguíssemos banir a pescaria de tubarão nas águas de Cabo Verde, maioritariamente pela frota estrangeira, encabeçada pela Espanha, Portugal e França”, mostrou o biólogo marinho, que dá o “benefício da dúvida” ao Governo, mas pediu “capacidade de negociação”.
Caso não seja alcançado o “melhor acordo”, Rui Freitas apontou algumas medidas que podem ser tomadas, como a presença de observados a bordo e fiscalização mais efetiva, para evitar também a morte de tartarugas marinhas, que disse acontece em grande quantidade no alto mar, mas os números são “escondidos”.
“Estamos à espera agora do resultado que saia das negociações, mas está claro que chegamos num ponto limite de descaso que temos tido com esses acordos e com a quantidade de tubarão (capturado)”, lamentou o porta-voz.
Salientando a importância do tubarão, Rui Freitas não teve dúvida em afirmar que nos últimos anos a cavala, peixe muito consumido em Cabo Verde, tem desaparecido e quando aparece é muito cara.
“É claro que o gestor de pesca tem interesse e vai culpar as mudanças climáticas, mas estamos convencidos que a falta de tubarão nas águas de Cabo Verde levou com que a cavala dispersasse para uma área maior, migrasse para o oceano atlântico”, sustentou.
O Movimento Contra a Poluição em Cabo Verde é formado por várias ONG, como a Quercus Cabo Verde, 350.CV, pescadores e mergulhadores profissionais, pesquisadores, biólogos, entre outros ambientalistas nacionais e internacionais.
Rui Freitas enviou ainda à Lusa depoimentos de técnicos e membros da sociedade civil cabo-verdiana sobre o assunto, entre eles o biólogo marinho e gestor ambiental Tommy Melo, que considerou que as “evidências de sobrepesca são gigantescas e distribuídas por todos os mares e oceanos”.
“As capturas de há 30 anos não se comparam em tonelagem nem em tamanho de espécimes com as dos dias de hoje (?). O mínimo que este Governo poderia fazer era seguir o princípio da precaução adotado por Nações bem mais experientes e ponderadas”, sugeriu Tommy Melo, presidente da associação ambientalista cabo-verdiana Biosfera I.
Edita Magileviciute, bióloga marinha e educadora ambiental, disse que a informação sobre o stock de tubarões azuis em Cabo Verde está “fragmentada e com elevado grau de incerteza”, sugerindo, por isso, a sua monitorização, mas não aumento nas cotas de captura.
“É a única estratégia razoável se o país estiver interessado em manter um dos recursos naturais mais valiosos”, mostrou, numa ideia completada pelo mergulhador técnico e instrutor de mergulho Emmanuel D’Oliveira, que garantiu que não tem visto tubarões nos mesmos sítios onde via nas águas de Tarrafal de Santiago.
“Comecei a mergulhar em Cabo Verde desde março de 1983, em mais de 70% dos mergulhos via tubarões de várias espécies. De 2008 até à data atual (10 anos) não vi meia centena deles. Atualmente passam-se meses sem ver nenhum, por isso alguma coisa se passa e não acredito que tenham emigrado”, escreveu João Sá Pinto, mergulhador profissional e da fotografia marinha.
Em declarações citadas pela imprensa cabo-verdiana em junho, o secretário de Estado cabo-verdiano adjunto para Economia Marítima, Paulo Veiga, disse que o Governo pretende “alguns reajustes” no acordo de pesca com a União Europeia, em que o arquipélago deve “ganhar mais” e o setor das pescas sentir mais os seus efeitos.
O acordo, com vigência de quatro anos, faz parte da rede de acordos de pesca de atum na África Ocidental e permite que 71 navios da UE, nomeadamente de Espanha, Portugal e França, pescam o atum e espécies afins nas águas cabo verdianas.
Em contrapartida, a UE pagará a Cabo Verde uma contribuição financeira de 550 mil euros por ano nos dois primeiros anos de aplicação do protocolo e de 500 mil euros por ano nos últimos dois anos.