Algarvia do Mundo

Por Jean Carlos Vieira Santos

 

Foto Jean Vieira Santos

“Sou algarvia do mundo

Trago nas veias o sul / Meu sangue tem a cor mourisca

As mãos molhadas de azul / Do mar onde o homem se arrisca

Canto um fado corrido / E bailo com passo mandado

Arade na serra nascido / Meu peito por ele é banhado

Na Ria que chamam Formosa / Os homens cultivam seu pão

Amêndoa de flor tão airosa / Medronhos que caem ao chão

Quadra de Aleixo cantada / Escola de bem marear

Histórias de moura encantada / Na Ponta virada p’ró mar

Terra de gente com brio / Que meu coração faz bater

Fez pesca ao candeio no rio / De fome não sabe morrer

Sou algarvia do mundo / Eu canto com alma e com garra

Pois digo o que vai no fundo / De um povo que à vida se amarra”.

 

A música “Sou Algarvia do Mundo”, de Rui Eduardo Rocha e Luís Miguel Rebelo, interpretada pela voz autêntica da fadista Raquel Peters, merece um lugar de destaque não apenas pelo poder de evocar memórias, como também pela oportunidade de viver uma experiência por meio do cântico e da composição algarvia. Isso nos permite fechar os olhos, viajar pelo sul lusitano e, assim, vivenciar com a alma uma terra de criação, a sonância que nos conecta com as histórias e geografias de um povo que se amarra à vida.

“Trago nas veias o sul” mostra a forte interação do tema com o lugar, bem como enfatiza a importância da cultura local nas relações afetivas, o que contribui para os não algarvios compreenderem os espaços transformados em destinos turísticos sem, no entanto, mostrarmos que sua gente não perde o amor pela terra, o brilho do olhar pela mourama encantada e pelos medronhos que caem ao chão. De certa maneira, o viver se mantém atrelado às tradições da paisagem, do viver voltado para o mar.

Por sua vez, “Eu canto com alma e com garra” narra o sentimento e o orgulho de pertencer ao lugar, ao salientar que a identificação é essencial para constituir e manter o território. Com os versos da música apresentada, conquistamos maior entendimento da relação do homem com o espaço vivido, isto é, os lugares onde a identidade se manifesta a partir do “mar onde o homem se arrisca” e da observação do Guadiana que corre suave. Dessa maneira, a música transmite as essências do viver sem desperdiçar detalhes de um sul internacional e, ao mesmo tempo, pertencente à literatura de Antônio Aleixo.

Escrever sobre essa composição nos fez caminhar lentamente no tempo e rememorar fatos importantes experienciados em terras algarvias. Entre os sabores que poderiam ser exaltados estão os pescados do mercado de Olhão, o pão da aldeia do Rogil e o pudim de molotof – esse último, inclusive, é facilmente encontrado na Feira de Santa Iria, no Largo de São Francisco em Faro. Sendo assim, na bagagem da memória ficam os momentos festivos, gastronômicos, viajantes e as passagens ilustres marcadas como carimbos no passaporte, as quais são facilmente reativadas.

Nesse contexto, entendemos que o tema de Rui Rocha e Luís Rebelo se expressa como elo entre as paisagens do sul e sua gente, entre barlaventinos e sotaventinos. Essa linguagem musical coopera com a toponímia regional que é sua marca maior e que comparece como expressão de turismo e bem-viver.

Por fim, esperamos que os leitores deste texto – algarvios, músicos ou turistas (ou não) – se sintam motivados a conhecer e sentir a obra “Sou Algarvia do Mundo”. Com isso, poderão experienciar o Algarve em sua profunda especificidade que enriquece a alma viajante, cujo destino tem sua imagem contemporânea associada aos caminhos de cidades, aldeias, serras e praias carregadas de histórias e culturas.

 

Referência

FADOSDOFADO.BLOGSPOT. Sou Algarvia do Mundo. Letras de Fados. 2023. Disponível em: https://fadosdofado.blogspot.com/2010/10/sou-algarvia-do-mundo.html. Consulta realizada em 07 de Mar. de 2023.

 

Por Jean Carlos Vieira Santos
Professor e Pesquisador da Universidade Estadual de Goiás (UEG/TECCER-PPGEO). Pós-doutorado em Turismo pela Universidade do Algarve (UALg/Portugal) e Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (IGUFU/MG).

 

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