Da Redação com ONUNews
As terras férteis da aldeia Bahadatu em Timor-Leste sofreram um duplo impacto nas últimas décadas: a escassez de água causada pela mudança climática e os deslizamentos de terra como efeito de práticas agrícolas que assolaram a mata.
Ambos os eventos abalaram as fontes de irrigação, fazendo com que o local historicamente abundante mergulhasse na pobreza. Os campos que antes eram viçosos e verdes tornaram-se estéreis e muitas colheitas falharam. Os rendimentos das famílias diminuíram quase 40%.
A aldeia, localizada no suco (distrito) de Fatulia, ganhou uma nova vida com um projeto do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Pnud, que aliou a reconstrução do sistema de irrigação com técnicas de agrofloresta nas encostas para proteger a fonte de água dos impactos de deslizamentos.
Ao visitar o local, a ONU News percebeu que a principal razão para o sucesso desta restauração não foram os 415 metros de alvenaria do canal de irrigação nem os 1,5 mil metros quadrados de paisagem recuperada. Foi o envolvimento da comunidade que plantou novas árvores e maneja a irrigação todos os dias com as próprias mãos.
Eles contam com brilho nos olhos sobre as técnicas de plantio que aplicaram e mostram com empolgação o caminho que a água percorre quando é aberta a comporta construida para regular a irrigação dos campos de cultivo.
De acordo com o chefe do Suco Fatulia, Angelino Moises Pereira, antigamente a comunidade só conseguia plantar arroz uma vez por ano, hoje, eles semeiam duas vezes.
Segundo o Pnud, houve um aumento entre 10 e 15% no rendimento das culturas, resultando em um volume adicional de 300 a 450 quilos de arroz por hectare. Isso melhorou diretamente a segurança alimentar de 918 moradores e reduziu a subnutrição em aproximadamente 12%, beneficiando mais de 119 crianças.
O projeto, apoiado pelo Fundo Verde do Clima e iniciado em maio de 2023, já garantiu o plantio de 14.665 árvores, incluindo 1.334 espécies frutíferas. Com isso, a comunidade irá se beneficiar no futuro de uma variedade maior de alimentos.
O agricultor Americo Ximenes Pereira relatou seu envolvimento dizendo que plantou até agora com sucesso 676 árvores polivalentes, incluindo rambutan, mogno e laranjeiras.
Ele disse estar otimista de que dentro de cinco anos estas árvores produzirão uma “colheita substancial”, permitindo-o “vender os frutos no mercado e, assim, melhorar a situação econômica” da sua família.
Empoderamento econômico das mulheres
O agricultor Cancio Pereira dos Reis, disse que com a orientação recebida da ONG Raebia, parceira do Pnud, todos aprenderam como plantar de forma eficaz para garantir a sobrevivência das árvores.
Sobre o sistema de irrigação, ele ressaltou que todos partilham a responsabilidade garantindo que cada campo de arroz receba a quantidade adequada de água.
A chefe da aldeia Bahadatu, Edviges da Costa Gusmao, disse que as mulheres estão plenamente envolvidas em diversas tarefas físicas, tais como plantar árvores, cultivar campos de arroz e estabelecer viveiros de peixes e criadouros.
Segundo, ela “estas atividades não só capacitam as mulheres, mas também lhes proporcionam incentivos econômicos”.
No entanto, a líder da aldeia disse que o grande desafio agora é a estrada que conecta os campos com os mercados. As más condições significam que durante a estação chuvosa, não é possível transitar pela pista.
Edviges pediu que o Pnud e o governo continuem os esforços de reabilitação para garantir que a comunidade possa “aceder à estrada à medida que a estação das chuvas se aproxima”.
Mateus Soares Maia, representante da ONG Raebia explicou que o governo participou da inauguração deste canal de irrigação e se comprometeu a inaugurar outro em breve na região. O Ministério da Agricultura também forneceu três tratores manuais para os agricultores da aldeia Bahadatu.
O chefe do suco, Angelino Moises Pereira, disse que até ao final deste ano, com as duas fontes operando, será possível abastecer de água toda a comunidade do posto administrativo de Venilale.
Ele comentou que um benefício positivo do envolvimento comunitário é o aumento do conhecimento entre os membros sobre técnicas eficazes de plantação. Isto fez com que um maior número de indivíduos participasse ativamente no cultivo dos campos de arroz.
Esse alimento é preparado de diversas maneiras em Timor-Leste, sendo uma das mais tradicionais a katupa, um bolinho de arroz cozido em leite de coco, temperado com açafrão, alho e sal e enrolado em uma folha de coqueiro ou bambu.
A aldeia Bahadatu, localizada em uma das muitas enconstas montanhosas do país, enfrenta dificuldades de acesso, problemas de infraestrutura e pobreza. Mas nada disso diminui a força de vontade da sua gente, que sonha em melhorar de vida por meio da agricultura, nem a hospitalidade com os visitantes, que são recebidos com uma grande variadade de pratos locais como a katupa.
A intervenção do Pnud para melhorar e proteger a irrigação dos campos de cultivo e introduzir árvores frutíferas é, portanto, uma forma de alimentar os sonhos e a identidade de um dos locais mais remotos, de um dos países mais remotos do mundo.