Mundo Lusíada com Lusa
O presidente da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) considera natural a preferência política dada aos imigrantes dos países de língua portuguesa, no âmbito dos compromissos internacionais e da própria integração dessas comunidades.
A escolha preferencial do Estado português pelos imigrantes vindos dos restantes países lusófonos resulta de “opções políticas que a AIMA não comenta”, mas Pedro Portugal Gaspar admite que isso é comum a vários países europeus, que “têm algum tratamento diferenciador pela positiva nas suas famílias linguísticas”.
“Quando falamos que somos um país irmão e que há uma irmandade linguística deve haver consequências” políticas, afirmou, reconhecendo que essa opção, em muitos casos, “não é mais do que uma perspetiva de defesa da língua”, mas também da “cultura e dos valores”, que contribuem de um modo “mais eficaz na integração” na sociedade.
A isso somam-se “os próprios interesses empresariais”, que “podem preferir uma lógica de maior identificação cultural e linguística”, disse.
A Solidariedade Imigrante, a maior associação do gênero em Portugal, acusou na sexta-feira o Governo de estar a promover uma “política de ‘apartheid’”, comentando as decisões do governo, que suspendeu as manifestações de interesse e anunciou regras mais ligeiras para os imigrantes lusófonos, em particular brasileiros e timorenses (isentos de visto).
Em relação ao número de estrangeiros em Portugal, calculados em 1,044 milhões, o presidente da AIMA considera-o até abaixo da média europeia, em particular dos países do sul, o que mostra a capacidade de acolhimento potencial do país.
O fim das manifestações de interesse foi anunciado no contexto de várias medidas, entre as quais as promessas de reforço nos consulados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, para dar resposta aos vistos de trabalho ou de procura de trabalho, algo que ainda não sucedeu.
Sobre essa matéria, “a AIMA não só não é competente, nem faz sentido estar a pronunciar-se agora”, afirmou Portugal Gaspar, que, no entanto, elogiou a opção por uma “seleção maior na fonte”, nos países emissores de imigrantes para Portugal.
Nas reuniões com associações empresariais, o presidente da AIMA registou o interesse nesse tipo de seleção, e algumas “até contratam empresas de identificação de talento” adequado para as suas atividades.
O objetivo final é uma “melhor conciliação, um casamento entre procura e oferta”, explicou, manifestando a abertura da AIMA em “alargar essa figura dos oficiais de ligação com a rede consular, onde os próprios recolhem dados biométricos” dos candidatos a visto.
O dirigente da AIMA admitiu que o apoio social aos imigrantes acaba por ser prejudicado pelo volume de pedidos, mas também pela necessidade de verificar a sua situação jurídica e articular apoios locais.
Pelo contrário, a “AIMA tem uma resposta muito pronta relativamente à chamada Proteção Internacional” (asilo), com “um conjunto de parcerias com entidades”, como o Centro Português de Refugiados, a Cruz Vermelha ou o serviço jesuíta.
A “matéria de integração é um desafio”, em comparação com a regularização. Nestes casos, “com meios ou com melhor engenho ou menos engenho”, são possíveis “mecanismos burocráticos ou administrativos para a obtenção do papel ou de uma legalização”.
A resposta envolve “manter o que existia naturalmente e na articulação com a sociedade civil e com as associações” e entidades públicas, mas também com autarquias, procurando apoiar a “dinâmica do número de migrantes nos respetivos concelhos e a forma como eles são integrados pelas respetivas comunidades locais”.
Isto porque “à escala micro é sempre mais fácil poder ter bons exemplos e replicar” do que em grandes cidades como Lisboa, onde existe “mais complexidade”.
Exemplo disso é o centro de acolhimento de emergência, previsto para o antigo hospital militar de Belém, uma matéria que “está com o Ministério da Defesa”, referiu Portugal Gaspar.
“O que nós queremos é aprofundar esta articulação direta com as autarquias e com as associações para que [o apoio social] não fique confinado só à Proteção Internacional”, acrescentou.
Reagupamento familiar
A partir de outubro serão abertas mais vagas para processos de reagrupamento familiar, para acelerar a integração dos imigrantes regularizados. “Vamos agora entrar neste mês de outubro com uma aceleração grande relativamente aos processos de reagrupamento familiar”, afirmou, em entrevista à Lusa, Pedro Portugal Gaspar.
Este tipo de processos não transitou para a estrutura de missão que está a resolver processos pendentes e é “uma área em que vamos avançar”, com prioridade sobre os processos referentes a alterações de residência para investimento.
O objetivo é começar “com uma capacidade de resposta efetiva” dos serviços, alargando a oferta de agendamento até uma “um faixa etária bastante elevada dos menores”, próxima dos 18 anos.
Os imigrantes com filhos menores poderão inscrever-se no portal e pedir um agendamento para agrupamento familiar, podendo assim trazer as suas famílias, o que irá trazer “alguma indefinição do número de pessoas” a regularizar.
Será “uma ação a desenvolver com grande ênfase e empenhamento por parte por parte da AIMA”, acrescentou.
O reagrupamento familiar é algo reivindicado por associações de imigrantes e é considerado um dos fatores mais relevantes para a integração das comunidades.
A presença dos filhos nas escolas e dos cônjuges confere uma situação de normalidade quotidiana para quem está em Portugal, referem vários especialistas.
Agendamentos
A justiça portuguesa já impôs à AIMA 17 mil agendamentos de reuniões com imigrantes, segundo o presidente do organismo.
A AIMA teve de criar uma ‘task-force’ interna para responder a essas notificações, interpostas por advogados especialistas em migrações, afirmou Gaspar, que admitiu um “atraso grande por parte da administração no agendamento e nos pedidos de resposta” aos imigrantes.
Mas, salientou, esses atrasos são transversais a outros serviços do Estado, como a área da saúde ou da própria justiça e esse recurso jurídico apenas está a ser utilizado junto da AIMA.
Pedro Portugal Gaspar recordou que o número de estrangeiros em Portugal mais do que duplicou desde 2018, o que trouxe o “problema da dimensão da administração relativamente a essa resposta”.
As decisões dos tribunais administrativos visaram “condenar a administração para marcar um agendamento”, mas “não foi para decidir sobre o mérito da causa”, do pedido processual de regularização, adiantou.
Nesse sentido “foi uma condenação meramente instrumental” para acelerar questões de agenda e hoje “há mais de 17 mil sentenças sempre a condenar a AIMA e não há nada a dizer, naturalmente”, porque a organização “não cumpriu em 90 dias o agendamento”.
Quando tomou posse, o seu antecessor, Goes Pinheiro, assumiu a liderança de uma estrutura de missão, numa “articulação que tem sido muito bem conseguida”, com a “incumbência de resolver o passivo resultante das manifestações de interesse, os tais cerca de 400 mil processos” [por processar no final de 2023] no prazo de nove meses.
A corrida contra o tempo já começou e “pode haver uma resolução burocrática dos processos”, mas permanece o “grande desafio que é a verdadeira integração e a realização do migrante no espaço nacional”.
Atualmente, a AIMA realiza mil atendimentos por dia e a estrutura de missão realiza cerca de 800, estimando-se que, em breve, poderão existir 2.000 atendimentos diários, na combinação das duas organizações, para fazer face a “um passivo muito grande”, afirmou.
Desde a alteração da lei de estrangeiros, em 02 de junho, nos últimos quatro meses, o número de entradas “corresponde mais ou menos a um mês [de processos] no tempo das manifestações de interesse”.
Na segunda-feira, o ministro da Presidência, Leitão Amaro, disse que os pedidos diminuíram 80%, com a extinção das manifestações de interesse.
Com o fim dessa figura jurídica que permitia a um estrangeiro com visto de turista começar a trabalhar e iniciar o seu processo de regularização, “há uma menor entrada de pedidos” de residência, confirmou hoje Portugal Gaspar.
Para o dirigente, as migrações constituem “uma temática milenar” e foi “um assunto que sempre existiu” na história da humanidade.
Sobre a manifestação anti-imigrantes, organizada no domingo pelo partido Chega, Portugal Gaspar recordou que se tratou de um “exercício do direito democrático e de liberdade de expressão” em democracia, mas minimizou a sua importância, preferindo “distender o discurso e o debate para centrar naquilo que é essencial”.
E o importante é que há, hoje em dia um “espaço migratório” em Portugal que dá “oportunidade de realização da pessoa humana na procura de trabalho”, tal como “os portugueses foram procurar nos anos 1960 o norte da Europa”, concluiu.