[Atualizado 15h]
Mundo Lusíada com Lusa
O Presidente de Portugal confirmou na segunda-feira que o seu filho o contactou sobre as gêmeas residentes no Brasil com atrofia muscular espinhal e defendeu que o tratamento dado ao caso foi neutral e igual a tantos outros.
Marcelo Rebelo de Sousa falava aos jornalistas num auditório do Palácio de Belém, em Lisboa, numa declaração em que deu conta da correspondência na Presidência da República sobre este caso, em 2019, que começou com um email que o seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, lhe enviou, elementos que disse terem sido remetidos para a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Segundo o chefe de Estado, o que “fica claro é que o Presidente da República Portuguesa, perante uma pretensão de um cidadão como qualquer outro, dá o despacho mais neutral e igual a que deu em ‘n’ casos”, sem que tenha havido “uma intervenção do Presidente da República pelo fato de ser filho ou não ser filho”.
“Perguntarão: e depois de ter ido à presidência do Conselho de Ministros? Isso não sei. Não sei, francamente, como é que foi o que se passou a seguir, não tenho a mínima das ideias”, acrescentou.
“O que se passou a seguir não sei, para isso é que há a investigação da PGR. E espero, como disse há dias, que seja cabal, para se perceber o que se passou desde o momento em que saiu de Belém”, reforçou.
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que encaminhou este caso, como faz sempre, perante “milhares e milhares de pedidos” que recebe, para que se apure a situação, sustentando que “a função do Presidente também é essa, servir um bocadinho de provedor, de ouvidor”.
Sobre a intervenção do seu filho neste caso, considerou que “quis ser solidário, quis apresentar, mandou o caso”, disse não saber se contactou alguém do Ministério da Saúde e que parte do princípio de que não invocou o seu nome nem a relação entre os dois, o que seria “totalmente inaceitável”.
A comunicação social foi neste dia 04 convocada para o Palácio de Belém com perto de uma hora de antecedência, sem que fosse revelado o tema de que o Presidente da República iria falar.
Na sua intervenção inicial, de cerca de dez minutos, Marcelo Rebelo de Sousa fez uma exposição cronológica sobre correspondência encontrada no servidor da Presidência da República sobre o caso das gémeas residentes no Brasil que receberam no Hospital de Santa Maria um tratamento com um dos medicamentos mais caros do mundo.
O chefe de Estado referiu que, após ter sido questionado pela TVI sobre este caso, em 04 de novembro deste ano, e de ter respondido que não se recordava de o seu filho lhe ter falado do assunto, mandou apurar “tudo o que pudesse existir de registos ou arquivado sobre esse tema”.
“Eu entendia que, uma vez apurados os elementos, a primeira entidade à qual eu devia comunicá-los era obviamente a PGR. Foi o que fiz hoje. E, portanto, estou em condições de vos dizer aquilo que foi possível apurar exaustivamente quanto a factos que ocorreram há quatro anos”, declarou, acrescentando que “tudo se passa, no que respeita à intervenção da Presidência da República, em dez dias, entre o dia 21 de outubro de 2019 e o dia 31 de outubro de 2019”.
A correspondência na Presidência sobre este caso começa em 21 de outubro de 2019, com um email que o seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, lhe enviou, “em que dizia que um grupo de amigos da família das duas crianças gémeas se tinha reunido e estava a tentar a todo o transe que elas fossem tratadas em Portugal, era uma corrida contra o tempo”.
“Tinha contactado já então o Hospital Dona Estefânia, que tinha dito que seria Santa Maria, de facto, o hospital adequado para se apurar se, sim ou não, era possível esse tratamento. Tinham enviado para Santa Maria a documentação sobre as crianças e não tinham resposta de Santa Maria. E o doutor Nuno Rebelo de Sousa dizia: é possível saber, se há resposta possível, não há resposta possível sobre a matéria? No mesmo dia eu despachei para o chefe da Casa Civil nos seguintes termos: Será que Maria João Ruela – que era na altura a assessora para assuntos sociais – pode perceber do que se trata?”, relatou o chefe de Estado.
Maria João Ruela contactou o Hospital de Santa Maria e enviou uma resposta a Nuno Rebelo de Sousa em 23 de outubro a informar que “o processo foi recebido e estão a ser analisados vários casos do mesmo tipo”, mas que “a capacidade de resposta é naturalmente muito limitada e depende inteiramente de decisões médicas do hospital e do Infarmed”.
“O doutor Nuno Rebelo de Sousa, na sequência disso, voltou a perguntar à doutora Maria João Ruela, que confirmou nos mesmos exatos termos aquilo que tinha dito por escrito. Na sequência disso, o doutor Nuno Rebelo de Sousa dirigiu-se ao chefe da Casa Civil”, prosseguiu o Presidente da República.
O chefe da Casa Civil “confirmou a informação recebida da consultora” Maria João Ruela e comunicou por escrito a Nuno Rebelo de Sousa que “a prioridade é dada aos casos que estejam a ser tratados nos hospitais portugueses, daí que não tenham sido contactados, nem é previsível que o sejam rapidamente”, salientando que “o Serviço Nacional de Saúde (SNS) cobre em primeiro lugar a situação de pessoas que residam ou se encontrem em Portugal” e que “os portugueses residentes no estrangeiro têm direito a ser tratados pelos sistemas de saúde dos países onde residam, nos termos das convenções de Segurança Social ou, no caso da União Europeia, da legislação europeia”.
Em 31 de outubro “o chefe da Casa Civil enviou, como enviava sempre, e foram centenas, se não milhares de casos, que chegavam – para o chefe de gabinete do senhor primeiro-ministro, uma vez que era aí concentrada toda a comunicação ou correspondência a Presidência com o Governo, e para o chefe de gabinete do senhor secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, atendendo a que se tratava de portugueses residentes no estrangeiro” os dados deste caso, com a indicação habitual: “para os efeitos que entender por convenientes”.
O chefe da Casa Civil ainda “enviou para o pai das crianças uma carta” a comunicar-lhe que tinha acabado de enviar essa documentação, disse.
“Termina aqui a intervenção da Presidência da República. Começa no dia 21, termina no dia 31. A partir daí não há qualquer registo, qualquer intervenção sobre a sequência do processo”, concluiu Marcelo Rebelo de Sousa.
Em resposta aos jornalistas, o Presidente da República mencionou que o chefe de serviço de pediatria do Hospital de Santa Maria, António Levy Gomes, “pôs na comunicação social” uma resposta sua a um email dele, que disse não ter encontrado: “São milhares de mails, de há quatro anos, não guardo todos os mails”.
No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa realçou a mensagem que lhe é atribuída nessa resposta, de que não há “privilégio nenhum para ninguém e por maioria de razão para filho de Presidente”.
Este caso foi revelado por reportagens da TVI, transmitidas desde 03 de novembro, que relatam que duas gémeas de origem brasileira, que entretanto adquiriram nacionalidade portuguesa, vieram a Portugal em 2019 receber o medicamento Zolgensma para a atrofia muscular espinhal, o que representou um custo total de quatro milhões de euros.
O caso está também a ser analisado pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e é objeto de uma auditoria interna no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, do qual faz parte o Hospital de Santa Maria.
Audição Parlamento
O partido IL quer acrescentar o ministro da Saúde e um antigo chefe de gabinete de António Costa à lista das pessoas a serem ouvidas no parlamento sobre as gêmeas residentes no Brasil que foram tratadas no Hospital Santa Maria.
Em declarações à agência Lusa, o presidente da IL, Rui Rocha, referiu que o partido, há cerca de duas semanas, já tinha apresentado um requerimento para ouvir na comissão parlamentar de Saúde a ex-ministra Marta Temido, o ex-secretário de Estado Lacerda Sales e a atual e antiga administração do Hospital Santa Maria.
Tendo em conta os “dados das últimas horas” sobre este caso, os liberais decidiram alterar este requerimento que vai ser discutido na quinta-feira em comissão “para incluir também a audição do atual ministro Manuel Pizarro porque é importante que transmita os dados que tem sobre esta matéria”.
A IL quer também ouvir Francisco André, então chefe de gabinete do primeiro-ministro, António Costa, “uma vez que há referência ao envio de documentação” e ainda a ex-secretária de Estado das Comunidades Berta Nunes.
“Se por acaso o PS ou algum dos outros partidos inviabilizar este requerimento, a IL avançará com um requerimento potestativo no sentido de serem mesmo ouvidas estas entidades e pessoas”, adiantou Rui Rocha.
O líder liberal sublinhou este “reforço da garantia” do chefe de Estado, para Rui Rocha, não tendo tido Marcelo Rebelo de Sousa “um papel determinante nas decisões tomadas”, há esclarecimentos que é importante obter porque “alguém, algum organismo, alguma entidade teve que acionar este tratamento”.
Inquérito parlamentar
Já o Chega admitiu propor uma comissão parlamentar de inquérito. O líder do partido apontou que Marcelo Rebelo de Sousa “não podia ter feito isto sozinho”, questionando o envolvimento do Governo, “porque não foi certamente o Presidente da República que ligou para o Conselho de Administração do Santa Maria ou que ligou para os médicos que iam tratar estas crianças”.
André Ventura considerou quer também ver esclarecido “que tipo de intervenção o Presidente teve sobre o secretário de Estado para que o hospital diga que foi contactado pela secretária da senhora Ministra e do seu secretário de Estado sobre este assunto” e por que via chegou o caso ao hospital e foi decidido o tratamento, reiterando que Marta Temido e Lacerda Sales devem prestar esclarecimentos no parlamento.
“Caso estes esclarecimentos não sejam dados – e esperando que o Ministério Público avance no processo que abriu – o parlamento não terá outra opção senão abrir uma comissão parlamentar de inquérito a este caso”, defendeu.
André Ventura considerou que “é fabuloso” terem sido “salvas duas crianças” e “ter sido Portugal a fazê-lo”, mas “muito mau” haver “tratamento discriminatório”.
“Se nós temos hoje tanta gente com dificuldades em aceder ao Serviço Nacional de Saúde, eu acho que não é positivo que haja pessoas que, pela sua condição econômica ou política ou de proximidade com o Presidente para com o filho do Presidente, tenham acesso a estes tratamentos quando tantos portugueses não têm”, afirmou.
Na abertura das jornadas parlamentares, o presidente do Chega criticou que “pessoas que vêm de fora, que obtêm em 14 dias nacionalidade, e sem estarem registadas no Serviço Nacional de Saúde, beneficiem de um tratamento mais de quatro milhões de euros quando outros não têm”, classificando como o país a “bater no fundo”.