Perdão de dívidas e financiamento podem ser formas de reparar consequências do colonialismo

Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, dezembro 2021. MIGUEL A. LOPES/LUSA

Da Redação com Lusa

O Presidente da República defendeu neste sábado que Portugal deve liderar o processo de assumir e reparar as consequências do período do colonialismo e sugeriu como exemplo o perdão de dívidas, cooperação e financiamento.

“Sempre achei que pedir desculpa é uma solução fácil para o problema. Peço desculpa… nunca mais se fala nisso. Assume-se a responsabilidade por aquilo que de bom e de mau houve no império. O assumir significa, de facto, isso”, disse Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas, à margem da inauguração do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, em Peniche.

A sugestão de que Portugal assumisse responsabilidades por crimes cometidos durante a era colonial tinha sido deixada pelo chefe de Estado durante um jantar na terça-feira com correspondentes estrangeiros em Portugal, em que o Presidente propôs o pagamento de reparações pelos erros do passado.

Instado a esclarecer as declarações feitas na altura, o Presidente da República sublinhou que, ao longo da sua presidência, tem defendido que Portugal tem de “liderar o processo” em diálogo com esses países.

“Não podemos meter isto debaixo do tapete ou dentro da gaveta. Temos obrigação de pilotar, de liderar este processo, porque se nós não o lideramos, assumindo, vai acontecer o que aconteceu com países que, tendo sido potências coloniais, ao fim de x anos perderam a capacidade de diálogo e de entendimento com as antigas colônias”, alertou.

Para tal, Portugal tem de ter “formas de reparar” as consequências do colonialismo, exemplificando com o perdão de dívidas, a cooperação, a concessão de linhas de crédito e de financiamento que, disse, têm sido estabelecidos.

Questionado pelos jornalistas, o Presidente da República defendeu que o atual Governo deveria continuar com o processo de levantamento dos bens patrimoniais das ex-colônias em Portugal, iniciado pelo anterior Governo, para posteriormente devolvê-los.

“É uma questão que tem que ser tratado pelo novo Governo, em respeito com as funções executivas do Governo e tem que ser tratada em contacto com esses estados”, disse.

Além do patrimônio das ex-colônias, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que “está por resolver” também os problemas dos antigos combatentes e dos “espoliados” dos seus bens nas ex-colônias e obrigados a regressar a Portugal.

No mesmo jantar com jornalistas correspondentes, o Presidente da República já tinha sublinhado que os crimes cometidos durante a era colonial, incluindo massacres, tiveram custos e lembrou que algumas ações nunca foram punidas e bens saqueados nunca foram devolvidos.

As declarações do chefe de Estado provocaram reações imediatas de alguns partidos, com o CDS a rejeitar “revisitar heranças coloniais” e “deveres de reparação” e Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, a considerar que quem declara ser obrigação de Portugal “indemnizar terceiros” pelo passado, está a atentar “contra os interesses do país”.

O líder do Chega, André Ventura, acusou Marcelo de trair os portugueses, enquanto, à esquerda, Mariana Mortágua do BE defendeu ser importante que Portugal faça um debate sobre o seu passado colonial e Paulo Raimundo do PCP considerou haver espaço para a cooperação com as antigas colônias.

Não foi a primeira vez que Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu a reparação de crimes do passado.

Há um ano, na sessão de boas-vindas ao Presidente brasileiro Lula da Silva, que antecedeu a sessão solene comemorativa do 49.º aniversário do 25 de Abril na Assembleia da República, defendeu que Portugal devia um pedido de desculpa, mas acima de tudo devia assumir plenamente a responsabilidade pela exploração e pela escravatura no período colonial.

Durante mais de quatro séculos, pelo menos 12,5 milhões de africanos foram raptados, transportados à força para longas distâncias por navios e mercadores maioritariamente europeus e vendidos como escravos.

Governo

Já o Governo afirmou hoje “não esteve e não está em causa nenhum processo ou programa de ações específicas com o propósito” de reparação pelo passado colonial português e defendeu que se pautará “pela mesma linha” de executivos anteriores.

“A propósito da questão da reparação a esses Estados e aos seus povos pelo passado colonial do Estado português, importa sublinhar que o Governo atual se pauta pela mesma linha dos Governos anteriores. Não esteve e não está em causa nenhum processo ou programa de ações específicas com esse propósito”, refere o executivo, em comunicado da Presidência do Conselho de Ministros.

No texto, o executivo PSD/CDS-PP sublinha que “o Estado português, através dos seus órgãos de soberania – designadamente, do Presidente da República e do Governo -, tem tido gestos e programas de cooperação de reconhecimento da verdade histórica com isenção e imparcialidade”.

No comunicado, o Governo começa por referir que “as relações do povo português com todos os povos dos Estados que foram antigas colónias de Portugal são verdadeiramente excelentes, assentes no respeito mútuo e na partilha da história comum”.

“O mesmo se diga das relações institucionais Estado a Estado, como bem provam as comemorações dos cinquenta anos do 25 de Abril de 1974”, salienta o texto de oito pontos.

E refere-se que, “no quadro da cooperação cultural e histórica, o Estado Português financiou, em Angola, o Museu da Luta de Libertação Nacional; em Cabo Verde, a musealização do campo de concentração do Tarrafal; em Moçambique, a recuperação da rampa dos escravos na Ilha de Moçambique”.

“A tudo isso acresce, globalmente, a prioridade dada às políticas gerais de cooperação e à sua materialização em áreas tão significativas como a educação, a formação, a língua, a cultura ou a promoção da saúde, para além da cooperação financeira, orçamental e econômica”, acrescenta o texto.

Antes, o presidente do Chega, André Ventura, afirmou que apresentaria moção de censura ao Governo caso o primeiro-ministro Luís Montenegro avance com algum tipo de indenização às ex-colônias.

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