Mundo Lusíada com Lusa
Neste dia 06, o presidente da junta de Santa Maria Maior considerou que deveria existir uma maior fiscalização por parte das entidades competentes aos alojamentos locais em Lisboa, localizados sobretudo na sua freguesia, onde habitam muitos imigrantes.
Na sequência do incêndio que deflagrou na Rua do Terreirinho, Miguel Coelho lembrou que a junta de freguesia “não tem competências legais” para fazer fiscalizações.
“Isto é uma questão que está a montante das competências legais das juntas de freguesia. Nós não somos instituição policial, nem de investigação. Portanto, acho que se justifica uma enorme fiscalização por parte da Autoridade de Segurança Alimentar e Econômica [ASAE], da Polícia Municipal, sobre este tipo de atividade econômica legal”, disse o responsável.
Apesar de reconhecer não ter informações sobre o caso em concreto, Miguel Coelho disse que, pelo que apurou no local, o prédio era particular e alertou para a realidade existente na freguesia que é a da “sobrelotação na maior parte das habitações”.
“Há muitas casas nesta parte da cidade e na freguesia que estão ocupadas por cidadãos imigrantes. É visível que há uma exploração do espaço, uma exploração intensiva econômica destes espaços”, salientou.
Miguel Coelho afirmou ainda que o caso do edifício em que deflagrou o incêndio parece configurar “o regime de cama-quente”, apesar de não ter provas “em bom rigor” de ser esse caso, mas que “aparentemente configura”, ressalvando que “as autoridades têm agora de investigar toda a situação para puderem determinar se era ou não era” um caso de sobrelotação.
Questionado sobre os atestados de residência passados pela junta de freguesia, o responsável lembrou que “só pede quem precisa” para determinado assunto, não sendo obrigatório os imigrantes serem detentores do mesmo e, como tal, a junta não tem conhecimento certo de quantos vivem na zona.
Contudo, acrescentou, “basta andar na rua para perceber, é um território que beneficia da presença de muitos emigrantes, há uma grande parte da economia local que também é sustentada pela atividade comercial de muitos emigrantes, isso é visível”.
Em relação a casos de Alojamento Local, Miguel Coelho lembrou que a junta tem um canal para as pessoas informarem de suspeitas de situações ilegais, acrescentando que “sempre que chegam informações desse gênero são enviadas para a ASAE que tem competências para fiscalizar”, mas que, até ao momento, “nunca houve ‘feedback’” sobre os casos reportados.
“Eu estou convencido que a tabuleta que é posta à entrada de muitos edifícios aqui na freguesia é apenas para enganar quem passa, porque não está registada e não é alojamento legal”, salientou.
Numa publicação na rede social Facebook, Miguel Coelho (eleito pelo PS) escreveu que o fogo de sábado tinha acontecido “num rês do chão sobrelotado de cidadãos imigrantes que, explorados por gente ávida, os metem ‘à meia dúzia, ou dezena’ por quartos, em beliches para ‘ganharem espaço’”.
O incêndio no edifício, habitado essencialmente por cidadãos indianos, afetou 25 pessoas, 24 residentes e um não residente, deixando 22 desalojados, além da morte de dois cidadãos indianos, um dos quais um jovem de 14 anos, e 14 feridos, todos já com alta hospitalar.
Um dos feridos, de nacionalidade portuguesa, é um homem de 74 anos, residente no edifício contíguo e que apresentava dificuldades respiratórias. Até agora apurou-se que viviam no prédio dois cidadãos belgas, dois argentinos, dois portugueses, três bengalis e 15 indianos.
‘Renovar a Mouraria’
A associação Renovar a Mouraria, Lisboa, alertou para a situação “de extrema fragilidade” em que vive um grupo de pessoas, imigrantes, que são “completamente invisíveis”, mas que fazem funcionar a cidade num modelo de desenvolvimento baseado no turismo.
“É preciso alertar quer [cidadãos] nacionais, quer os nossos governantes, para a situação de extrema fragilidade em que vive um grupo de pessoas que é completamente invisível, mas que, ao mesmo tempo, é um grupo de pessoas que faz funcionar a cidade dentro do modelo de desenvolvimento baseado no turismo”, disse à agência Lusa, Filipa Bolotinha.
A responsável da Renovar a Mouraria, que trabalha sobretudo na integração de migrantes no bairro da Mouraria e na cidade de Lisboa, lembrou que estes imigrantes, muitos deles altamente qualificados, são pessoas “que têm trabalhos precários e sem condições na restauração”, que todos os dias “servem os outros e nem são vistas”.
“Estamos conscientes da sua situação e interessados em discutir de uma forma mais séria o problema porque é muito importante valorizar o trabalho destas pessoas migrantes que acabam por alimentar o desenvolvimento da cidade”, explicou.
O incêndio de sábado na Mouraria levantou novamente a questão da sobrelotação nas habitações na região da cidade. De acordo com Filipa Bolotinha, as situações de sobrelotação “já são identificadas há muito, no sentido em que se sabe que existem, embora não estejam mapeadas”, um trabalho que a associação gostava de já ter feito, embora compreenda as “situações, por vezes, pouco transparentes em relação à situação em que vivem”.
“Embora as condições sejam péssimas, a alternativa é muito pior, que é viver na rua. Portanto, são situações muito complexas de abordar”, salientou.
Segundo a responsável, podem existir uma série de fatores que contribuem para a situação em si, como a gentrificação ou a especulação imobiliária que se vive atualmente e a dificuldade no acesso à habitação por qualquer pessoa.
“Hoje em dia, um arrendamento em Lisboa [é muito difícil e fica] agravado pelo fato de serem imigrantes. Mesmo que tenham alguma possibilidade econômica em alugar um apartamento ou um quarto, os valores do mercado são sempre elevados e os próprios proprietários, como há uma grande procura, preferem sempre uma pessoa ou de nacionalidade europeia ou portuguesa face a migrantes que vêm de fora da União Europeia. Isso é uma realidade”, afirmou.
Embora reconheça a falta de fiscalização existente, na prática considera que, por vezes, os próprios proprietários dos imóveis não sabem o que se passa exatamente: “a casa é alugada a uma pessoa e depois essa subaluga” a outros imigrantes.
Atualmente, a responsável adiantou que a associação dá apoio a cerca de 400 pessoas, “na empregabilidade, a fazer currículos, entre outros” e, nos últimos tempos, tem aumentado a procura de ajuda por parte dos imigrantes, salientando que todas as semanas aparece “gente nova”.
Também o presidente da Associação Solidariedade Imigrante responsabilizou hoje os poderes central e local pela falta de uma política de habitação digna, apontando que situações de sobrelotação em habitações estão sinalizadas há muito tempo, mas “ninguém fez nada”.
Timoteo Macedo salientou que os imigrantes que vivem em Portugal estão a ajudar o país, contribuindo de uma forma “extraordinária” para a sustentabilidade da Segurança Social. “A questão da habitação fica para depois, não há políticas públicas decentes para resolver estes problemas. É preciso arrepiar caminho e exigir do Governo e do poder local que efetivamente faça alguma coisa. Deixem de dormir. Chega. É preciso reagir, é preciso a construção de políticas de habitação que sejam dignas e humanas”, exigiu.
O Serviço Municipal de Proteção Civil de Lisboa, após concluídos os trabalhos de vistoria nesta tarde, diz que prédio não foi afetado. “O edifício estruturalmente não foi afetado […]. Neste momento, não reúne condições de habitabilidade, porque não dispõe de infraestruturas de energia elétrica, nem de gás”, afirmou Carlos Lopes Loureiro.
“Até que estas infraestruturas sejam repostas, não há condições de habitabilidade, pelo que os proprietários agora têm que, rapidamente, promover estas obras, para que as pessoas possam regressar em segurança às suas habitações, com exceção do rés-do-chão direito, onde se deu o incêndio”, indicou o responsável da Proteção Civil.