É preciso uma política coerente para um milhão de imigrantes em Portugal – pesquisadora

Mundo Lusíada com Lusa

A pesquisadora acadêmica Ana Rita Gil criticou hoje a ausência de uma secretaria de Estado focada nas migrações no atual Governo e a falta de uma política pública estrutural para lidar com um milhão de imigrantes em Portugal.

“Não é só uma questão apenas de nomenclatura (…) estamos perto ou já ultrapassámos um milhão de imigrantes e precisamos de ter uma política coerente de imigração e não temos uma política estruturada” para o setor, afirmou à Lusa a docente da Lisbon Public Law (Centro de Investigação em Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa).

O atual Governo colocou as migrações sob a tutela do secretário de Estado Adjunto e da Presidência do Conselho de Ministros, Rui Armindo Freitas, extinguindo a anterior secretaria de Estado da Igualdade e das Migrações, do Governo socialista.

Fonte oficial do Ministério da Presidência explicou que o tema “está na agenda do Governo” e continua a ser relevante, “a única diferença é que não tem o nome numa secretaria”, mas isso “não significa que deixe de ser importante”.

No entanto, para Ana Rita Gil, Portugal deve discutir políticas públicas de acolhimento, integração e inclusão dos imigrantes de modo estrutural.

“Não temos uma estratégia desenhada sobre que imigrantes precisamos, o que vamos fazer aos imigrantes em situação irregular. Não basta tratar do assunto de forma meramente conjuntural, que é o que tem sido feito, apagando os fogos que vão aparecendo, sem ter uma política mais estrutural”, acrescentou.

“Nenhum dos partidos [principais], tirando o Chega, que é quem acaba por ser a única voz nesta matéria, tem assumido posições sobre políticas de imigração. E sempre que se fala da regulação da imigração, fica sempre conotada com uma determinada área ideológica”, salientou a investigadora.

Para Ana Rita Gil, a chegada de milhares de imigrantes constitui uma “preocupação que deve ser regulada” de modo antecipado, em vez de soluções como as que têm sido feitas, com “políticas de regularização em massa” para fazer face aos atrasos existentes.

Além disso, a chegada dos imigrantes, necessários à economia, deve ser acompanhada pelo reforço dos recursos do Estado, porque “não basta receber pessoas, é preciso dar condições”, sendo exemplo disse o setor do imobiliário.

“Não temos condições de habitação para receber adequadamente estas pessoas”, disse, destacando o contexto político em que “os partidos ao centro têm medo de falar sobre este assunto e deixam o tema nas mãos de discursos polarizadores e extremistas” com receio de serem penalizados eleitoralmente.

“Com isto, o discurso anti-imigrantes continua a crescer, porque o poder política não atua”, salientou.

A recente extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e do Alto Comissariado para as Migrações (ACM) criou um modelo centralizado, que coloca em causa o trabalho de integração dos imigrantes.

Anteriormente existia uma “entidade pública exclusivamente dedicada à integração” e que, em muitos casos, “entrava em diálogo com o SEF para acelerar determinados processos, colocando-se do lado do imigrante, não do lado da administração pública”.

Mas hoje, com a recém-criada Agência para a Integração, Migrações e Asilo, isso já não sucede, porque é a mesma instituição que trata da regularização e da integração dos imigrantes.

“bons e maus” imigrantes 

Também o geógrafo Jorge Malheiros, especialista em migrações, criticou o fim de uma Secretaria de Estado focada no tema e mostra-se preocupado com o discurso político que separa os “bons e os maus” imigrantes.

Em causa está o facto de o primeiro-ministro, Luís Montenegro, ter afirmado durante a campanha eleitoral que Portugal precisa de imigrantes qualificados, criando um estigma sobre os que têm menos qualificações, mas que são necessários no mercado de trabalho, avisou Jorge Malheiros.

“Não é mau que se refira que a questão da imigração é uma questão importante na agenda política do atual Governo”, mas o modo como tem sido abordado revela “componentes enviesadas e incompletas”, explicou.

“Ao estar aqui a ser seletivo, há uma margem para dizer que uma parte substancial dos imigrantes não tem espaço” em Portugal, considerou, salientando ter muitas dúvidas sobre o que o governo PSD/CDS quer fazer nesta área.

Durante a campanha, “houve uma forte politização do tema das migrações”, muito “por força do discurso político do Chega, sendo que é um discurso ambíguo, porque separa os imigrantes entre bons imigrantes e maus imigrantes, achando que os maus imigrantes são aqueles que estão mais distantes, do ponto de vista das práticas culturais, da maioria dos portugueses”.

Segundo Jorge Malheiros, há um “historial no domínio da integração dos imigrantes em Portugal, que é uma história bastante positiva no contexto internacional”, como a introdução dos “vistos para procura de trabalho ou mecanismos também interessantes no sentido de reconhecimento lógicas de mobilidade em espaços geopolíticos que no interessam para lá da União Europeia, como é o caso do visto CPLP” (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).

A recente criação da AIMA obedeceu a “um bom princípio” que é a “separação da componente securitária da regularização e integração”, mas o processo tem tido vários problemas, com falta de quadros, atrasos e incapacidade de dar resposta às necessidades dos imigrantes.

“Os primeiros sinais dados pelo discurso do primeiro-ministro não são positivos” e a “construção do organograma do governo não é um bom sinal”, salientou o investigador.

Este discurso sobre os imigrantes começa também a contaminar a abordagem política às políticas de asilo, algo que também preocupa Jorge Malheiros, que critica a tentativa de distinguir entre bons e maus pedidos de apoio.

“No que diz respeito a refugiados e requerentes de asilo, não pode haver nenhum recuo, porque há compromissos internacionais. É uma população frágil que deve ser tratada e respeitada como tal”, afirmou.

Os currículos do ministro e do secretário de estado “não têm muita robustez na área das migrações”, adiantou.

“Nós sabemos que, normalmente, quando a designação [no governo] desaparece, a atenção que é dada diminui”, acrescentou Jorge Malheiros, dando o “exemplo da habitação” que “durante muitas décadas” foi esquecida pelos governos e “depois deu o resultado que deu”.

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