Mundo Lusíada com Lusa
Responsáveis do Patriarcado de Lisboa e da comunidade islâmica em Portugal defenderam neste sábado o convívio entre várias religiões, criticando quem é contra a chegada de imigrantes ao país ou uma eventual alteração da matriz cultural europeia.
Em declarações à Lusa, o diretor do Departamento de Relações Ecumênicas e Diálogo Inter-religioso do Patriarcado de Lisboa, recordou que o que “faz parte da matriz judaico-cristã é o acolhimento do estrangeiro e o acolhimento dos necessitados”, num “sentido de hospitalidade que sempre fez parte da tradição cristã”.
Por isso, “se as pessoas assumirem uma posição de que não vão acolher os outros, então, nesse sentido, estão a minar a própria tradição judaico-cristã, que dizem supostamente que querem defender”, afirmou o padre católico Peter Stilwell.
Uma manifestação, já proibida pela Câmara de Lisboa, “Contra a islamização da Europa” foi anunciada por movimentos de extrema-direita e neonazis para a zona da Mouraria, onde residem muitos imigrantes. A organização da marcha no Martim Moniz tem gerado preocupação entre a comunidade imigrante e coletivos antirracistas decidiram preparar uma manifestação de “pessoas de todas as cores”, para o mesmo dia e local.
“Em tempos houve uma presença islâmica aqui na península e nesse tempo houve uma convivência entre comunidades muçulmana cristã e judaica” que “em grande parte desse tempo e em boa parte das zonas foi pacífica”, recordou o responsável, salientando que a imigração também ajuda a repor a “quebra demográfica na Europa e também em Portugal”
“Não podemos negar que há aqui um valor na imigração que vêm ocupar, fazer trabalhos que a população local não pode fazer porque não tem mão de obra para isso e, portanto, não vejo que faça sentido protestar”, explicou, questionando ainda: ““Querem que o país desapareça ou fique reduzido a pessoas de terceira idade?”
“Ainda por cima querem fazer uma manifestação numa zona da cidade que se chama a Mouraria” e “isso tem o seu quê de irônico” porque o nome do local recorda a presença de mouros em Lisboa, numa “coexistência entre cristãos, muçulmanos e judeus”, que foi rompida por D. Manuel I, por influência dos reis de Espanha, recordou Peter Stilwell.
“Há uma rica tradição portuguesa de convívio das várias religiões e só temos a beneficiar com isso”, resumiu o teólogo.
Posição semelhante tem Abdul Aziz, vice-presidente Comunidade Islâmica Lisboa, considerando que são “questões de política”, porque “em tudo há sempre coisas que agradam às pessoas e coisas que não agradam”.
No seu entender, não há uma islamização da Europa, e os muçulmanos que vivem em Portugal estão bem integrados, principalmente os que chegaram há mais tempo.
“Nós estamos bem integrados e não temos problemas nenhuns”, afirmou o dirigente, minimizando o impacto da ação de protesto.
“É uma minoria, acredito que Portugal não é um país racista, são grupos sem expressão de extrema-direita”, disse.
No entanto, o dirigente admitiu que os imigrantes mais recentes, “independentemente da sua religião”, têm “alguns problemas naturais de quem chega há pouco tempo”, porque “vieram para trabalhar, querem fazer a sua vida, tratar dos documentos”.
“É normal que sintam medo de tudo isto”, afirmou Abdul Aziz, que confia nas autoridades portuguesas em relação a esta ação de protesto.
A manifestação também preocupou a comunidade bengali, admitiu o imã Shaykh Abu Sayed, que confia na proteção das autoridades portuguesas.
“Estamos preocupados, mas confiamos na polícia. Não fizemos mal nenhum”, afirmou à Lusa um dos responsáveis pelo Centro Islâmico do Bangladesh (CIB), uma das principais comunidades que vive entre o Intendente e o Martim Moniz.
“Somos pacíficos, estamos aqui para trabalhar”, afirmou o dirigente, que disse que Portugal é “um bom país” para quem é imigrante.
“Não sabemos nada de política. Queremos viver aqui, ter os nossos papéis tratados e viver em paz”, acrescentou Shaykh Abu Sayed.
Na sexta-feira, a Câmara de Lisboa anunciou que não vai autorizar a realização da manifestação “Contra a Islamização da Europa”, organizada por grupos ligados à extrema-direita.
“A Câmara Municipal de Lisboa não irá autorizar a manifestação marcada para o próximo dia 03 de fevereiro e que tinha previsto percorrer diversas ruas da Mouraria”, indicou a mesma fonte.
Na base da decisão está o parecer da PSP, que “é claro ao salientar um elevado risco de perturbação grave e efetiva da ordem e da tranquilidade pública”.
Organizações antirracismo promoveram uma carta aberta, denominada “Contra o racismo e a xenofobia, recusamos o silêncio”, onde pedem ao Presidente da República, ao Ministério Público e às autoridades policiais para “travar a saída desta manifestação”, por violar a lei.
Perante a proibição, que o grupo 1143 promete contestar, o porta-voz da organização de extrema-direita, Mário Machado, anunciou, numa declaração nas plataformas da organização, uma “ação de protesto” com as mesmas motivações para a mesma data.
Essa ação, que não exige a “obrigatoriedade de notificar a câmara”, segundo o porta-voz, irá realizar-se no mesmo dia que a manifestação proibida pelas autoridades, dia 03 de fevereiro, às 18:00, em Lisboa.
“O local será informado e anunciado na próxima semana”, acrescentou Mário Machado, um nome associado a vários movimentos neonazis e condenado a quatro anos e três meses de prisão por ofensas corporais no contexto do processo de um homicídio por ódio racial.
Em paralelo, organizações antirracismo estão a promover uma carta aberta, denominada “Contra o racismo e a xenofobia, recusamos o silêncio”, onde pedem ao Presidente da República, ao Ministério Público e às autoridades policiais para “travar a saída desta manifestação”, por violar a lei.
A carta aberta já recolheu cerca de 6.500 subscritores para pedir a proibição da manifestação “Contra a Islamização da Europa”.
Também na quinta-feira, o SOS Racismo apresentou uma queixa-crime ao Ministério Público contra os responsáveis pela convocatória da “Manifestação Contra a Islamização da Europa”.
Em comunicado, o SOS Racismo alega que a convocatória e manifestação/marcha “servem unicamente para expressar discursos de ódio, generalizações, preconceitos e afirmações ostensivamente falsas, injuriosas e difamatórias sobre um conjunto de pessoas, em função apenas da sua nacionalidade, origem, religião e cultura, e apelam, diretamente, à violência dirigida às comunidades imigrantes que residem ou trabalham em Portugal”.
O SOS Racismo considera que os responsáveis por esta convocatória cometeram os crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, previstos no Código Penal, e apela ao Ministério Público que proceda “às diligências necessárias para que os mesmos sejam levados a julgamento”.