Caso gêmeas: Neuropediatra diz que vigilância à medicação implica residência no país

Da Redação com Lusa

 

A neuropediatra que acompanhou as gêmeas luso-brasileiras em Portugal defendeu nesta sexta-feira que a administração do medicamento Zolgensma implica uma “vigilância muito apertada” e por isso é necessário que os doentes residam no país.

“O Infarmed obriga-nos a um ‘follow up’ [acompanhamento, em tradução simples] de pelo menos de quatro anos a seguir ao tratamento”, pelo que é preciso que os doentes residam no país, salientou Teresa Moreno no parlamento, depois de ser interpelada pelo deputado do PS João Paulo Correia.

A clínica estava a ser ouvida na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma no Hospital de Santa Maria em 2020.

“Tratar com Zolgensma implica ficar internado uns dias e depois vir semanalmente ao hospital, fazer análises e ser observado durante três meses todas a semanas, medicação”, explicou.

E acrescentou: “Os efeitos secundários não surgem logo após a administração”.

Para Teresa Moreno, a residência em Portugal “é um facto incontornável” para se fazer a medicação, como obrigam as boas práticas.

“Esse é um daqueles problemas que eu acho que a nossa classe política tem mesmo de decidir, não são os médicos”, observou.

A médica do Hospital de Santa Maria, que contestou o tratamento numa carta enviada ao diretor clínico lembrou que a residência era também umas das preocupações inscritas no documento.

“Era o que estava refletido na carta: de as pessoas não residentes virem para Portugal para terem acesso aos cuidados de saúde (…) e ficarem cá a residir. Clinicamente têm de ser residentes. Tinham de ficar cá a viver”, sustentou.

Na audição, que durou mais de três horas, a neuropediatra recordou que a mãe das crianças se comprometeu a permanecer no país, mas realizava viagens com as meninas para o Brasil.

“Durante estes anos, a família das meninas e Daniela Martins deslocaram-se ao Brasil, por vezes, durante períodos de dois ou três meses, entre consultas, em que iam por questões familiares ou para realizar fisioterapia intensiva”, disse após ser questionada pelo líder do Chega, André Ventura.

De acordo com Teresa Moreno, as crianças “voltavam para as consultas e vinham e iam com alguma facilidade”.

“Nós adaptávamos as consultas, de modo a que elas fossem vistas de quatro em quatro meses” passado o primeiro ano, que é de alto risco justificou.

Pedido superior

Teresa Moreno, na comissão parlamentar de inquérito, disse que, depois de dois telefonemas da diretora de departamento a pedir a marcação de consulta para as gémeas luso-brasileiras a pedido da secretaria de Estado da Saúde e do ex-secretário de Estado António Lacerda Sales, lhe foi dito, num terceiro contacto, que o pedido teve um origem superior, que não foi identificada.

A neuropediatra declarou que foi a sua diretora de departamento, Ana Isabel Lopes, que lhe passou essa informação, anteriormente transmitida pelo diretor clínico, Luís Pinheiro, e que teve a perceção de que estes seus superiores hierárquicos eram apenas intermediários de uma informação com origem num ponto superior da hierarquia.

A médica explicitou, em resposta ao deputado socialista João Paulo Correia, que não sabia a quem se referia a diretora de departamento quando falava de alguém “acima da secretaria de Estado”, mas que em conversas informais entre profissionais do hospital se afirmava, embora sem qualquer informação concreta e apenas no “plano da confabulação”, que “acima da secretaria de estado estão a ministra e o Presidente”.

“Estamos a entrar no plano da confabulação, que é uma coisa que não é lógica. Eu digo o que eu ouvi. O que os outros sabem, compete-vos a vocês investigar, não é?”, disse, dirigindo-se aos deputados da comissão de inquérito.

O deputado João Paulo Correia afirmou, após esta resposta, que “não era por acaso que corriam pelos corredores do Hospital de Santa Maria os rumores de que teria havido uma interferência do Presidente da República”, frisando que isso foi dito por Ana Paula Martins, quando era presidente do hospital, numa reportagem televisiva, embora não houvesse qualquer evidência.

A médica confirmou o rumor referido pelo deputado socialista, detalhando que nos corredores do Santa Maria as gémeas luso-brasileiras eram referidas como as “meninas do presidente” pelas auxiliares da consulta.

Em resposta ao deputado do Chega, André Ventura, Teresa Moreno reconheceu que considerou “irregular” a natureza do pedido, mas que não lhe ocorreu fazer qualquer denúncia e que apenas estava a “cumprir ordens”.

“Nem sequer ponderei. Obedeci a uma ordem hierárquica, irritou-me essa ordem hierárquica Como já tinha acontecido outras vezes (…) hoje já não faria muitas coisas que fiz na altura, com as coisas que sei hoje”, acrescentou.

Teresa Moreno, questionada pela deputada da IL, Joana Cordeiro, referiu também ainda que não teve qualquer contacto com Nuno Rebelo de Sousa, e que só ficou a conhecer o seu envolvimento no caso através da comunicação social.

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