Mundo Lusíada
Com Lusa
O ministro brasileiro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, afirmou, em entrevista à Lusa, que a “história da Amazônia deve muito aos militares portugueses”, acrescentando que ainda é possível encontrar fortes construídos por portugueses na floresta.
A presença militar na Amazônia vem desde a época em que o Brasil ainda era uma colônia portuguesa, mas a forma como os portugueses traçaram e lutaram por estabelecer as fronteiras do Brasil, são ainda uma inspiração para a geração de militares que hoje marca presença cerrada na região, garantiu o general.
“Os portugueses, quando o Brasil ainda era uma colônia, tiveram um papel fundamental na formação territorial do Brasil. Foram os primeiros a penetrar pelo país adentro, (…)com as entradas e bandeiras e foram avançando nesse aumento do território brasileiro. Até hoje nós encontramos os fortes portugueses colocados em locais estratégicos da fronteira”, afirmou Heleno à agência Lusa no último sábado.
“Sempre digo que a sensibilidade militar portuguesa é algo impressionante. Naquela época, praticamente sem recursos, eles colocaram os fortes em locais que hoje, com todos os recursos disponíveis, com satélites e ‘GPS’, talvez os fortes fossem colocados exatamente nos mesmos lugares. (…) Então, a história da Amazônia deve muito aos portugueses”, acrescentou o governante, que já foi comandante militar na Amazônia.
Um exemplo típico é o Real Forte Príncipe da Beira, localizado no estado de Rondônia, considerada a maior edificação militar portuguesa construída no Brasil colonial.
Ao longo da história, várias tentativas de invasão territorial foram travadas pelas Forças Armadas brasileiras, como as levadas a cabo pelo Paraguai em 1864 e 1865. Mas, segundo Augusto Heleno, algumas ameaças partiram de dentro do próprio país, referindo-se a comunidades indígenas, que no passado teriam se aliado a holandeses e franceses que pretendiam conquistar terras na região.
Para o ministro, essa ameaça permanece atual, mesmo que não seja a curto prazo, referindo-se à Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um dos principais instrumentos para enfrentar a violação de direitos dos povos originários, assinada em abril de 2004, como uma ferramenta que poderá levar “à mutilação do território brasileiro”.
“A ‘convenção 169 da OIT’, que trata de comércio e acabou entrando nessa história de terras indígenas, que prevê que as etnias indígenas tenham direito a autonomia política e administrativa, pode levar mais tarde, mas não é para agora, a que alguma potência aventureira resolva declarar alguma parte do Brasil independente, levar o caso para a ONU, e o Brasil ser mutilado no seu território. Mas nós não vamos permitir”, frisou o general.
O receio de perda territorial por organizações a pretexto de comunidades indígenas levou a que o atual Governo, liderado pelo Presidente Jair Bolsonaro, declarar que durante o seu mandato não “será demarcado nem mais um centímetro” de terras indígenas, devido a enorme quantidade já demarcada no país.
Mas se a presença militar no território teve sempre como objetivo primordial a defesa da soberania do Brasil sobre a região da Amazônia, os desafios ao longo dos anos passaram a ser outros, como a prática de ilícitos entre fronteiras.
Tráfico de drogas e contrabando são alguns dos maiores crimes que os pelotões especiais de fronteira, unidades militares com cerca de 60 soldados brasileiros, tentam impedir na Amazônia.
Sob o comando de um tenente, os pelotões foram colocados na fronteira entre a Amazônia espanhola e a brasileira, que, de acordo com o general Heleno, são os locais por onde os movimentos de forças estrangeiras poderiam atingir o território do Brasil.
Mas o atual executivo brasileiro encontra-se preocupado com a perda da soberania brasileira para países europeus. No mês passado, aquando da cimeira do G7 (grupo dos sete países mais industrializados do mundo), o chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, chegou a admitir a possibilidade de propor à Organização das Nações Unidas (ONU) que a Amazônia fosse submetida a uma espécie de gestão internacional, declaração que Bolsonaro considerou uma ameaça à soberania de todos os países que têm a floresta no seu território.
Fogo em Portugal
Segundo o ambientalista brasileiro Tarcísio Feitosa, as florestas em Portugal vão “começar a pegar fogo” quando a Amazônia for destruída, alertando para aquela “máquina de água para chuvas” como uma responsabilidade de todo o mundo.
A Amazônia tem 604 mil quilômetros quadrados de floresta sem proteção, 6,5 vezes o tamanho de Portugal, sendo para aí que se deslocam as queimadas, abrindo-a à especulação imobiliária, denunciou o ativista.
Premiado em 2006 com o prêmio Goldman, considerado o “Nobel” do Ambiente, devido à “luta contra a extração ilegal de madeira e operações de extração de minérios”, o ativista ambiental é um dos convidados do FIGaia – Fórum Internacional de Gaia que decorre a partir de quarta-feira, e ao longo de 11 dias, na cidade de Vila Nova de Gaia, com o objetivo de encontrar soluções para a sustentabilidade.
Dizendo que a Amazônia “não é o pulmão do mundo, mas uma máquina de água para as chuvas, distribuindo regularmente a chuva pelo Brasil e fora dele”, o ativista defende que a maior floresta do planeta é responsabilidade de todos. “No momento em que derrubarem a floresta amazônica, as florestas em Portugal vão começar a pegar fogo. Essa é a lógica”.
À Lusa, Tarcísio Feitosa falou das consequências climáticas do “dia do fogo” que em 10 e 11 de agosto consumiu vastas áreas da floresta amazônica, apresentando novos números a poucos meses dos países voltarem a reunir-se na Cimeira do Clima, que vai decorrer no Chile.
“Na cimeira do Chile, no final do ano, os números vão apontar uma situação muito complicada na Amazônia, nas florestas que não estão protegidas (que não são terras indígenas, territórios quilombolas, assentamentos especiais ou unidades de conservação) e que somam cerca de 604 mil quilômetros quadrados de floresta sem proteção, ou seja, 6,5 vezes o tamanho de Portugal”, relatou o ativista.
Escudado “em estudos e mapas de calor”, o especialista brasileiro fez mais uma denúncia: “as queimadas propositadas estão a ir na direção dessas áreas [floresta desprotegida]. Estamos a assistir a uma especulação imobiliária dessas áreas, pessoas que incendeiam a floresta para depois a vender”.
Brasil na ONU
Nesta terça-feira, perante a Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, o Brasil garantiu o seu compromisso de combater a desflorestação ilegal da Amazônia. “O Brasil está totalmente engajado na luta contra a situação atual na região amazônica. O Governo brasileiro reafirma seu compromisso de combater a desflorestação ilegal”, disse a embaixadora brasileira Maria Nazareth Azevedo ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A posição da diplomata foi assumida um dia após a alta comissária para os Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, se ter declarado “profundamente preocupada com a aceleração drástica da desflorestação” na maior floresta tropical do mundo, na abertura da 42.ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
O Governo brasileiro, liderado por Jair Bolsonaro, foi fortemente questionado nas últimas semanas pela comunidade internacional por causa do ressurgimento de grandes ações de desflorestação e incêndios na Amazônia dentro do Brasil. Segundo dados oficiais provisórios, a destruição da floresta amazônica no Brasil praticamente dobrou entre janeiro e agosto de 2019 face ao mesmo período de 2018.
Em Genebra, a embaixadora brasileira garantiu que esses incêndios são um “fenômeno sazonal, frequente durante a estação de seca” e estão em níveis semelhantes à média dos últimos 20 anos.
“O apelo imediato às Forças Armadas e outros órgãos públicos para combater os incêndios é um sinal do nosso compromisso com a Amazônia e o desenvolvimento sustentável da região”, acrescentou Maria Nazareth Azevedo.
A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo e tem a maior biodiversidade registrada numa área do planeta. Tem cerca de 5,5 milhões de quilômetros quadrados e inclui territórios do Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.