Da Redação com ONUNews
Em 2023, o mundo atingiu o número recorde de 114 milhões de pessoas deslocadas à força, das quais 710 mil vivem no Brasil.
Segundo o representante no país do Alto Comissariado da ONU para Refugiados, Davide Torzilli, o retrato desta população é composto por cerca de 560 mil venezuelanos, 87 mil haitianos, 9 mil afegãos, além de pessoas de diversas outras nacionalidades.
“O Brasil historicamente tem tido uma política de asilo, de proteção internacional muito aberta. Então o Brasil historicamente tem recebido refugiados de várias partes do mundo, também de crises que são muito distantes, muito longes do Brasil. Através do visto humanitário que mencionei, o Brasil recebeu milhares de refugiados da Síria, do Afeganistão, assim como também está recebendo refugiados da Ucrânia”.
Diariamente chegam da Venezuela uma média de 400 a 450 pessoas no Brasil. Segundo Davide, esse fluxo voltou a crescer depois de uma pausa pela pandemia e as pessoas que chegam “tem um perfil mais vulnerável e estão colocando uma pressão importante na resposta humanitária no norte do país.”
O especialista afirmou que o Acnur também está olhando com muita preocupação a situação no Haiti, devido a violência de gangues e violações de direitos humanos que podem resultar em um fluxo desta população para o Brasil no futuro.
Para Torzilli, a legislação brasileira pode ser considerada “generosa” e “avançada” por permitir uma ampla oferta de serviços e oportunidade de trabalho para refugiados e solicitantes de asilo.
“O Brasil tem muitas boas práticas, mas segue com esse compromisso de fortalecer a proteção internacional. E o Brasil vai ser um campeão, seguramente a nível regional, mas também a nível global”.
O representante do Acnur elogiou os avanços em 2023 da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia e a inclusão de populações refugiadas e migrantes na Política Nacional de Saúde. No entanto, ele destacou que o “grande desafio é implementar as políticas”.
“A experiência da crise da Venezuela e da chegada de venezuelanos no Brasil mostrou que o Brasil precisava de um mecanismo mais previsível de resposta e de integração a pessoa refugiada para fluxo futuro dessas pessoas. O Brasil precisava estar preparado em um contexto global, onde vemos um aumento de conflitos, de situações de violência, de violações de direitos humanos, em que o deslocamento forçado de pessoa está se tornando algo muito comum. O Brasil reconheceu que precisava de uma política a nível federal para dar uma resposta”.
Sobre as estratégias de acolhimento e integração, o representante do Acnur destacou a metodologia da “proteção comunitária”, que encoraja o envolvimento dos refugiados na busca de soluções e na construção de políticas públicas nas comunidades onde passam a viver.
Segundo ele, essa tem sido uma abordagem importante para a integração de mais de 10 mil refugiados indígenas venezuelanos, que alcançaram maior autonomia por meio da participação em associações e conselhos indígenas nos locais de acolhida.
Campanha anti-xenofobia
Sobre a ameaça do discurso de ódio, Davide mencionou que o Acnur pretende lançar em 2024 uma campanha anti-xenofobia para criar um ambiente de proteção e respeito aos refugiados.
A ideia é destacar como os refugiados podem ser “agentes da mudança e do desenvolvimento”, compartilhando seus conhecimentos e valores.
O especialista ressaltou ainda o trabalho com crianças por meio da “mala dos saberes deslocados”, um conjunto de 15 obras literárias infantis de autores de vários países que roda pelo Brasil sensibilizando este público sobre o tema do deslocamento forçado.
Afegãos
Segundo Acnur, o Brasil acolheu mais de 9 mil refugiados afegãos nos últimos anos. Davide Torzilli disse que as oportunidades de trabalho são um fator que contribui para o processo de integração dessa população no país.
“Até agora, isso é um dado do Ministério do Trabalho do Brasil, mais de 700 afegãos estão incluídos no mercado formal no Brasil. Então isso demonstra a grande oportunidade e possibilidade que o Brasil tem de integrar até pessoas refugiadas de outras regiões do mundo, com possibilidade também de um emprego formal. Os refugiados afegãos chegam com um nível educacional muito alto. Muitos entre eles falam inglês, não todos, mas muitos falam inglês, então eles também conseguiram aceder a oportunidades de trabalho em empresas privadas aqui no Brasil”.
Torzilli afirmou que o agravamento da situação humanitária no Afeganistão nos últimos dois anos, juntamente com as restrições impostas pelo regime Talibã, incluindo a privação de educação e trabalho para milhões de mulheres e meninas, é uma das razões centrais do deslocamento forçado.
“Os perfis que estão chegando ao Brasil são perfis de famílias, mulheres que trabalhavam ou tinham acesso à educação no Afeganistão e agora não conseguem ter acesso ao trabalho, não podem seguir trabalhando e têm experimentado um nível de violência que forçaram elas a sair do país. Esses são os perfis principais que recebemos aqui no Brasil”.
O representante do Acnur destaca que o Brasil recebeu, no transcurso de décadas, refugiados de várias partes do mundo, que contribuíram para o caráter multicultural do país.
No entanto, ele afirma que esta é a primeira comunidade afegã que está se formando no Brasil. Diferentemente de nacionalidades como sírios ou ucranianos, que já contavam com diásporas em território brasileiro, os refugiados afegãos não possuem laços que facilitem a inclusão e integração.
Por esta razão, o Acnur empregou diversas estratégias para oferecer maior apoio na recepção dessa população e atender suas necessidades específicas.
Dentre elas estão ampliação de vagas em abrigos, contratação de mediadores culturais, auxílio no acesso a documentação e serviços e oferta de aulas de português com foco em transmitir a cultura do Brasil e facilitar o acesso ao mercado de trabalho.
“O Afeganistão tem sofrido nos últimos 40 anos com conflitos, desastres naturais e uma situação humanitária muito grave, então ter essa oportunidade como dá o Brasil, de ter opções, de recomeçar a sua própria vida, de ter proteção internacional em outro país é uma oportunidade muito grande. O Brasil é um dos poucos países agora no mundo que está dando essa oportunidade para refugiados do Afeganistão”.
Torzilli disse esperar que Portaria Interministerial nº 42, de 22 de setembro de 2023, melhore as possibilidades de integração dos afegãos criando um fluxo entre a emissão dos vistos humanitários com a recepção por organizações comunitárias.
A decisão determinou, dentre outras medidas, que os vistos humanitários para pessoas afetadas pela situação do Afeganistão somente poderão ser concedidos nas embaixadas brasileiras em Islamabad, no Paquistão e em Teerã, no Irã.
Em novembro de 2023, no entanto, entrou em vigor no Paquistão uma política voltada para deportar cidadãos estrangeiros “sem documentos”, o que pode afetar cerca de 1,4 milhão de afegãos.
Segundo o representante do Acnur, este tipo de situação mostra a importância de um espaço de proteção internacional para uma população como a do Afeganistão e do compartilhamento de responsabilidades entre um número maior de países no acolhimento dos refugiados.