Mundo Lusíada
Nos dias 2 e 3 de março, aconteceu no Supremo Tribunal Federal – STF um seminário internacional sobre Constituições e Direitos dos Trabalhadores, que contou com a participação dos portugueses, entre outros oradores, Professores Catedráticos João Leal Amado, da Universidade de Coimbra, e Teresa Coelho Moreira, da Universidade do Minho.
A conferência de abertura do “Seminário Internacional sobre Direitos Constitucionais e Relações de Trabalho: Caminhos das Cortes Superiores para a Efetividade da Justiça Social”, foi feita pelo professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
O acadêmico João Leal Amado destacou a importância do constitucionalismo humanista e social no mundo do trabalho e a necessidade de adaptação da legislação trabalhista diante da nova era digital. Ele defendeu a segurança no emprego contra demissões arbitrárias e afirmou que a precarização das relações de trabalho não pode ser considerada algo natural. Sobre a modernização da lei trabalhista em seu país, explicou que estão em estudo propostas de alteração na Constituição portuguesa para garantir novos direitos fundamentais diante da era digital em que vivemos.
Uma delas diz respeito ao direito à efetiva desconexão profissional do trabalhador em seu período de descanso e o respeito ao princípio da transparência para a tomada de decisões com base em algoritmos ou sistemas de inteligência artificial que afetem candidatos a emprego. “Isso é um desafio muito grande a se resolver, pois se trata de uma cultura que se instalou de que um bom trabalhador é aquele disponível 24 horas”, afirmou.
Efetivação dos direitos
Abrindo o primeiro painel, “Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o sistema judicial no Direito Comparado”, o ministro do STF Alexandre de Moraes destacou que o Supremo vem se preocupando com a efetivação dos direitos sociais. Segundo ele, o STF já teve oportunidade, em alguns julgamentos, de reconhecer nos direitos sociais o próprio traço de direitos também individuais para fins de garantir os direitos sociais como cláusulas pétreas.
Modelo americano
O procurador do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) Cássio Casagrande traçou um panorama sobre como os Estados Unidos tratam as questões trabalhistas. Segundo ele, não há nos EUA uma Justiça especializada para esse fim, cabendo às Justiças federais e estaduais julgar as demandas. Em alguns casos, antes de entrar com a ação trabalhista, o cidadão recorre às agências administrativas, como a que trata da discriminação no ambiente de trabalho em virtude de orientação sexual, etnia, gênero e religião (Equal Employment Opportunity Commission).
Análise comparada
O vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6), sediado em Recife (PE), desembargador Sérgio Torres Teixeira, fez uma análise comparada sobre como o assunto é abordado no mundo. As diferenças dos modelos ficam por conta do grau de independência e autonomia dos tribunais, do modelo de graus jurisdicionais, da composição interna das cortes, do volume de causas e do número de juízes. Já as semelhanças são: preocupação com o acesso à Justiça, estímulo às soluções consensuais, celeridade na tramitação das causas e confiança no juiz de 1º grau.
Globalização
A palestra “Globalização, Desigualdades e os Sistemas Públicos de Proteção Social ao Trabalho: diagnóstico, limites e possibilidades” foi ministrada pelo professor da Universidade de Castilla La Mancha (Espanha) Francisco Trillo, e pela desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) Magda Barros Biavaschi.
O professor traçou um panorama histórico sobre a realidade trabalhista espanhola e comentou que, com o advento da pandemia da covid-19, surge a ideia da existência de um escudo social que para proteger o cidadão, de modo a ser necessário colocar o trabalho no centro da regulamentação social e econômico para, a partir deste ponto, irradiar mais cotas de igualdade e democracia.
A desembargadora, por sua vez, ressaltou que o cenário do mercado de trabalho brasileiro é marcado por milhões de cidadãos que estão fora da força de trabalho, seja na informalidade, na terceirização ou como empresários de si próprios. O reflexo disso são os graves danos aos seus direitos, em que os mais vulneráveis são as mulheres, especialmente as negras. “Um dos grandes desafios é construir uma caminhada que assegure a todos os que trabalham, independente da natureza dos serviços prestados, direitos e garantias”, resumiu.
Discriminação
Finalizando as atividades do primeiro dia do evento, a desembargadora aposentada do TRT da 4ª Região (RS) Carmem Carmino e o professor de Direito Constitucional Wallace Corbo falaram no painel sobre “Constituição da República, Direitos Fundamentais Trabalhistas e o Combate à Discriminação nas Relações de Trabalho”.
Carmen Carmino enfatizou que, no cenário atual das relações de emprego, a comunicação tecnológica e imediata vem dando ensejo a atos de verdadeiro assédio moral, seja nas relações entre colegas de trabalho, ou pelo empregador, no exercício abusivo do seu direito de orientar, fiscalizar e disciplinar a prestação individual de serviço. “É preciso ter consciência que a dignidade da pessoa humana é universal e não somente para determinadas pessoas”, concluiu.
Do Minho
No segundo dia de debates, a professora Teresa Coelho Moreira, da Universidade do Minho, em Portugal, apontou a necessidade de regulamentação de atividades nas plataformas digitais, de forma a dar efetiva proteção aos trabalhadores. Ela observou que a grande maioria da força de trabalho nessas plataformas não é de empreendedores, mas de trabalhadores precarizados, com remuneração baixa e jornada extensa. Para a professora, é essencial regulamentar esse formato de contratação e acabar com a impunidade das plataformas digitais, reconhecendo a existência de contrato de trabalho, dependendo do formato e das circunstâncias da atividade.
Ao abrir o painel “Democracia, Sindicalismo e Liberdade Sindical”, o ministro Luiz Fux, do STF, afirmou que uma das liberdades mais importantes da democracia é a que marca o relacionamento entre empregados e empregadores. Segundo Fux, a liberdade sindical traz as soluções mais adequadas, construídas a partir dos ajustes coletivos. “A democracia é diálogo, não é silêncio, mas uma voz ativa, uma concordância forjada, um debate construtivo, sobretudo quando está em jogo a valorização do trabalho humano e a liberdade sindical”, disse.
O ministro Mauricio Godinho Delgado, do TST, explicou que a ideia de liberdade sindical surgiu no século XIX como um conceito essencialmente coletivo. Para ele, a liberdade de um indivíduo isolado é bastante limitada, na medida que este tem condições econômicas, sociais, culturais, inferiores em relação ao poder econômico e político. “O ser humano apenas conseguiu vitórias significativas a partir da sua atuação coletiva”, afirmou.
O professor Sandro Lunard Nicoladeli, da Universidade Federal do Paraná, apresentou um diagnóstico das relações sindicais no mundo, resultado de pesquisa realizada pela Confederação Sindical Internacional com mais de 20 mil trabalhadores. Entre os sintomas políticos e socioeconômicos apresentados pela pesquisa está a sensação de rompimento do contrato social, o que sinaliza para uma democracia em crise. Há, segundo Lunard, uma clara necessidade dos pesquisados por proteção social, por meio do fortalecimento da legislação, do salário mínimo e dos sindicatos.
Na conferência de encerramento do seminário, a magistrada Rosa Maria Virolés Piñol, do Tribunal Supremo da Espanha, abordou a aplicação do princípio da igualdade na jurisprudência espanhola, apresentando diversos casos concretos. Ela citou julgamentos sobre a questão da discriminação de gênero nas relações de trabalho, principalmente evolvendo as mulheres, a dispensa ilegítima, o direito à indenização e a ampliação de prestação de seguridade social. “Que o princípio da igualdade alcance sua finalidade entre homens e mulheres, não só igualdade legal, mas uma igualdade real”, afirmou.
O evento foi promovido pelo STF, pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), e contou com a presença ainda do embaixador de Portugal, Luis Faro Ramos.