Por Carlos Fino
No momento em que escrevo, ainda não há resultados finais, mas as projeções não enganam:
- Merkel ganhou e foi reeleita, embora com menos votos do que esperava, tendo o seu pior resultado de sempre – a sua CDU/CSU, de centro-direita, não foi além de 33,2%, perdendo, de caminho, a Grande Coligação ao centro;
- os seus parceiros sociais-democratas do SPD tiveram o pior resultado do último meio século (20,8%), deixando o governo;
- a extrema-direita sobe para mais do dobro (13,1%), rompendo a cláusula de barreira e entrando no Parlamento pela primeira vez desde a Segunda Guerra mundial.
Para umas eleições que se previam plácidas e destinadas simplesmente a reiterar o status quo comandado pela líder conservadora alemã, há 12 anos no governo, a surpresa é total e quase equivale a uma pequena revolução. Afinal, como diz o ditado russo, é nos lagos plácidos que se esconde o diabo…
No mínimo, o establishment sofre um abanão, desfazendo-se a ideia instalada de que – houvesse o que houvesse – nada mudaria na direção política do país.
No rescaldo da noite, Merkel não escondia o desencanto com os resultados do escrutínio, confessando que “esperava um pouco mais”…
Sem maioria, a chanceler alemã vai ter agora que negociar uma difícil aliança entre a CDU/CSU, os liberais do FDP (13,2%) e os Verdes (9,3%) – nunca antes tentada a nível federal -e terá sobretudo de habituar-se a ter pela frente, no Bundestag, os aguerridos – e muitas vezes provocadores – nacionalistas da Alternativa para a Alemanha – AfD, que terão direito a uma bancada de quase 90 deputados!
Analistas locais consideram já que Berlim, sob pressão dessa força ascendente que agora ganha maior projeção política e mediática, “vai provavelmente inclinar-se à direita, sobretudo em questões de ordem e segurança”.
Merkel paga assim o preço da sua inicial política de portas abertas aos refugiados, que suscitou muitas críticas dentro e fora do país. Essa política, é verdade, foi depois corrigida, sendo introduzidas várias restrições à corrente migratória; mas o ressentimento manteve-se em largos setores da população, que deixaram de apoiar os partidos de centro, reforçando o voto nos nacionalistas. Como escrevia há dias o Der Spiegel, em amargo editorial, Merkel foi “a mãe da extrema-direita”.
Explorando um tema que lhe deu tão bons resultados, a líder da AfD, Alice Weidel, já anunciou que o seu partido irá pedir uma comissão parlamentar de inquérito sobre a política migratória de Merkel, a quem acusa de ter “colocado a Alemanha em perigo”, merecendo por isso ser julgada…
Entre os vencedores relativos da noite, há a destacar os liberais do velho FDP: conseguiram reemergir de uma série de anos de derrotas consecutivas, que quase colocaram em perigo a sua representação nacional. As projeções indicam que obterão 10% ou mais, a par do Linke, o partido da Esquerda, e dos Verdes, com 9% e 9,5% respectivamente.
Uma última nota para assinalar os reflexos do escrutínio alemão em termos europeus.
Mais debilitada no plano interno, com uma voz anti-euro dentro do próprio Bundestag, Berlim fica também mais enfraquecida no plano europeu, sendo questionável que possam, para já, avançar os projetos de reforço da integração com que os mais europeístas contavam. Adeus, mutualização das dívidas soberanas!
Como assinalou Machado de Assis, no romance Esaú e Jacó, a propósito da passagem da Monarquia à República, “as revoluções trazem sempre despesas…”
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.