Era pleno carnaval na capital do Rio de Janeiro. Forte calor e a cidade recheada de turistas que chegaram para aproveitar as várias atrações locais como a praia, as belezas naturais e as festividades de Rei Momo. Momento tenso para a administração porque, afinal, cheio de visitantes de dentro e fora do país, tudo deve andar nos trilhos, corretamente, na Cidade Maravilhosa. Ainda mais por ser ano de Copa do Mundo e o planeta estar de olho no Brasil. Então, exatamente nesse momento, irrompe uma forte manifestação popular. Os garis, essas figuras que prestam um serviço essencial para as grandes urbes, isto é, a coleta de lixo, e que tantas vezes são solenemente ignorados por todo mundo, como se fossem eles os próprios cestos de lixo ou, ainda, como se fossem ‘seres invisíveis’, desses que a gente nem identifica a existência, essa gente, resolveu reclamar melhoras em seu ofício. Especialmente sob o ponto de vista salarial. Criou-se, então, um fuzuê. O sindicato da categoria chegou a se manifestar dizendo que suas lideranças não tinham organizado aquela gritaria toda em pleno carnaval. Sim, os próprios condutores sindicais procuraram se eximir da culpa daquele ‘mico’ para a gestão do prefeito. Resultado: em alguns dias, toneladas de lixo estavam espalhadas pelas ruas de diversas regiões. Foram um destaque à parte aos desfiles das escolas de samba. A situação começou a ser destaque na imprensa internacional.
Os bravos garis cruzaram os braços para reivindicar melhorias. Eles listaram uma série de reivindicações, cujo ponto principal era o reajuste salarial de 49%. O sindicato logo se manifestou, dizendo que não seria necessário avançar com aquilo, pois, havia feito um acordo de dissídio coletivo com a prefeitura. O acordo previu reajuste salarial de 9% o que resultaria, a partir de abril, um piso salarial de R$ 874,79 mais 40% de adicional de insalubridade, totalizando R$ 1.224,70 de salário. Porém, os grevistas avisaram que o sindicato não os representava. A administração municipal, por sua vez, alegou que só poderia negociar com entidade representativa formal, ou seja, o sindicato, que para a categoria não tinha legitimidade. A Justiça do Trabalho foi acionada e o Ministério Público do Trabalho decidiu intermediar a negociação. Os garis alertaram: queriam mil e duzentos reais, mais os quarenta por cento de insalubridade. Afinal, trabalham na chuva, no sol, no vento, em eventos como carnaval, réveillon e Natal. Vida dura.
A Comlurb – Companhia Municipal de Limpeza Urbana negava veementemente que estivesse evitando o diálogo. O movimento insistiu em reabrir negociações e rediscutir os valores. Caso contrário, a greve não iria parar. E alertou que 6 mil garis, aproximadamente, tinham assumido a greve na cidade. A administração dizia que não passava de 300 pessoas. O prefeito Eduardo Paes, inclusive, afirmou na quarta feira, dia 5, que não havia greve e, sim, a ação de um ‘grupo de delinqüentes’ que resolveu atormentar o cenário, aproveitando o período das festas. Em meio ao debate o lixo foi se amontoando e o mal-estar se ampliando. Paes, então, esquentou de vez o ambiente. Passou a coagir e a ameaçar os garis. Disse que a prefeitura contrataria empresas de segurança privada para acompanhar as equipes de coleta de lixo, numa tentativa de impedir ações de repressão e garantir a limpeza da cidade. No sábado, dia 8, Paes pela manhã e início da tarde em várias entrevistas na mídia, reiterou as afirmações e desqualificou o movimento, chamando-o de “motim”. Pois bem. O fato é que, em algumas horas adiante naquele mesmo dia, os ‘delinqüentes amotinados’, na versão de Paes, conquistaram uma sensacional vitória nesse enfrentamento com a prefeitura e o próprio sindicato. Arrebataram um acordo de reajuste de 37%, fora outros benefícios.
Foi um índice de reajuste de 28 pontos percentuais acima do que se sustentava ao longo de todos aqueles dias. O piso salarial saiu dos R$ 800 para R$ 1.100, mais 40% de insalubridade, além do significativo reajuste no vale-alimentação, que passou de R$ 12 para R$ 20. Aparentemente, claro, pode-se dizer que ainda são valores baixos para um serviço tão importante. Contudo, dentro das resistências existentes foi um avanço excelente. À noite do próprio sábado, o chefe da Casa Civil municipal mudava o tom e aparecia sorridente elogiando os garis e dizendo que, apesar do impacto de R$ 400 milhões no orçamento da companhia, com esforço, iriam pagar a elevação de 37% nos salários.
A população do Rio de Janeiro em geral posicionou-se a favor dos grevistas ao enfrentarem o executivo municipal e também o próprio sindicato que já havia feito um acordo com a gestão, muito aquém daquilo que foi conseguido pelos próprios trabalhadores organizados e unidos por uma causa em que acreditaram. Eles não se apresentaram mascarados ou violentos e sim, sempre, com seus uniformes laranja. Enfrentaram as críticas da mídia conservadora e também dos munícipes insatisfeitos. Foram tenazes em suas convicções e ganharam muitos adeptos fora de sua categoria trabalhadora, que se sensibilizaram com suas reivindicações. Um ótimo exemplo para a população não ‘baixar a guarda’ em suas convicções mais justas. Foi uma bela lição da luta democrática. E temos eleições neste ano! 2014 promete… São Paulo, 13 de março de 2014
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.