A Reforma Tributária Possível

Não estou convencido de que as propostas de minirreforma tributária sinalizada por autoridades e especialistas possam simplificar o sistema e acarretar a redução do nível de imposição.
Muito embora convencido de que a carga burocrática de nossa Federação não cabe no PIB, condicionando o elevado percentual de tributação no país, não vejo como possa ser reduzida, sem enfrentar o principal problema do sistema tributário, que é a guerra fiscal, provocada a partir do equívoco inicial dos formuladores da EC. nº 18/65, de que seria possível “regionalizar” um tributo de “vocação nacional”, mediante o princípio geral do valor agregado, ou melhor, da não cumulatividade.
Considero que a guerra fiscal, mesmo que atalhada, agora e em parte, pela Suprema Corte, necessita encontrar solução dentro de uma reforma que, sem retirar o direito impositivo dos Estados de administrarem o ICMS, equacione as pendências passadas, sobre as quais o Pretório Excelso não se debruçou. Implica definir a tributação futura, sem aumentar necessariamente a carga – que a fórmula hoje em discussão no governo fatalmente promoverá -mediante a alteração do regime das operações interestaduais, de misto (parte beneficiando a origem e parte o destino) para regime preponderante de destino, com uma pequena compensação aos Estados exportadores líquidos, em torno de 2% do arrecadado.
Em outras palavras: se o sistema atual vier a ser alterado para o regime de destino, propiciará aos Estados “importadores líquidos” (compram mais do que vendem) um benefício real, e aos Estados “exportadores líquidos” (vendem mais do que compram) um prejuízo efetivo, calculando-se, na melhor das hipóteses, uma queda da arrecadação superior a 10%, somente para o Estado de São Paulo.
A solução acenada, nas diversas propostas anteriores, de uma compensação a ser ofertada pela União, à evidência acarretaria um aumento da carga tributária. É que, além de a União ter necessidade dos tributos que ora arrecada, para fazer face a sua estrutura burocrática, necessitaria arrecadar mais para compensar os Estados perdedores, sendo, ainda, conhecida a enorme dificuldade em calcular-se o real prejuízo que decorreria deste sistema e sua justa reposição. Tome-se em conta, por exemplo, as compensações prometidas pela União aos Estados, quando da lei complementar n. 87/96, até hoje contestadas por todos eles, que se consideram lesados, por terem perdido arrecadação, sem que houvesse uma justa compensação por parte da União em relação a eliminação do ICMS incidente sobre a exportação de produtos semi-elaborados.
Um outro problema apareceria, também. Os Estados “exportadores líquidos” perderiam a autonomia absoluta na Administração de seu imposto, pois parte de sua arrecadação ficaria na dependência da União. Pessoalmente, não vejo qualquer viabilidade, em teoria ou na prática, de se colocar um percentual na Constituição, na Lei Complementar ou na Lei Ordinária para quantificar os exatos valores das perdas dos Estados exportadores líquidos a serem compensados.
O certo é que, ganhando os “Estados importadores líquidos” e perdendo os “Estados exportadores líquidos”, se se adotasse o regime de destino do ICMS, teríamos um aumento da carga, em face da necessidade da União em arrecadar mais para compensar os Estados perdedores de receita.
É de se lembrar, ainda, que o regime de destino implica jogar o trabalho arrecadatório para o Estado exportador de mercadorias e serviços definidos na lei maior, sendo que o beneficiário será o Estado importador, que receberá o tributo, sem a necessidade de trabalhar para arrecadá-lo.
Bernardo Appy, em seu anteprojeto, pensou em retirar parte do aumento de arrecadação dos Estados beneficiários para formar um Fundo de compensação, algo também de difícil implantação, levando-se em consideração que poderá haver em relação a tais operações interestaduais, um interesse menor de fiscalização por parte do Estado exportador do tributo, que terá que fiscalizar e arrecadar, não em benefício próprio, mas do Estado destinatário das mercadorias.
Embora a decisão da Suprema Corte, que considerou inconstitucional “a guerra fiscal”, tenha acelerado o processo de discussão, deverá – se não houver uma modulação de seus efeitos, ou seja, a determinação de que a decisão valerá para o futuro, em todos os casos – acarretar problemas profundos para todas as empresas que se estabeleceram em Estados, cuja lei foi considerada inconstitucional.
Esta é a razão pela qual volto para o ponto crucial: o nó górdio de qualquer reforma tributária é manter-se o regime misto, com percentual a ser ainda definido para Estados de origem e de destino, com dois complementos apenas, ou seja, alíquota única para todo o território nacional e vedação absoluta à concessão de estímulos fiscais e financeiros, via ICMS, pois se trata de um imposto de vocação nacional, que, no Brasil – gritante exceção no concerto das nações -, foi regionalizado. Trata-se de proposta que apresentei quando participei de audiência pública no Congresso Nacional e que defendi, depois dela, junto aos parlamentares.
Por outro lado, os incentivos passados deveriam ser mantidos até a promulgação de Emenda Constitucional, não prevalecendo, todavia, para o futuro. Essa solução parece melhor do que aquela que, no momento, pesa sobre todas as empresas que corresponderam à oferta de estímulos fiscais por parte dos Estados e que podem velos invalidados pelos últimos cinco anos.
Seria, a meu ver, a forma correta de começarmos uma reforma tributária, sem a necessidade de aumentar-se a carga tributária em uma Federação, cujo tamanho, repito, é maior do que seu PIB.

Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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