A passeata dos golpistas

No ‘mundo paralelo’ das redes sociais na Internet, que a União Internacional de Telecomunicações calculou em 2012 estar além das 2,7 bilhões de participantes, muitas vezes as pessoas manifestam-se de maneira diferente de como usualmente fazem no ‘mundo real’, dada a liberdade que o ciberespaço oferece para isso. Assim, atualmente, tem sido comum observarmos a multiplicação de postagens de gente ‘saudosa’ da ditadura militar ou mesmo a favor de um novo golpe de Estado, por mais incrível que isso possa parecer. E essa gente, agora, pretende trazer para a rua esse desejo.

Em 18 de março a Gazeta do Povo, do Paraná, cedeu espaço em suas páginas para publicar a carta dos organizadores da nova ‘marcha da família com Deus’, reeditando aquela passeata que antecedeu a quartelada de 1964. Chamando o atual governo de ‘tirano’ e alegando que o país encontra-se ‘em situação deplorável’, diz que é hora de “tomar medidas extremas para cortar esse mal pela raiz. [e não há] outra alternativa que não seja uma intervenção militar constitucional”. Contra um governo ‘traidor’ “as Forças Armadas têm obrigação de ficar contra o governo.” Pedem a cabeça de Dilma e do vice Temer, a “dissolução de todos os partidos e organizações integrantes ou apoiadores do Foro de São Paulo; a intervenção em todos os governos estaduais e municipais e seus respectivos legislativos”; além de também conclamar por “um plebiscito prévio sobre regime de governo”, para escolher entre república presidencialista, república parlamentarista ou restauração da monarquia constitucional parlamentarista! A carta, por outro lado, está cheia de elogios aos militares, pela ordem e progresso que promoveram no país durante sua permanência. “Eles nos livraram do inferno”, afirmam. Então, chegamos à seguinte conclusão: ou são mal informados ou são mal intencionados mesmo.

Em 1963, com o cenário muito conturbado o país teve um crescimento de 0,6% com inflação a 83%. Investimentos não ocorreram e a economia parou por falta de articulação. Havia muita insegurança. Após a derrubada do presidente Jango, de imediato os militares fizeram reformas como a criação da correção monetária e do Banco Central. Houve forte apoio para a entrada do capital estrangeiro, ampliando o que havia acontecido no período de JK. Daí, entre 68 e 73, aconteceu o famoso ‘milagre econômico’, que é tão festejado, com taxas de crescimento acima de 10% ao ano. No período, a taxa de crescimento econômico ficou em torno de 10%, com picos de 14%, e a indústria de transformação expandiu quase 25%. Motivos: além de o sistema financeiro brasileiro ter se reorganizado, havia alta liquidez internacional e prosperidade no comércio mundial. Tudo dava certo. Ou, quase tudo. Os militares resolveram manter as bases que usavam para continuar o crescimento, isto é, captando recursos no mundo, mesmo após a crise do petróleo em 74. Os juros explodiram e a economia brasileira não suportou e foi tragada pela especulação internacional. Os anos 80, então, passaram a ser conhecidos como ‘década perdida’, com fortes dívidas externa e interna, além de inflação galopante. E, é bom também lembrar que, com a repressão militar, as questões sociais se agravaram havendo aumento na concentração de renda e deterioração dos indicadores de bem-estar social.

Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os 20% dos brasileiros mais pobres tinham 3,9% do total da renda nacional em 1960. Vinte anos depois, em 1980, esse mesmo um quinto da população concentrava apenas 2,8% de toda a renda produzida no país. O Brasil estava ficando mais rico, porém, com poucos usufruindo disso. Em 1974, após a euforia, o salário mínimo tinha a metade do poder de compra de 1960. Curiosamente, hoje, às vésperas dos 50 anos do golpe da ditadura, o país depara-se com um fato revelador: a distribuição de renda, medida pelo índice Gini, voltou praticamente ao que era em 1960. Antes do golpe. Segundo o IPEA- Inst. de Pesquisa Econômica Aplicada, a economia brasileira poderia assim estar hoje em patamar mais avançado em termos de renda, de mercado e de investimentos, não fossem as políticas de concentração dos anos 60 e 70, as dívidas resultantes nos 80 e as hiperinflações que comeram a renda, principalmente das classes mais baixas, entre o final da década de 80 e a primeira metade dos anos 90. Portanto, não precisaríamos ter passado por tamanha violência. Sim, claro, não esqueçamos que os militares não atuaram sozinhos. Eles tiveram o apoio de vários segmentos da sociedade, inclusive sendo financiados por empresários nativos e estrangeiros. Corrupção e violência não faltaram, como tem documentado nos últimos anos as Comissões da Verdade. Apenas, obviamente, não eram fatos escancarados, como propicia a democracia que eles não suportam tolerar. (Leiam https://www.mundolusiada.com.br/colunas/economia-cultura-e-sociedade/democracia-ruim-com-ela-pior-sem-ela/ ) Inclusive é bom alertar que, numa ditadura, nada garante também a liberdade de expressão na internet como, no caso, se tem hoje.

Há muito que se fazer no país, mas as transformações precisam ocorrer com a participação popular, não com as golpes militares. Recomendaria a esse pessoal que, ao invés de ir a passeatas, fosse estudar, obter conhecimento, para não ficar dizendo tanta bobagem por aí. São Paulo, 20 de março de 2014

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

1 comentário em “A passeata dos golpistas”

  1. Gente afetada e restrita às ideologias utópicas têm contribuindo para piorar o mundo. Todo salafrário gosta de uma boa baderna, ferramenta pra revolução anacrônica. Nada de golpe, mas se continuar a imbecilidade comunista, algo deve ser feito, inclusive o que não se quer, em primeiro momento.

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