A Pá De Cal Que Faltava Chegou

O dia 31 de Agosto de 2016 tornou-se mais uma infeliz data para a história do País. Novamente a democracia sofreu duro golpe dentro de sua frágil e curta existência. Em 126 anos de vida republicana, 36 governantes estiveram no poder; apenas um terço deles foi eleito diretamente e terminou o mandato. Nos últimos 90 anos, foram 25 os que passaram pela cadeira de presidente e neste período somente 5 foram eleitos e permaneceram até o final de seus períodos estabelecidos. Dilma Rousseff, em sua segunda gestão, passou a fazer parte da estatística dos que foram depostos.

A chuvosa e fria quarta feira em terras paulistanas assistiu à distância os acontecimentos em Brasília. E o Congresso confirmou o já esperado: em sessão liderada pelo presidente do STF – Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, a presidenta Dilma, primeira mulher no País a exercer tal função, foi julgada e condenada, sofrendo o impeachment de seu mandato pela contagem de 61 votos a favor contra 20. Eleita por 54,5 milhões de cidadãos em 2015, ela tornou-se o segundo mandatário a receber tal penalidade. Desta forma, Michel Temer (PMDB/SP), o vice que assumiu a interinidade desde 12 de maio, foi empossado por Renan Calheiros (PMDB/AL), presidente do Senado, para seguir por dois anos e três meses no cargo. Com a saída de Dilma, encerra-se o ciclo de 13 anos de governos petistas, com forte característica popular onde, um dos marcos, foi ter livrado o País do “Mapa da Fome” da ONU.

Vale lembrar que em 2015, numa forte pressão da oposição, derrotada sucessivamente nas últimas 4 eleições, munida pela ação da grande imprensa comercial e o fraco desempenho econômico dos últimos tempos, mais de 30 pedidos de impedimento foram levados à Câmara Federal sendo que, então, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), líder da casa e hoje afastado por suspeita de corrupção, acolheu somente o que foi apresentado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr e Janaína Paschoal, em 21 de outubro. A presidenta passou a ser acusada de crime de responsabilidade fiscal e de edição de decretos sem autorização do Legislativo, as chamadas ‘pedaladas fiscais’. Na penúltima fase, quando da relatoria no Senado para aprovação ou não da votação derradeira, o responsável pelo texto, Antonio Anastasia (PSDB/MG) imputou crime a ela, sendo que ele próprio quando governador e mais 16 outros executivos praticaram o mesmo ato sem serem admoestados pelas auditorias contábeis e justiça, numa flagrante contradição.

A Frente Brasil Popular, que reúne movimentos sociais e entidades sindicais, afirmou que o acontecido representa o maior retrocesso político do País desde o golpe de 1964, sendo uma ação contra a Constituição, a soberania popular e a classe trabalhadora. O propósito do fato, no entendimento do grupo, é “privatizar o pré-sal, as companhias estatais e os bancos públicos, além de vender nossas terras para estrangeiros, comprometendo a produção nacional de alimentos e o controle sobre as águas […] A agenda dos usurpadores rasga as garantias da Constituição de 1988 e afronta as conquistas obtidas durantes os governos populares para favorecer os interesses das oligarquias financeiras, industriais, agrárias e midiáticas, aumentando seus lucros em detrimento dos trabalhadores e das camadas médias”, falou à Agência Brasil.

Para muita gente, o que esta semana registrou foi uma grande farsa. Condenaram uma pessoa sem existir uma prova irrepreensível do crime e, apesar dos ritos jurídicos, do verniz de seriedade, o resultado era conhecido, faltando apenas o placar exato. O jornalista Jânio de Freitas, da Folha de S. Paulo, lembrou que Lewandowsky reiterou diversas vezes que nessa fase final o Senado estava transformado em júri. Assim, cada um de seus membros tornou-se juiz e, desta maneira, deveria cumprir seu papel corretamente, revelando seu voto apenas após a reflexão sobre todas as considerações feitas no prazo dado dentro do previsto pela Lei. Mas, o que se viu foi exatamente o contrário. Pelo menos 70 de seus membros já estavam decididos antes do processo se efetivar. Por conseguinte, as argumentações da defesa e o desmoronamento técnico e moral das acusações de ‘pedaladas’ ou ‘responsabilidade criminal’ ao longo dos dias de trabalho não importaram em nada. Foi um julgamento viciado. Como afirmou o tarimbado jornalista, portanto, “sujeito a invalidação”. Um “desastre institucional” escreveu. E, reforçando a tese da pouca sobriedade no processo, logo após concluída a votação pelo impedimento contra Dilma, os senadores votaram se ficaria automaticamente inabilitada para assumir funções públicas por oito anos. Então, paradoxalmente, ela venceu: o plenário a isentou, para o desespero dos mais próximos a Temer e Aécio, preservando seus direitos políticos. Articulado pela ex-ministra Kátia Abreu (PMDB/TO) e o próprio Renan Calheiros, o acontecimento foi compreendido como uma espécie de reação pelo ‘constrangimento’ existente com a decisão de afastá-la definitivamente que teria movido os parlamentares. Dezesseis daqueles algozes pelo impeachment nesta situação voltaram atrás e a apoiaram. Um exemplo foi a entrevista de Acir Gurgacz (PDT/RO) à TV Senado dizendo que “Temos convicção de que não há crime de responsabilidade neste processo. Mas falta governabilidade” (ver em http://extra.globo.com/noticias/brasil/senador-que-votou-favor-do-impeachment-afirma-que-dilma-nao-cometeu-crime-video-20027759.html ) É o fim da Nova República – o pós-ditadura de 1964 – para o início da República dos Canalhas?

O ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa, chamou o impeachment de patético nas redes sociais. O jornal dos EUA The New York Times publicou editorial dizendo que será “uma vergonha se a história provar” que Dilma estava certa ao dizer ser vítima de uma tentativa de “uma coalizão de políticos homens de direita, eles mesmos manchados por denúncias de corrupção, de se apoderar do processo político”. A Agência DW, da Alemanha, escreveu que os mais importantes jornais e revistas daquele país questionaram a legitimidade do impeachment. Apesar da blindagem midiática, a BBC Brasil aponta que a reprovação popular de Temer chegou a 68% em agosto.

Nas ruas, de imediato, milhares de pessoas foram protestar pelo encaminhamento dos fatos e a repressão das polícias foi severa. Novas manifestações e greves estão sendo marcadas. O ar está tenso. É tudo muito sombrio e triste. São Paulo, 2 de setembro de 2016

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *