A Intervenção na Síria

Os Estados Unidos da América são um país que se tornou independente da Inglaterra no ano de 1776. Eles foram o primeiro estado nacional que nasceu fora da Europa. Mas, apesar disso, durante alguns anos, se sentiram ameaçados pelas potências estrangeiras, caso da Inglaterra e da França, que lutavam pela liderança mundial. Atentos e determinados resistiram às intempéries da geopolítica e avançaram. Fizeram progresso dentro do período da chamada Revolução Industrial. Sua economia se consolidou aos poucos e expandiu durante o século XIX, mesmo passando por uma luta civil interna, a Guerra de Secessão. Mais que isso, esta estrutura que foram organizando internamente foi feita em conjunto com a liderança de uma elite coesa, unida, com visão de expansionismo político e territorial, que deveria se utilizar da diplomacia, do comércio e da guerra, sem maiores cerimônias.

Do ponto de vista geopolítico interno, antes da própria guerra civil da secessão, eles travaram uma guerra contra os antigos habitantes da região, os chamados pele-vermelhas, que inúmeras vezes vemos aparecer como bandidos nas fitas de cinema. Foram as “guerras indígenas”, que acabaram por ‘pacificar’ o território. Conforme podemos ver em trabalhos de Hunt & Sherman “História do Pensamento Econômico” e dos textos do prof. José Luiz Fiori, UFRJ, ocorreram as Guerras do Texas e do México, em 1837 e 1846, responsáveis pela duplicação do território americano. Mais à frente, vieram a citada Guerra Civil e a Guerra Hispano-Americana, e uma porção de intervenções militares no Caribe. E isto se acelerou ao longo do século XX, alcançando Europa, Ásia, Oriente Médio e África. Assim, notem bem, nos cerca de 250 anos após sua independência, os EUA iniciaram – em média – uma guerra a cada três anos, exatamente igual como a Inglaterra, sua antiga metrópole. E sempre propagando a ideia que luta por uma ‘ética internacional’ que regulam as ‘guerras justas’ e o ‘livre comercio’.

Nos últimos dias, os EUA aparecem nos noticiários por conta da insistência na intervenção militar sobre a Síria, país governado pelo ditador Bachar el Assad, acusado de massacrar a oposição e usar armas químicas contra a população, como é o caso de Zamalka, próximo a Damasco. Um efeito da chamada ‘Primavera Árabe’, movimentos sociais que explodiram em vários países no Oriente Médio há cerca de três anos questionando as ditaduras locais e as dificuldades de vida, do desemprego e afins. Este desejo dos EUA tem com base o capítulo 7 da Carta da ONU, que permite o uso de todos os meios, inclusive uma ação militar, para assegurar a aplicação do que for decidido pelo Conselho de Segurança. Mas, apesar da grande disposição do governo Obama no ataque pela defesa dos direitos humanos naquele país, a Comissão Internacional Independente de Investigação do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para a Síria publicou um relatório em 11 de Setembro. O documento, concluído em agosto, afirma que os grupos armados e as forças do governo cometeram crimes de guerra e crimes contra a humanidade, mas ressalta que não há uma solução militar para o conflito, ao retomar a urgência de uma opção política. Frustra-se, ao menos por enquanto, a tentativa da máquina de guerra dos estadunidenses.

A Agência iraniana Press TV, noticiou poucas horas depois da publicação, que o governo da República Islâmica do Irã apoia a chamada por uma solução política contra uma ação militar na Síria. A ONU afirma que “são os civis que continuam a pagar o preço pelo fracasso das negociações sobre o fim do conflito. Mais de 6 milhões de sírios fugiram de suas casas. Comunidades inteiras agora vivem em tends ou contêineres fora das fronteiras da Síria, com milhões deslocados dentro do país. É uma sociedade arrasada”.

A Síria é governada por uma minoria alauita, uma vertente islâmica no poder desde 1963 e que tem diálogo tranquilo com o cristianismo e uma vida mais ‘arejada’ para sua população, diferente de outros governos do oriente médio onde é comum o uso da burka ou outros elementos culturais mais ortodoxos. Os alauitas podem ser considerados como a elite econômica e política da Síria, possuindo também uma posição privilegiada nas forças armadas. O governo sírio é apoiado pelo Irã, com poder xiita, assim como pela China e a Rússia. A Síria é um país que durante o século XX manteve relações amistosas com a URSS, opositora dos EUA no período da ‘Guerra Fria’.

A situação é, portanto, muito complicada. A Síria é uma ditadura e tem, como agravante, as acusações de uso de armas químicas pelo governo contra a oposição. Isto é um crime humanitário e precisa ser combatido. Mas, a intervenção dos EUA não parece ser também a mais adequada solução, por conta de uma população que não enxerga o país ocidental com bons olhos há muito e poderia gerar nova guerra sem fim, como o Iraque se exemplifica após sua invasão e execução de Saddam Houssein. E mesmo porque os aliados Rússia e China não suportarão ver a ação norte-americana em território de sua geopolítica. Uma perspectiva tenebrosa. A ONU precisa articular com maior rapidez a solução negociada e as punições aos responsáveis pelos crimes humanitários. De todo modo, neste imenso problema, veem-se ecos fortes da velha ‘Guerra Fria’ ainda pairarem sobre o mundo globalizado. Cada vez mais, então, se faz necessária a presença de instâncias multilaterais que discutam procedimentos, ao invés do papel de ‘xerife’ de potências como os EUA, hoje o grande império hegemônico, sempre prontos a atacar pela ‘democracia e direitos dos indivíduos’, como a história registrou com muita frequência e vimos no princípio. Se foram importantes outrora, caso do confronto com o nazi-fascismo, agora é a hora da construção do diálogo entre os blocos de nações e a aposta em um mundo mais solidário e sustentável, o que implica em ouvir outros povos, outros discursos, outras demandas serem mais participativas. A Síria que o diga. São Paulo, 25 de setembro de 2013

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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