Nova obra do historiador britânico Kenneth Maxwell analisa a trajetória do Brasil no século XXI e reconstitui a história da conjuração mineira de 1789.
Por Adelto Gonçalves (*)
I
Uma revisão, praticamente, completa da chamada Inconfidência Mineira – até porque, em História, nunca se pode definir um estudo como completo porque sempre haverá a possibilidade de se localizar documentos esquecidos ou perdidos – é o que o leitor vai encontrar no longo ensaio “Imagined Republics: the United States of America, France, and Brazil (1776-1792)”, que constitui a segunda parte de Brazil in a Changing World Order – Essays by Kenneth Maxwell (Robbin Laird, editor, Second Line of Defense, 2024), obra que acaba de sair à luz na Inglaterra e que, por sua importância capital, está a exigir a sua publicação o mais rápido possível por uma editora brasileira.
Já a primeira parte reúne breves textos escritos entre 2011 e 2024 sobre a conjuntura política no Brasil, especialmente os acontecimentos que levaram ao impeachment da presidente Dilma Roussef, à prisão do então ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e à eleição de Jair Bolsonaro, o assim chamado “Tropical Trump”, bem como a eleição pela terceira vez de Lula para a presidência da República, sem deixar de discutir a atuaçã ;o do Brics, pretenso bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, entre outros temas, inclusive um primoroso texto sobre as relações militares entre Brasil e Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Responsável por obras fundamentais para o estudo do movimento ocorrido em Minas Gerais em 1789, ano da Revolução Francesa, como A Devassa da Devassa (Rio de Janeitro, Editora Paz e Terra, 1977), seu primeiro livro, publicado em 1973 sob o título Conflicts and Conspiracies: Brazil and Portugal, 1750-1808 (Cambridge University Press), Chocolate, piratas e outros malandros (Editora Paz e Terra, 1999) e Mais malandros</ i> e outros – ensaios tropicais (Editora Paz e Terra, 2005), Maxwell é autor de outros títulos igualmente imprescindíveis para o conhecimento do que foi o século XVIII português, como Marquês de Pombal – Paradoxo do Iluminismo (1996), ou ainda o que representou a precoce aventura imperial de Portugal na África, na Ásia e nas Américas, de que Naked Tropics: Essays on Empire and Other Rogues (2003) é outro imperdível exemplo.
II
Nem por isso Maxwell se imagina dono da palavra final sobre a História de Portugal e do Brasil, como se deduz do excepcional estudo que mostra como uma obra publicada na França por iniciativa de Benjamin Franklin (1706-1790), um dos fundadores dos Estados Unidos e um dos líderes da Revolução Americana (1776), inspirou os conspiradores de 1788-1789 em Minas Gerais. Trata-se de Recueil des Loix Constitutives des Etats–Unis, ou apenas “Recueil”, obra que cir culou entre os insurgentes, como comprova o exemplar que desde 1989 faz parte do acervo da Casa do Pilar do Museu da Inconfidência em Ouro Preto, a antiga Vila Rica, e que foi trazido de Birmingham, Inglaterra, pelo inconfidente José Álvares Maciel (1760-1804), em 1788.
Neste longo ensaio que constitui a segunda parte da obra, o estudioso não deixa de citar livros de outros historiadores que, a partir da leitura do seu clássico A Devassa da Devassa, igualmente localizaram documentos que são discorridos em uma centena de notas de rodapé e que permitem uma análise ainda mais aprofundada do que representou o século XVIII no mundo português. E que, enfim, permitem concluir que, por trás dos ideais do inconfidentes, havia também int eresses subalternos, como os dos grandes arrematantes de contratos João Rodrigues de Macedo (1739-1807) e Joaquim Silvério dos Reis (1756-1819), que se haviam tornado grossos devedores, ao deixar de repassar para o Erário Régio os tributos que recolhiam em seu nome. Ou seja, a corrupção que se vê hoje em dia vem mesmo de longe e faz parte da própria formação do País.
Aliás, esse teria sido o verdadeiro motivo do fracasso da conspiração, pois, ao que tudo indica, Silvério, diante da indecisão do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade (1752-1808), comandante dos Dragões de Minas, em colocar a rebelião nas ruas, decidira pular para o outro lado, sempre pensando no perdão de suas dívidas.
III
A par disso, com base em documentos de arquivo, Maxwell expõe também que, por trás dos ideais republicanos, estava principalmente o exemplo dos americanos do Norte, como fica claro na carta que um insurgente, José Joaquim Maia e Barbalho (1757-1788), então estudante na Universidade de Montpellier, encaminhou em outubro de 1786 a Thomas Jefferson (1743-1826), autor da declaração de independência dos Estados Unidos, que à época representava seu país em Paris. Nessa carta, atrá s do pseudônimo Vendek, esse estudante apresentava a necessidade que os insurgentes tinham de um apoio decisivo da “poderosa nação”. E acrescentava: “Eles consideram a Revolução Norte-Americana um precedente para a deles. Eles olham para os Estados Unidos como quem têm maior probabilidade de lhes dar apoio honesto e, por uma variedade de considerações, têm as mais fortes razões para atuar em nosso favor”. Para Vendek, as capitanias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia instigariam o levante e esperava-se que as outras seguissem o exemplo.
Maxwell cita também Eleutério José Delfim (1769-?), outro estudante brasileiro em Montpellier, filho de Antônio José Delfim, grande empreiteiro de obras públicas no Rio de Janeiro e influente intermediário no comércio de escravos com Moçambique. Era alegado que o jovem Delfim teria levado, em 1786, carta de apresentação da maçonaria do Rio de Janeiro para que Maia e Barbalho pudesse se aproximar de Thomas Jefferson, hipótese que o autor considera improváv el, observando que “não há evidência confiável de influência maçônica em 1788”.
De fato, Maxwell demonstra em suas notas de rodapé que, nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, publicados pelo governo de Minas Gerais nos anos 1970/80, as observações de um dos editores, Tarquínio J.B. de Oliveira (1915-1980), a respeito da influência maçônica na Inconfidência, não são confiáveis. Mas acrescenta que as notas de rodapé do outro editor, o historiador Herculano Gomes Mathias (1916-2002), s&atild e;o inteiramente confiáveis.
Maxwell prefere ficar com a hipótese segundo a qual havia mais interesse em estimular a separação das capitanias brasileiras do reino de Portugal por parte dos mercadores do porto francês de Bordeaux, que já se haviam se beneficiado enormemente do comércio de escravos (slave trade) com a África Ocidental e a colônia francesa de São Domingos. Nesse caso, Delfim teria ido lá para reforçar os laços comerciais de sua família com aqueles mercadores .
Esse Eleutério José Delfim, que por muito tempo ficou esquecido na História, haveria de se instalar na ilha de Moçambique e, por coincidência ou não, foi a partir de sua chegada que o tráfico de escravos com o Rio de Janeiro haveria de crescer de maneira extraordinária. Aliás, em pouco tempo, ele viria a se tornar um dos grandes comerciantes negreiros da ilha.
Outro detalhe é que Eleutério José Delfim haveria de ficar com a carta-patente de “tenente-coronel da infantaria auxiliar”, cargo vago no ano de 1793 por falecimento de Alexandre Roberto Mascarenhas (1753-1793), sogro do poeta Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), ex-ouvidor em Vila Rica, que para lá fora deportado como punição por sua participação nos conciliábulos da projetada conjuração mineira, acusado por Silvério dos Reis “de ter trabalhado na preparação da dita insurreição, preparando as leis que iriam regular o novo governo”.
IV
Maxwell lembra que das discussões entre os conspiradores, entre o final de 1788 e o início de 1789, durante o período anterior à prevista imposição da “derrama”, participaram magistrados, advogados, comerciantes e clérigos, mas o que se destaca é “a inspiração ditada pelo exemplo da independência das 13 colônias britânicas na América do Norte, a influência da constituição do Estados Unidos, especialmente a constituiç&a tilde;o da Pennsylvania de 1776, bem como o papel de escritores como o abade Raynal (1713-1796), inclusive sua obra A Revolução na América”, e o comentário do abade Mably (1709-1785) sobre a constituição dos norte-americanos publicado em Recueil”.
Mais adiante, Maxwell observa que os conspiradores mineiros, aparentemente, nunca fizeram nenhuma abordagem com o governo britânico nem com o francês. “Suas esperanças repousavam nos Estados Unidos”, garante. No entanto, ressalta que Thomas Jefferson concluiria que os interesses dos Estados Unidos estariam mais bem servidos se o bom relacionamento que havia com Portugal fosse mantido do que encorajar uma aventura de risco na América do Sul.
No extenso ensaio, o historiador vai além da conjuração mineira de 1789, ampliando sua análise a respeito da influência que a “Recueil” exerceu sobre outros acontecimentos mundiais. Por isso, considera o exemplar trazido por José Álvares Maciel, no qual constam anotações provavelmente feitas por Gonzaga e também pelo poeta, advogado, fazendeiro e minerador Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), que morreu em circunstâncias suspeitas na casa do arrematante Jo& atilde;o Rodrigues de Macedo, como “o mais precioso documento guardado nos arquivos da Casa do Pilar do Museu da Inconfidência”.
V
Kenneth Maxwell foi diretor e fundador do Programa de Estudos Brasileiros do Centro David Rockefeller de Estudos Latino-Americanos (DRCLAS), da Universidade de Harvard (2006-2008), e professor do Departamento de História de Harvard (2004-2008). De 1989 a 2004, foi diretor do Programa para a América Latina no Conselho de Relações Exteriores e, em 1995, tornou-se o primeiro titular da cátedra Nelson e David Rockefeller em Estudos Interamericanos. Atuou como vice-presidente e diretor de Estudos do Conselho em 1996. Lecionou anteriormente nas universidades de Yale, Princeton, Columbia e Kansas.
Fundou e foi diretor do Centro Camões para o Mundo de Língua Portuguesa da Universidade de Columbia e foi diretor de Programa da Tinker Foundation, Inc. De 1993 a 2004, foi revisor de livros do Hemisfério Ocidental para Relações Exteriores desta fundação. É colaborador regular da New York Review of Books e foi colunista semanal entre 2007 e 2015 do jornal Folha de S.Paulo e é colunista mensal do O Globo desde 2015.
Foi ainda Herodotus fellow no Instituto de Estudos Avançados de Princeton e Guggenheim fellow e membro do Conselho de Administração da The Tinker Foundation, Inc. e do Conselho Consultivo da Fundação Luso-Americana. Também é membro dos Conselhos Consultivos da Brazil Foundation e da Human Rights Watch/Americas. Fez bacharelado e mestrado no St. John’s College, Cambridge University, e mestrado e doutorado na Universidade de Princeton. É colaborador regular do site Second Line of Defense.
Em maio de 2004, renunciou ao cargo de diretor de Estudos Latino-Americanos do Conselho de Relações Exteriores de Nova York por ter criticado Henry Kissinger (1923-2023), ex-secretário de estado dos Estados Unidos (1973-1977), em resenha de livro sobre o golpe militar encabeçado por Augusto Pinochet (1915-2006), no Chile, em 1973, e de não ter tido uma resposta publicada na revista Foreign Affairs.
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Brazil in a Changing World Order – Essays by Kenneth Maxwell. Londres, Robbin Laird, editor, Second Line of Defense, 348 páginas, 2024, Amazon: paperback: $ 15,95; hardcover: $ 24,95. Site da editora: https://sldinfo.com/bookshop/ E-mail do autor: [email protected]
Por Adelto Gonçalves
Jornalista e historiador, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Fernando Pessoa: a Voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia B rasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: [email protected].