Sou parlamentarista. Na Constituinte, defendi a adoção do sistema parlamentar de governo, assim como em meu livro preparado para 66 deputados/senadores, a pedido deles, editado pela Editora Forense e intitulado Roteiro para uma Constituição. Apesar de ter havido consulta popular sobre sua implantação, em que se mesclou o debate do tema com o retorno à monarquia – algo que, certamente, prejudicou a isenção da discussão –, vale a pena relatar uma experiência ocorrida em 1962/63, que passo a encampar.
Em 1962, presidi o diretório metropolitano do Partido Libertador, tendo, com o apoio da direção nacional (deputado Raul Pilla e senador Mem de Sá), vencido as eleições para dirigi-lo em São Paulo. Apenas deixei a política definitivamente em 1965, quando da edição do Ato Institucional nº 2, que extinguiu os partidos existentes, criando dois conglomerados (Arena e MDB).
Naquele ano, foi instituído o horário gratuito. O primeiro programa abriu a polêmica quanto a devermos ou não continuar com o parlamentarismo de ocasião, então vigente, ou voltar ao presidencialismo. Participei desses programas criticando o presidencialismo – o PL era o único partido favorável ao regime parlamentar –, mas tecendo críticas também ao desfigurado sistema parlamentar brasileiro. Aconselhei o eleitor a não dizer nem “sim” nem “não”, mas “talvez”, naquele plebiscito.
No ano seguinte, apresentei 60 candidatos a vereador, depois de ter criado uma comissão com professores universitários para aferir os predicados culturais e o conhecimento de política nacional do candidato, além de, mediante pesquisas paralelas, sua idoneidade.
Como à época os candidatos exibiam-se ao vivo durante as programações, os do PL foram aqueles que tiveram maior participação, pois eram mais habilitados a expor suas ideias, segundo o programa elaborado pelo partido. Abreu Sodré até chegou a brincar comigo, afirmando que eu queria fazer do PL uma academia e não um partido político.
De último colocado nas eleições anteriores, conseguimos formar a terceira bancada, perdendo apenas para o PSP de Ademar de Barros, e para a UDN, do próprio Sodré.
É que o eleitor avaliava os candidatos por aquilo que eram sem a intervenção de marqueteiros. Cheguei a presidir um colégio de presidentes dos diretórios metropolitanos dos diversos partidos na luta contra as emissoras de TV, a fim de garantir a exibição de nossos programas em horários nobres, tendo recebido o apoio do presidente do Tribunal Regional Eleitoral, desembargador Euler Bueno. Os programas se justificavam, então.
Hoje, não. Os horários gratuitos se transformaram em uma indústria de marqueteiros, em que o que de menos verdadeiro existe é a imagem que criam de seus candidatos, todos eles predestinados – por sua “honestidade, competência, descortino, cultura e inteligência” – a se tornarem, se eleitos, grandes figuras da história do País.
A cinematografia dos programas gratuitos é de tal ordem que qualquer candidato ganha perfil de herói dos personagens de filmes hollywoodianos, que nada têm a ver com os artistas que os encenam. Assim, são apresentados os candidatos produzidos por tais manipuladores da opinião pública, com o objetivo de conquistar o eleitor, pouco importando se aquele retrato é verdadeiro ou não, pois o que interessa é passar a “boa imagem” de seu contratado ao cidadão desprevenido para que ele ganhe a eleição.
Por esse motivo, defendo que tais horários – que interferem na decisão de considerável parte dos eleitores – voltem a ter a característica de seus primeiros tempos, quando os candidatos se apresentavam ao vivo e se mostravam como eram, sem a participação dos manipuladores de imagens eleitoreiras.
À evidência, não sou contra o trabalho de tais especialistas, desde que atuem na produção de novelas ou filmes ou qualquer outra atividade que gere distração ao público. Mas, decididamente, não aprovo que utilizem sua técnica para influenciar o eleitor, criando fotografias “alcandoradas” de candidatos a fim de transformar a realidade em uma triste fantasia. Esse procedimento deságua na eleição de pessoas que, no exercício do poder, têm provocado decepção e desesperança no espírito do eleitor brasileiro, que não confia nos políticos eleitos.
Acresce-se que quanto mais alianças um candidato fizer com os 32 desfigurados partidos políticos, mais terá condições de enganar o eleitorado, pois o tempo pago pelos contribuintes será maior. Como não há, no mundo, 32 filosofias políticas diferentes, à nitidez tais conglomerados de políticos existem para gozar de um “poder de negociação” em que os interesses individuais valem mais que o interesse público.
É matéria a ser meditada, principalmente pela Justiça Eleitoral.
Dr. Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.