A força empreendedora dos “novos luso-descendentes”

Por Igor Lopes

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Na área da estética, Sandra Pereira. No ramo de calçados, Thiago Moreira. Foto: Igor Lopes

O mundo do empreendedorismo foi sempre um caminho aberto para a realização dos sonhos dos portugueses que vieram morar no Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro, há gerações atrás. A falta de oportunidades levou muitos desses cidadãos a abrir o próprio negócio e, com muito esforço, conseguiram alcançar os objetivos. Hoje, o contexto é outro. Filhos e netos de portugueses vivem num mundo com mais disponibilidade para sonhar, mesmo assim, as dificuldades aparecem. Em terras brasileiras, luso-descendentes continuam apostando em empresas familiares e o sucesso é só questão de tempo. Uma luta sem fim que o Mundo Lusíada acompanhou por meses e pôde comprovar que a força de vencer está mesmo no sangue lusitano.

Em 2007, nascia o sonho de Sandra Pereira. A conquista do negócio próprio começava a ganhar asas num bairro da Zona Norte do Rio. Ao todo, seis pessoas fazem parte do atual quadro fixo de funcionários e a tendência é aumentar esse efetivo. Mas, no início, os obstáculos foram grandes. Sandra terminou o ensino superior no ramo da psicologia e de cara embarcou na aventura de comandar um salão de beleza.

“Foi um início de muitas dúvidas e de ajustes, principalmente para a equipe de profissionais que já trabalhavam no salão, que tiveram que se adaptar ao meu modo de trabalhar. Mas não fiz muitas mudanças e, sempre atenta aos pedidos das funcionárias, aos poucos fui colocando as coisas do meu jeito”, conta Sandra, que recorda os tempos difíceis. “Tive de aprender a administrar tudo, desde a limpeza até o pagamento das funcionárias”.

No ramo da estética, essa luso-descendente diz ter descoberto o seu ar empreendedor. Os planos eram o de emigrar, mas foi na sua terra natal que ela se encontrou.

“Sempre gostei de mudar o visual e de estar em um salão de beleza. Tudo isso começou numa viagem a Portugal, onde, na aldeia dos meus avós, não existia salão e, se quisessem cortar os cabelos ou fazer as unhas, tinham que se deslocar para longe. Com a proposta de morar em Portugal, fiz um curso profissionalizante no Rio para poder abrir o meu salão na terrinha, mas os planos não deram certo e abri aqui no Brasil mesmo”, comenta.

Agora numa nova fase, já que saiu de um ambiente maior para quase triplicar o tamanho das instalações, Sandra investiu mais de 60 mil Reais somente em reformas, com a aquisição de um novo mobiliário e a entrada em funcionamento de uma estrutura de trabalho maior. Segundo ela, todos os esforços estão valendo a pena.

“É muito bom o mercado comercial no Rio. Tem crescido bastante. Aqui tenho espaço para todos trabalharem, desde que sejam respeitosos com os nossos clientes e façam um bom serviço”, avalia a empresária, que se considera bem-sucedida.

“Penso que devemos atuar sempre com respeito ao consumidor tentando ao máximo atender as suas necessidades. É preciso sempre estar buscando coisas novas e oferecê-las a seus clientes, ter profissionalismo acima de tudo e humildade”, atesta, após confirmar o apoio da família, que ainda hoje serve de exemplo.

“Meu grande inspirador é meu pai, que chegou de Portugal e começou como empregado de padaria, como tantos outros portugueses que vieram para o Brasil, e, agora, é sócio do seu próprio negócio”, sublinha Sandra, que acredita que o seu trabalho tem um grau de seriedade que deve ser levado em conta.

“Mexer com a beleza é algo muito sério, pois mexemos também com a autoestima dos clientes”, finaliza Sandra, que reclama, porém, que os impostos pagos “são altíssimos para uma microempresa”.

Sobre a conjuntura econômica do Rio, Sandra acredita que a burocracia atrapalha bastante. “Há muita burocracia. Não temos incentivo quase nenhum. Acho que o Rio ainda está longe, por exemplo, de São Paulo. Na Europa e nos EUA estão os melhores salões de beleza e com metade dos impostos que pagamos por aqui”, refere.

Nesse mesmo caminho de mudanças, obstáculos e desafios, surge outro luso-descendente de fibra. Thiago Moreira é responsável por uma empresa familiar do ramo de calçados infantis na cidade maravilhosa. Sua irmã, Vanessa, que é também sócia, assume funções na área jurídica e de compras da marca.

“A empresa surgiu em 1992, no bairro de Madureira, Zona Norte do Rio. Meu pai entrou meio de ‘gaiato’ com um primo dele como sócio, mas não estava dando muito certo, e esse primo acabou deixando a empresa e as dívidas. Meu pai conseguiu dar a volta por cima, mas a expansão de nossa marca se deu a partir de 2004, quando eu retornei de Portugal, onde conclui meus estudos, e resolvi abraçar a empresa e dar prosseguimento ao trabalho que meu pai não tinha muito tempo para desenvolver, visto que ele tinha outros negócios na época”, conta o empresário, que celebra o fato de que, no início, havia apenas uma “pequena loja”, mas, hoje, a marca está presente em vários centros comerciais cariocas e em algumas das ruas mais movimentadas do tradicional comércio da cidade.

Além da venda de calçados, a empresa aposta em projetos sociais, como o “Pé Descalço Nunca Mais”, no qual qualquer pessoa que levar um calçado usado às lojas, ganha 10% de desconto na compra de outro. “Os calçados arrecadados e outros com pequenos defeitos são doados às instituições, creches da prefeitura ou qualquer um que nos solicite esse tipo de ajuda”, revela Thiago.

Como forma de atrair a atenção dos clientes, Thiago diz que tornar o produto acessível a todos e ter boa qualidade no que se vende é algo primordial, além disso, a sua paixão pelos “baixinhos” torna o seu trabalho muito mais fácil.

“Prezo muito pelo preço baixo de meus produtos, mas não abro mão da qualidade. Eu não penso só no dinheiro, tanto que nunca fui corrompido por produtos chineses de péssima qualidade, onde eu teria grandes lucros e é isso que os meus concorrentes fazem. Eu só trabalho com fábricas brasileiras e que fazem calçados anatômicos. Se as pessoas soubessem o quanto é importante o calçado correto no desenvolvimento do caminhar das crianças, não colocariam nos pés de seus filhos qualquer coisa”, defende esse luso-descendente.

Em relação ao que se investe para colocar uma marca em operação, Thiago é enfático ao dizer que não é possível esperar a ajuda de nenhuma autoridade.

“Atualmente estamos investindo em um novo layout de nossa marca, que vai desde uma mudança da identidade visual das lojas, logomarca, uniformes, além da abertura de um novo setor administrativo na Barra da Tijuca, em 2014. Tudo isso em comemoração aos 20 anos da marca”, confirma Thiago, que acredita que o mercado carioca é “muito complicado”, pois “não há apoio”, mas, segundo ele, “os eventos esportivos que estão por vir vão aquecer bastante o mercado”.

À nossa reportagem, Thiago ressaltou que um bom empreendedor deve ter “foco, liderança, ser maleável e ter muita criatividade” para se manter de pé nessa empreitada. Como resultado da sua persistência, a empresa que administra emprega cerca de 40 funcionários, um marco respeitável tendo em conta os seus 20 anos de história.

“Sinto muito orgulho de ser luso-descendente. Fui a Portugal fazer faculdade, mas voltei pois tinha negócios de família para cuidar e Portugal já não estava lá com a economia muito boa. Tenho um projeto pronto para a abertura de uma filial num centro comercial da cidade de São João da Madeira, no distrito de Aveiro. Está tudo pronto mesmo, estive a um passo de abrir a loja, mas foi quando Portugal entrou em crise e achei que ainda não era a hora. Mas o sonho continua”, sublinha Thiago, que revela que a meta agora é abrir uma loja de roupas infantis.

Segundo Alberto Besser, gerente do Instituto Euvaldo Lodi (IEL) do Rio de Janeiro, do sistema Firjan, o papel do empreendedor prende-se com o fato de ele ser gerador de emprego e renda. Ouvido pelo Mundo Lusíada, este responsável explica que é preciso atenção na hora de se apostar no negócio próprio.

“O empreendedor deverá se informar sobre os procedimentos burocráticos para abertura de sua empresa, sobre as formas de obter financiamento e é altamente recomendável que ele elabore um plano de negócios. O estudo “Quanto custa abrir uma empresa no Brasil?”, elaborado pelo Sistema FIRJAN, em 2010, mostra que o custo para iniciar um novo negócio no país, em média R$ 2 mil, está entre os mais caros do mundo”, finaliza.

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